Uma História de Amor Num Lugar Estranho
Em 2003, Sofia Coppola estreou Lost in Translation, um mítico filme que conta a história de Bob (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson), dois norte-americanos em Tóquio, assombrados pelas melancolia, insónias, solidão e pelo jet-lag.
Foi nesse mesmo ano, depois da estreia de Lost in Translation, que os realizadores Sofia Coppola e Spike Jonze assinaram os papéis de separação.
Dez anos depois, em 2013, Jonze lança Her. Este filme transporta-nos até um futuro próximo e apresenta-nos Theodore (Joaquin Pheonix), um “pen pal” de profissão, que se apaixona por Samantha (Scarlett Johansson), uma inteligência artificial altamente sofisticada, integrada num sistema operativo de última geração. Uma História de Amor (título em português) descreve o término de um relacionamento e muitos acreditam ser uma correspondência a Lost in Translation.
Claro que esta é uma questão rebuscada e baseada em especulação de fãs que, se mal interpretada, pode passar por um fait diver de revista cor-de-rosa hollywoodesca. Mas peço-vos que não olhem para este tema com esse tipo de superficialidade, que tenham em consideração todo o processo emocional que há na redação de um argumento cinematográfico e que contemplem a ideia de que talvez, só talvez, possa haver algo mais nesta ideia de “cinema por correspondência” – pois, tal como constatou Martin Scorsese, “cinema is a matter of what’s in the frame and what’s out.”
Por esta altura os nossos estimados leitores deverão estar a perguntar-se se há, de facto, uma relação assumida entre estes filmes. Bom, sim… e não. Tal como a maioria das relações no século XXI, é complicado.
Numa entrevista à Entertainment Weekly, em 2003, Sofia Copolla admitiu haver aspetos da sua experiência conjugal com o realizador de Her. “It’s not Spike(…)”, refere a realizadora, “but there are elements of him there, elements of experiences.” Já Jonze, numa entrevista à Vulture, em 2013, opta por não falar das suas obras enquanto fragmentos autobiográficos. Porém, o certo é que é impossível não ver as analogias entre Lost in Translation e Her, seja pelo enredo ou pela linguagem audiovisual.
Em ambas as obras, os protagonistas estão num estado de “purgatório”. Esta condição é representada pela cidade que, enquadrada pelos grandes janelões dos apartamentos modernos, ofusca a melancolia dos protagonistas Theodor e Samantha. Tanto Her como Lost in Translation descrevem histórias sobre a individualidade, sobre alguém que lida com um processo de separação, um estado intrínseco, espelhado pela direção de fotografia, que recorre a uma profundidade de campo superficial para alhear as luzes da cidade, do “purgatório”, e enclausurar as personagens no seu estado de ser. Estes filmes, por muito diferentes que sejam a nível textual, falam sobre os mesmos temas: solidão, amor, pertença. Tanto a obra de Jonze como a de Coppola descrevem um estado de alienação para com o mundo que rodeia os protagonistas, figurativamente (no caso de Her) e literalmente (no caso de Lost in Translation).
Quer os autores o tenham feito de forma intencional ou não, a verdade é que a estética de Sofia Coppola e Spike Jonze é bastante semelhante. As temáticas do enredo são, fundamentalmente, as mesmas, e até as premissas dos filmes se assemelham. Mas porquê? Aqui reside a verdadeira pertinência deste tema. Talvez se deva às experiências partilhadas pelo casal; à possibilidade de a escrita de ambos ter sido influenciada por um reportório emocional idêntico ou, porventura, às referências cinematográficas de ambos serem apenas extremamente parecidas. No entanto, acredito que a questão é, certamente, mais profunda do que isso. E descobrir a verdade implica olhar para o cinema tendo em consideração aquilo que a sétima arte realmente é: uma linguagem e uma forma de expressão artística.
No término das relações, a personalidade da pessoa marca-nos profundamente e permanece na nossa identidade, refletindo-se nas nossas ações ou até na nossa forma de comunicar. Adquirimos novos hábitos, formas de pensar e até expressões linguísticas.
Tal como nos relacionamentos, o que permaneceu no cinema de Jonze foram traços de Sofia Coppola. E isto, na minha opinião, é aquilo em que reside a verdadeira essência da sétima arte.
O cinema é, em todas as suas vertentes, uma forma de expressão que espelha em cada frame as perceções e relações humanas. É um meio de comunicação fluido e mutável, constantemente alterado pela nossa perceção do mundo: uma arte num “perpétuo movimento”.É incerto dizer, de fonte segura, que Her é uma correspondência à obra de Sofia Coppola. No entanto, a nossa capacidade de interpretação nesta matéria está limitada à nossa experiência e, talvez, esta nunca deixe de ser uma história de amor perdida na tradução.
Fonte de capa: Youtube
Artigo revisto por Andreia Custódio
AUTORIA
Aluno de mestrado em Audiovisual e Multimédia na ESCS. Trabalhei 1 ano como editor de vídeo e assistente de realização, e embora a paixão se mantenha, em 2020 comecei a expandir conhecimentos para seguir os meus objetivos de escrever guiões e ensinar escrita de argumento. Comecei a trabalhar como estagiário na SP Televisão. Mas foi desde jovem, na paz da Beira Interior, que criei uma grande afinidade por histórias, filmes, artes e cultura.