Urbi et obras: Quem é quem?
Desde que a crise foi oficializada em Portugal com o pedido de ajuda externa que tem havido algumas crises de identidade. Alguns achavam que Portugal era a prova de que a natureza não é perfeita e que estava na altura de admitir à mãe Alemanha isso mesmo: “Eu sou um ele, mas sinto que nasci com as fronteiras erradas. Sou um ele, mas sinto-me uma “ela”. A partir de hoje sou a Grécia”. Claro que a Alemanha fez o que qualquer mãe austera faz numa situação destas e meteu Portugal de castigo. Aos poucos, foi aliviando um pouco, mas continua a exigir que Portugal cumpra as suas obrigações para não levantar a suspeita de que é Portugal de dia e Grécia à noite.
Agora que o Syriza ganhou as eleições na Grécia, por cá assiste-se a uma espécie de contorcionismo ideológico: aqueles que achavam que Portugal era a Grécia já acham que não é bem assim e aqueles que achavam que não era já gostavam de que fosse. Confesso que não consigo sentir o entusiasmo que muitas das pessoas sentem com o Syriza pela simples razão de que me parece sempre precipitado (e normalmente errado) estar entusiasmado com políticos. Mais ainda quando ainda estão na linha de partida.
O que está em causa neste entusiasmo é o desejo de ver a vitória da esquerda grega replicada noutros países, entre os quais Portugal. Não é preciso ser grande adivinho para olhar para a fragmentada esquerda portuguesa e perceber que o contágio está tão distante como o do Ébola sempre esteve. Em Portugal, a esquerda vai continuar a ser boa só para os canhotos.
Aquilo que é curioso analisar e perceber é o crescimento dos países mais colados às extremidades do espectro ideológico: se a esquerda ganha na Grécia com o Syriza e em Espanha vai ganhando adeptos com o Podemos, em França é a extrema-direita que vai galgando lugares com a Frente Nacional cada vez mais perto do poder. A História do século XX ensinou-nos que os partidos dos extremos se erguem quando algo está mal e que as coisas depois tendem a ficar ainda piores.
Espero que este texto não levante nenhuma espécie de alarmismo. Por cá, continua tudo na mesma. Quando a troika entrou em Portugal, era evidente que não éramos a Grécia. Enquanto os gregos tiveram um Sócrates que contribuiu para a elevação espiritual da Humanidade, nós tivemos um que saiu do Governo com o país à beira da bancarrota e que acabou preso. Tal como as nossas carteiras acabaram presas à austeridade. Não vejo, por isso, razão para achar que alguma coisa vai mudar agora. Em Portugal, Tsipras só à moda do Porto.
AUTORIA
O Francisco Mendes é licenciado em Jornalismo e pauta a sua vida por duas grandes paixões: Benfica e corridas de touros. Encontra o seu lado mais sensível na escrita de poesia, embora se assuma como um amante da ironia e do sarcasmo. Aos 22 anos é um alentejano feliz por viver em Lisboa.