Made in ESCS, Mundo Académico

Veganismo: “pela nossa saúde, pelo nosso planeta e pelos nossos animais”

Desde os primeiros dias veganos modernos, marcados pelo surgimento da primeira sociedade vegan (The Vegan Society), em Inglaterra, em novembro de 1944, até à atualidade, cada vez mais pessoas por todo o mundo se têm rendido a esta alimentação 100% vegetal. O veganismo é uma dieta baseada em vegetais, frutas, tubérculos, leguminosas, frutos secos, cereais, sementes e gorduras vegetais, que evita todos os alimentos de origem animal, como a carne, peixe, marisco, laticínios, ovos e mel.

Segundo os dados de um estudo do Centro Vegetariano – Associação Ambiental para a Promoção do Vegetarianismo –, em 2017, 60 mil portugueses identificaram-se como vegans, representando 0,6% da população. O crescimento do número de adeptos do veganismo é resultado de um maior acesso à informação e da consequente mudança de mentalidades e de comportamentos. Assiste-se a uma crescente preocupação com o cuidado da saúde, do ambiente, associada à ameaça das alterações climáticas, e da exploração e compaixão animal – principais razões que levam muitas pessoas a iniciarem-se neste regime alimentar.

Quais são os benefícios do veganismo para a saúde?

A dieta vegan pode ser mais saudável se forem feitas as escolhas acertadas para esta ser devidamente equilibrada, variada e nutricionalmente rica. 

De acordo com a The Vegan Society, o veganismo pode trazer benefícios a longo prazo, como a redução da pressão arterial e do colesterol, havendo, assim, uma menor probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares, como enfartes do miocárdio e AVC (acidente vascular cerebral), associadas ao consumo excessivo de gorduras saturadas da carne, do leite e ovos. 

É também reduzido o risco de se desenvolver doenças crónicas, isto é, doenças que não são resolvidas num curto espaço de tempo e que devem ser controladas, como a obesidade, a hipertensão arterial e diabetes tipo II e, sendo uma alimentação forte no consumo de fibra, reduz ainda o risco de contrair alguns tipos de cancro.

Marcos Melo, licenciado em Audiovisual e Multimédia pela ESCS em 2006, atualmente membro da equipa do Serviço de Comunicação (Gabcom) da instituição, é vegan há cerca de três anos e meio. Antes de enveredar pelos caminhos do veganismo, foi ovolactovegetariano (dieta que exclui o peixe e a carne, em que se continua a consumir produtos lácteos e ovos).

Em 2017 decidiu optar por um regime mais saudável: “Percebi que estava a optar por soluções “rápidas” e menos saudáveis, talvez devido ao estilo de vida que hoje a sociedade nos impõe. Bani alguns produtos da minha alimentação (refrigerantes, congelados, refeições pré-preparadas, batatas fritas, carne vermelha) e inseri outros (fruta, leguminosas, legumes). Daí ao veganismo foi um ápice”, conta.

 Marcos Melo / Fotografia cedida pelo próprio

Esta transição rápida exigiu de Marcos algum tempo e dedicação para se informar devidamente: “Não tive dificuldades em adaptar-me ao regime vegan. Claro que tive de me esclarecer, pesquisando e lendo algumas fontes, como livros e artigos. A maior preocupação foi perceber que alimentos de origem vegetal poderiam substituir as fontes de proteína “tradicionais”. Mas, hoje em dia, existem disponíveis no mercado muitos produtos vegan. De 2017 até agora, o aumento da oferta tem sido exponencial”.

Cuidados a ter para evitar carências nutricionais

Em qualquer alimentação que esteja a ser mal planeada, isto é, que não tenha em linha de conta os princípios de equilíbrio e variedade alimentar, podem surgir carências nutricionais. No caso do veganismo torna-se, por isso, necessário encontrar alternativas vegetais que garantam a obtenção de uma quantidade saudável de proteínas, vitaminas, minerais e gorduras.

O reforço deve ser feito ao nível de nutrientes essenciais, consumindo produtos fortificados nestes, como o ferro, a vitamina B12 (que não existe naturalmente no mundo vegetal), vitamina D, cálcio, zinco e ácidos gordos ómega-3. Para além do reforço natural, outra opção passa por recorrer a suplementos.

Beatriz Esperança, aluna de terceiro ano da licenciatura de Audiovisual e Multimédia na ESCS, começou, ao final de dois anos desde que se tornou vegan, a notar uma deficiência de ferro. “Não foi grave, [o nível de ferro] desceu, portanto compensei. Tomei durante 30 dias um suplemento vitamínico totalmente normal que qualquer pessoa de qualquer dieta por vezes toma”, explica. Entre os benefícios que a dieta vegan lhe trouxe, refere o ganhar de alguma calma: “Não consigo provar cientificamente, mas sinto que sou uma pessoa ainda mais relaxada”.

Beatriz (com óculos de sol) com colegas e crianças num gueto em Bangalore, província Karnataka. Foi nesta viagem à Índia que experimentou vários pratos vegan. No regresso a casa, conta que a comida ocidental já não tinha, para si, o mesmo sabor. Começou assim a sua transição. / Fotografia cedida pela própria

No caso de Marcos, o acompanhamento médico que tem feito ao longo dos anos tem revelado que o veganismo não prejudicou a sua saúde. “O desconhecimento leva a que os outros formulem juízos de valor sobre as nossas opções. As pessoas diziam que poderia adoecer, devido a carências nutritivas. Felizmente, isso não aconteceu. Alguns meses depois [de adotar esta dieta], fiz análises e marquei uma consulta — para descansar família, amigos e eu próprio — e a minha saúde estava ótima. Nunca precisei de tomar qualquer tipo de suplemento. O único efeito físico que senti foi a perda de peso”, refere.

Convicções éticas: mais do que uma dieta

No final do ensino secundário, Margarida Seguro, licenciada em Publicidade e Marketing pela ESCS em 2019, depois de assistir ao Super Size Me – documentário norte-americano de 2014, cujo diretor experimenta alimentar-se durante 30 dias apenas de comida fast-food da cadeia de restaurantes McDonald’s – e de ficar interessada noutros documentários, começou a questionar-se sobre como era produzida a comida que chega até nós. “Houve ali um período em que disse mesmo aos meus pais: não vou comer animais nos próximos tempos”, relembra.

 Margarida na Greve Climática Estudantil de 27 de setembro de 2019 / Fotografia cedida pela própria

Ser vegan acarreta ainda outros desafios para além da mudança dos hábitos alimentares – é aí que este estilo de vida difere do vegetarianismo e de todas as outras vertentes. Aqueles que o recebem de braços abertos caminham, de forma gradual ou radical, em direção à exclusão de todos os produtos de origem animal da sua vida.

Preocupam-se em conhecer a composição e os processos de fabricação de todos os bens que comem e utilizam. Desde produtos de cosmética, de higiene pessoal e limpeza, a peças de roupa, acessórios e calçado, quem é vegan disciplina-se de forma a perceber se estes são testados em animais ou se contêm materiais de origem animal, como o cabedal, a lã e o pelo. 

Optam ainda por não apoiar qualquer forma de exploração animal, como o uso de animais no entretenimento. “Não faz sentido que animais, seres vivos, tenham de sofrer para as nossas ostentações, luxos, caprichos, o que seja. Não só mudei a minha a alimentação, como também passei a não consumir coisas que pudessem ter algum tipo de abuso animal por detrás”, explica Margarida.

Quero ser vegan: por onde devo começar?

Ser-se vegan é uma missão fácil quando se conhece as motivações pessoais por detrás desta escolha. É normal que haja um período de adaptação, até do próprio corpo, enquanto as novas receitas e alimentos entram, aos poucos, na rotina. O ritmo da transição pode diferir de pessoa para pessoa.  

Margarida Seguro relembra como deu este passo, há cerca de quatro anos: “Torna-se um hábito. Depois já não sentia falta nenhuma daquele tipo de leite ou iogurtes, daquele prato de carne ou de peixe. É um processo. Se uma pessoa estiver focada e com força de vontade, perceberá que é o melhor para a nossa saúde, planeta e animais. Tinha o meu irmão, o primeiro cá em casa a preocupar-se com este tipo de alimentação vegetariana ou vegan, o que também ajudou, e outras amigas, então foi um processo gradual e não houve grandes barreiras”.

Fora o passo da autodescoberta, decidiu tomar a suplementação da vitamina B12 e seguiu as recomendações dos especialistas: Pelo menos ter a primeira consulta, para dizerem que estão a fazer uma nova dieta, e fazer análises é importante. Tento sempre fazer de seis em seis meses ou de ano a ano para ver se está tudo bem”.

Para Beatriz Esperança, o segredo reside em estarmos abertos a experimentar: “Mais vale primeiro começar por experimentar. Perceber se se gosta ou se não se gosta e, a partir daí, depois entrar por outros caminhos”.

Ambas as jovens partilham da mesma opinião de que a questão de se “rotularem” não deve ter tanta relevância. “Apesar de realmente não ter depois comido outras coisas que não fossem vegan, não precisam de existir barreiras super delimitadas. O que interessa é o nosso esforço constante em reduzir a nossa pegada ecológica. A partir daí, se conseguirmos começar a tomar decisões mais para o lado do veganismo, se calhar somos capazes de ser mais sustentáveis. É preciso ter essa noção, sejamos vegans, vegetarianos, piscívoros, o que for”, conclui Beatriz.

Margarida deixa uma mensagem parecida: “Nós às vezes esquecemo-nos de que nós próprios já tivemos anos da nossa vida a consumir esses produtos. Todos os passos para reduzir a nossa pegada ecológica e os maus tratos animais são super positivos. Levem o vosso tempo. Sempre que sentirem que falta inspiração, é só ouvirem um documentário ou falarem com alguém que já o é. Há receitas deliciosas. Comprem um livro de culinária. É só seguir e experimentar. Mesmo que façam isso só uma ou duas vezes por semana, vão ver que cada vez é mais fácil de irem adotando esta dieta e aos poucos também podem mudar os outros hábitos de consumo”.

Artigo escrito por Inês Malhado

Artigo revisto por Ana Cardoso