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When They See Us: Um murro necessário no estômago

A minissérie When They See Us (traduzido para “Aos Olhos da Justiça”) estreou a 31 de maio de 2019 na Netflix. Composta por quatro episódios, conta, num total de aproximadamente cinco horas, a história dos Central Park Five.

Se tal como eu desconhecias este caso, vou passar a elucidar-te: em 1989, uma mulher, 28 anos, foi agredida e violada no Central Park, em Nova Iorque, e ficou em estado crítico, a lutar pela vida, sem se lembrar do que tinha acontecido. A noite do ataque coincidiu com uma enchente de jovens do bairro de Harlem, que decidiram ir para o parque fazer travessuras, como assustar os pedestres e empatar os ciclistas.

À data, uma aliança entre os media e a polícia determinou que o caso de Trisha Meili serviria de exemplo. Recebeu, então, uma maior atenção mediática e um esforço redobrado por parte das unidades policiais, que iniciaram buscas pelo bairro e pelo parque. Acabaram por culminar numa lista os nomes de vários jovens residentes de Harlem que pudessem ter estado presentes na noite do ataque. Depois de realizarem as buscas, reuniram os suspeitos nas esquadras.

Deixo uma das passagens que me marcou. Trata-se de um dos relatos que vilanizavam não só os cinco inocentes, como os restantes rapazes de minorias étnicas, com condições de vida inferiores, constantemente estigmatizados: “Estes jovens vinham de bairros desfavorecidos, vinham de um mundo de crack, armas, facas, indiferença e ignorância. Vinham de uma terra sem pais. Vinham de uma província de pobres, incentivados por uma fúria coletiva, a fervilhar com as energias da juventude. As mentes repletas das imagens das ruas violentas dos filmes. Eles tinham apenas um objetivo: esmagar, roubar, magoar, deter, violar. Os inimigos eram brancos.


Os Central Park Five motivaram manifestações em seu apoio, em que os moradores protestavam contra o racismo e a injustiça policial.
Fonte: rogerebert.com

“Porque é que este crime em particular mereceu uma minissérie produzida pela Netflix?”, perguntam vocês. Este crime, que prendeu a atenção dos EUA e do mundo, simboliza a corrupção e o racismo presentes nas forças policiais que atuavam na altura. Este ódio ditou a sentença de cinco jovens cuja raça não abonou a seu favor. Por serem negros ou hispânicos, cinco jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 16 anos tiveram um alvo colocado nas suas costas.

Nenhum dos rapazes testemunhou sequer o ataque. A maior parte não se conhecia. Estavam no sítio errado à hora errada. O público queria respostas, a polícia queria culpados, e estes cinco inocentes vinham mesmo a calhar – eram os suspeitos do costume. Foram alvo de horas e horas de interrogatórios em que lhes foram negadas as necessidades básicas (como ir à casa de banho ou comer). Menores de idade, alguns foram até questionados sem a presença de um familiar. A polícia nova iorquina foi bem sucedida em intimidá-los, o que facilitou a manipulação.

Kevin Richardson (14), Raymond Santana (14), Antron McCray (15), Yusef Salaam (15) e Korey Wise (16) foram coagidos pelas autoridades a admitir ser culpados de um crime que não cometeram; tudo em troca de falsas promessas. Assoberbados por tudo o que se passava, estes jovens confiaram em quem os interrogava e garantia que não tarda estariam em casa – mal eles sabiam que era a receita para o desastre. Começaram, então, a ceder à fabricação de toda uma narrativa que beneficiava a polícia, consentindo, quer em vídeo, quer por escrito, que as suas declarações eram fidedignas. Inventaram ter contactado com Trisha Meili, “relembraram” os restantes envolvidos e seus papéis no crime, gaguejaram os pormenores de uma fachada.


Aqui podemos ver os verdadeiros Central Park Five, o tempo que passaram na prisão e os crimes pelos quais responderam (Fonte: Betintl)

Vítimas de violência física e psicológica, estes cinco rapazes passaram a ter todos os holofotes virados para si. O ódio que nasceu na esquadra disseminou-se pelo resto do país e as suas vidas jamais seriam as mesmas. Todos os caminhos levavam ao tribunal, que, mesmo sem quaisquer provas que estabelecessem uma conexão entre a vítima e os suspeitos em causa, decidiu culpabilizá-los pelo crime. Os Central Park Five foram então sentenciados a cumprir pena de prisão, onde passaram o resto da sua adolescência e início da idade adulta.

A maior parte dos rapazes já tinha cumprido a pena completa quando o verdadeiro autor do crime confessou. As provas corroboraram a confissão e, em 2001, o mundo conheceu o real agressor de Trisha Meili: Matias Reyes.

A produção da Netflix decidiu – e muito bem – dar a conhecer este caso de injustiça judicial às gerações mais novas. Na minha opinião, não poderia ter feito um melhor trabalho. Os atores que escolheu para interpretar os cinco desempenharam os seus papéis de forma brilhante: Kevin Richardson foi retratado por Asante Blackk, Raymond Santana por Marquis Rodriguez, Antron McCray por Caleel Harris, Yusef Salaam por Ethan Herisse e Korey Wise por Jharrel Jerome. Destaco a performance de Asante Blackk e, sobretudo, de Jharrel Jerome – que inclusivamente conquistou um Emmy.

Nesta fotografia vemos os verdadeiros Central Park Five os e atores que os retrataram na minisérie da Netflix (Fonte: TVTime)

Primeiro, conhecemos a vida destes jovens antes de toda a confusão. Vemos ao pormenor o que os fez decidir estar presentes no Central Park na noite de 19 de abril de 1989, tal como a perseguição da polícia. O nó com que ficamos no estômago ao assistirmos a brutalidade de que são alvo durante os interrogatórios faz com que nos sintamos impotentes. É uma raiva em crescendo, um desconforto permanente.

A espera pelo julgamento e pelo veredito é angustiante. Apesar de sermos meros espectadores, a Netflix consegue fazer com que a frustração nos domine como se estivéssemos efetivamente presentes na sala do tribunal. Assim que o júri comunicou o seu veredito, senti um aperto no coração, acompanhado de arrepios e lágrimas.

Quando ainda estavam no limbo, antes de serem declarados culpados, decorreram várias manifestações a seu favor ou desfavor. Era um caso muito debatido em que até Donald Trump interveio. Na altura, quando era apenas um bilionário americano (e não o Presidente), comprou um anúncio em que expressava o desejo de reinstituir a pena de morte, castigo ideal, segundo o mesmo, para os cinco.

Pela sua performance enquanto Korey Wise, Jharell Jerome conquistou o Emmy de Melhor Ator em Minissérie ou Filme. (Fonte: Jeff Karvitz / FilmMagic)

Vemos com toda a clareza a injustiça, a manipulação, o racismo, a violência, a dor, o pânico que caraterizou este episódio negro da justiça americana. Vemos o desespero das famílias, o medo dos rapazes ao se aperceberem de que a sua adolescência acabara de lhes ser roubada – e nada podiam fazer para o contrariar.

Como se não bastasse, testemunhamos ainda a vida dentro da prisão. A falta de apoio, o ódio, as visitas da família (ou falta delas), as brigas, a luta pela sobrevivência. Cinco rapazes que foram obrigados a crescer antes do tempo e a passar por situações inimagináveis para a maioria de nós, tudo devido a uma corrupção policial e judicial repugnante.

No penúltimo episódio existe uma troca de atores, que simboliza o crescimento dos Central Park Five. Kevin Richardson passa a ser interpretado por Justin Cunningham, Raymond Santana por Freddy Miyares, Antron McCray por Jovan Adepo e Yusef Salaam por Chris Chalk. Korey Wise, o membro mais velho do grupo, foi sempre retratado por Jharrel Jerome. Ficamos a conhecer as dificuldades da reinserção na sociedade por ex-presidiários: as limitações em arranjar emprego, as mudanças no bairro, o envelhecimento da família, as relações amorosas disfuncionais.

No final de contas, a verdade veio ao de cima e a inocência dos cinco foi provada. (Fonte: Netflix)

Os paralelos são excelentes, tal como o encadeamento da narrativa. Não esperava, ao ver os episódios, que tivessem um final feliz. Estava longe de imaginar que o real culpado se chegaria à frente – e aquilo que me espantou ainda mais foi tudo o que rodeou esta confissão. Para aumentar a vossa vontade de conhecer esta minissérie, não vou pormenorizar esta questão, mas deixo um comentário relevante que vi: “A única razão pela qual os Central Park Five saíram em liberdade foi porque um assassino teve mais compaixão por eles que a polícia.”

When They See Us conclui da melhor forma possível, revelando os homens por detrás desta história macabra, os verdadeiros Central Park Five. Passamos a conhecer aquilo que fazem nos dias que correm e como foi a sua vida depois deste turbilhão. Apesar de me ter feito sentir desconfortável, recomendo vivamente que não se fiquem pelo trailer.

Vê-se numa tarde – de preferência com lenços de papel por perto – e não prima pela complexidade. Em vez disso, exibe uma clareza excecional no que toca ao retratar dos acontecimentos. Ninguém lhes pode devolver os anos que perderam na prisão ou repor a sua estabilidade emocional, pelo que, no mínimo, estes cinco homens merecem que toda a gente conheça a sua história e a injustiça de que foram alvo.

AUTORIA

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Depois de integrar a maioria das secções da revista, a Mariana ficou encarregue de incumbir esta paixão aos restantes membros. O gosto pela escrita esteve desde sempre presente no seu percurso e a licenciatura em Jornalismo veio exacerbar isso mesmo. Enquanto descobre aquilo que quer para o futuro, vai experimentando de tudo um pouco.