Desporto

1ª edição da refinada e semifundamentada entrega dos prémios individuais da época regular da NBA

Sabe-se lá porquê, a NBA decide apenas dar os prémios individuais numa gala pós-finais, como se alguém ainda se importasse. É verdade que não há literalmente pausa nenhuma entre os últimos dias da época e o início dos playoffs, e as equipas querem os seus jogadores concentrados para os jogos decisivos e não para uma gala superficial. Obviamente estou a brincar: é um prémio importante não só para a moral e confiança dos jogadores e equipas, como também para celebrar o seu esforço, dedicação e devoção. A glória só nos playoffs, e o Sporting não tem nenhuma. De qualquer maneira, a gala devia realizar-se nessa pausa, ou, pelo menos, os prémios deviam ser dados nesse espaço. Enquanto a NBA não os dá, dou-os eu, como se a minha opinião importasse.

Treinador do ano: Doc Rivers

Fonte: Scott Strazzante, San Francisco Chronicle

Quem lhe dera, amigo Steve.

Quando o Deus do logo decidiu trocar Tobias Harris para Philadelphia, pensou-se que os Clippers iriam dar tank no resto da época, até para recuperar a sua própria escolha de draft deste ano, que vai pertencer aos Celtics, visto estar fora da lotaria. Mas o campeão céltico Doc Rivers quis fazer a vontade ao velho amor e levou o patinho feio de Los Angeles aos playoffs, para gáudio dos fãs da cidade, que puderam tirar de vergonha o dourado e roxo da sua vestimenta.

Mas, longe de brincadeiras, Doc Rivers conseguiu não só uma época vitoriosa com um plantel subpar, como conseguiu chegar aos playoffs numa conferência oeste mais competitiva do que nunca, em que dois dos seus melhores jogadores vêm do banco (Lou Williams e Montrezl Harrell), outros dois jogadores preponderantes são rookies (Shai Gilgeous-Alexander e Landry Shamet, que veio da trade de Tobi e Bobi), e, no geral, um grupo de misfits que, apesar de terem inegável talento nos seus respetivos campos, tiveram mais dificuldades em afirmar-se, quer por lesões (Gallinari), quer por falta de skillset, mas que acabaram por dar a volta graças à sua perseverança (para além de Trez, Patrick Beverley) e outros, como Ivica Zubac, que teve um início muito lento de carreira, e que apesar de finalmente ter confirmado este ano que é legitimamente jogador de NBA e um jovem muito promissor, que Magic e Pelinka decidiram trocar por um stretch big com dificuldades em lançar (Muscala). Por muitos props que se possam dar a Jerry West, Doc mostrou que ainda é dos melhores treinadores da liga.

Outros merecem shoutout: Mike Budenholzer herdou o deus Grego, mas isso não significa que não fosse merecedor do prémio, especialmente tendo em conta o descalabro com Jason Kidd no ano passado: Bud até ganhou o galardão da NBCA (associação de treinadores). Mike Malone consolidou a equipa e tornou-a consistente o suficiente para tomar o segundo lugar da conferência oeste, Gregg Popovich deu mais um overachieve, apesar de beneficiar de algum star power com DeRozan e Aldridge, e Kenny Atkinson conseguiu também uma sublime época com um grupo de jovens promissores, em que um dos seus melhores jogadores falhou grande parte da época (LeVert).

Sexto homem: Lou Williams

Fonte: Twitter dos Los Angeles Clippers

Mereceu os nachos depois de espetar 35 bombocas nos campeões em título…

Lou Will é o embodiment daquilo que um sexto homem deve ser (para além de começar a maioria dos jogos no banco): é um puro jogador de “engate”, um spark plug, que entra para o jogo exclusivamente com a missão de marcar, e cujo efeito talismã é capaz de mudar por completo o rumo de um jogo quando a equipa mais precisa, tal como aconteceu neste jogo 2 contra os Warriors, a tal super equipa que desperdiçou uma vantagem de 3-1 em 2016 e uma vantagem de 31 pontos na semana passada. Coincidência? Sim, e gigante. Mas pode ser um presságio.

Williams é um talento nato a nível ofensivo, um jogador que é exposto pela sua fraca defesa e que desaparece num papel titular ou de mais minutos, especialmente quando joga com outros ball-handlers dominantes (como aconteceu com Harden), e isso não é denegrir o seu talento. Este floresce neste contexto específico de mescla de titulares com não-titulares e, quando alguns demoram a calibrar, Lou Will entra com tudo, porque simplesmente não entra com pressões e burocracias táticas: o esplendor do base de LA, o tal das duas namoradas, e se não fosse ele de Seattle, seguindo as pisadas do velhinho deus do shake and bake e sexto homem-mor, Jamal Crawford, que meteu 51 naquele que pode ter sido o seu último jogo na liga, é revelado com descontração total, quando não há nada a perder. Quando a única solução é simplesmente meter a bola no cesto mais vezes que o adversário, não há ninguém que mereça mais levantar o rabo do banco e despir o fato de treino.

O seu colega de equipa, Montrezl Harrell, merece um grande shoutout: de forma diferente, Trez é também um exemplo daquilo que deve ser um sexto homem, mas partilha as condições fundamentais que fazem com que brilhe neste papel tal como Lou Will. É um puro obreiro, um jogador de luta, ao estilo de Patrick Beverley, que é um pouco exposto pela sua altura contra a maioria dos postes, mas que, independentemente disso, é forte demais para suplentes de estatura similar, e atlético demais para os mais altos e corpulentos. Quando se alia isso à sua atitude inabalável e a um treinador competente, o resultado só pode ser positivo. Domantas Sabonis também esteve em destaque no banco de Indianapolis, contribuindo para o grit and grind com a sua luta nos ressaltos e a sua proficiência na meia-distância: não é nenhum Arvydas, mas safa.

“Most Improved”: Pascal Siakam

Fonte: 2K Sports

Começos humildes onde realmente interessa para os adeptos em geral…

Após a chegada de Kawhi, pensou-se que a “Bench Mob” teria chegado ao fim, e que Siakam teria de apressar o seu desenvolvimento se os Raptors quisessem que a víbora vinda do Texas (estou a gozar) fosse mais do que uma curte, um mero arrendamento. A verdade é que a gazela camaronesa (Giannis camaronês, diria até) tornou-se a segunda opção ofensiva da equipa, permitindo a Kyle Lowry funcionar mais como metrónomo e guia ofensivo. Spicy P passou de uma dinâmica opção de banco para um “quasi” all-star, capaz de criar ataques e oportunidades para ele mesmo com moderada eficácia, o seu lançamento melhorou bastante (especialmente por causa da sua eficácia a partir dos cantos), e aprimorou o seu jogo de slash/dribble-drive à la Giannis, funcionando como outlet/distribuidor. Falando mais de números, Siakam passou de 7,3/4,5/2 em 21 minutos por jogo para 16,9/6,9/3,1 em 32 minutos, aumentando tanto o seu volume de lançamento (de 6 para 12 lançamentos de campo, de 1,6 triplos para 2,7) como também melhorou a sua eficácia (de 51 por cento para 55 de campo, de 22 para 37 de triplos). Para além disso, Siakam é uma peça fundamental no esquema defensivo de Toronto, dando tremenda versatilidade em ajustes/switches com a sua rapidez e comprimento. Se trabalhar duro este Verão, tal como um certo grego tem feito, tem tudo para no próximo ano ultrapassar 20 pontos por jogo e cimentar o seu estatuto como all-star.

Buddy Hield estaria também perto de vencer, na minha opinião, tal foi o seu pulo em Sacramento, que foi uma das principais razões pela qual os Kings tiveram esta grande época. O bahamiano passou de 13,5/3,8/1,9 em 25 minutos para 20,7/5/2,5 em 32 minutos. Apesar de ter aumentado imenso o volume, também melhorou marginalmente as suas percentagens, e tornou-se a principal arma ofensiva de Sacramento, para além da raposa atómica, De’Aaron Fox. D’Angelo Russell também merece um shoutout (15,5/3,9/5,2 em 26 minutos para 21,1/3,9/7 em 30, melhorando também percentagens).


Rookie do ano: Luka Dončić

Fonte: Tom Fox, The Dallas Morning News

Às vezes o pai até tem piada…

O puto maravilha esloveno pegou literalmente de estaca nos Mavericks e chegou a estar na discussão para all-star, tanta foi a sua influência na equipa de Dallas. Com médias de 21,2/7,8/6 em 32 minutos de jogo. Tirando alguma ineficácia, calou os nephews (termo pejorativo para o pessoal chico-esperto que gosta de contrariar só porque sim) que pensavam que só por Doncic ser meio gorduchinho que a sua classe e talento não iriam falar mais alto, não fosse ele MVP da Euroliga com 19 anos. Dončić é uma verdadeira caixa de ferramentas ofensivas, um canivete suiço, aquilo que lhe quiserem chamar e que evoque o seu engenho e habilidade. É já considerado um híbrido e uma espécie de casamento entre James Harden e Larry Bird, combinando a capacidade de drible,  a criatividade em isolamento, o stepback e o ataque ao cesto do barbudo, e a meia distância, tenacidade e tremenda inteligência e leitura de jogo da lenda bostoniana, partilhando a capacidade de lançamento e de playmaking em volume de ambos. Desde o primeiro dia que não deixou dúvidas: Luka vai ser dos melhores jogadores dos próximos 10/15 anos, tal como Dirk foi.

Trae Young ainda deixou algumas dúvidas, mas lá emergiu como um base “Nash-esque”, com tremenda capacidade de distribuição, e com potencial para emergir como uma espécie de bebé Curry com o seu range de três pontos e a sua capacidade de penetração com bola. Acabou a época com médias de 19,1/3,7/8,1, apesar da eficácia duvidosa, e a sua parelha com John Collins vai fazer dos Hawks uma das melhores equipas da conferência este nos próximos anos. Deandre Ayton não esteve tão em destaque como merecia ter estado em Phoenix: apesar dos excelentes números e eficácia (16,3/10,3/1,8 em 58 por cento), o poste bahamiano não recebeu tanto jogo quanto devia ter recebido, e teria muito melhores números com um base como Trae.


Defensor do ano: Giannis Antetokounmpo

Fonte: Rocky Widner, NBAE/Getty Images

And you stare at me…

O deus grego esteve imparável este ano e, para além do seu domínio ofensivo, consegue ser também   a maior força defensiva da liga, pelo menos esta época. Com 1,2 roubos de bola e 1,5 desarmes, há poucos que têm o seu alcance defensivo, e é a principal razão pela qual os Bucks são das melhores defesas da liga: é capaz de acompanhar a maioria dos jogadores no perímetro e tem a pujança suficiente para funcionar como protetor de cesto. É, por outras palavras, o protótipo e o expoente máximo, na NBA atual, daquele que deve ser o defensor moderno: comprido e atlético, capaz de defender qualquer um e de dobrar qualquer companheiro de equipa em ajustes/bloqueios. A sua mera presença em campo é disruptiva: ninguém o quer atacar, e quanto mais perto do cesto, pior. Rudy Gobert tem também essa presença (é provavelmente o melhor defensor interior da liga), e, tal como Giannis faz em Milwaukee, sem a sua presença a defesa dos Jazz seria medíocre, mas não tem o alcance que Giannis tem. Paul George também merece um grande nod: a sua presença defensiva é muitas vezes a última esperança de uns Thunder desapontantes, e um dos catalisadores da sua “candidatura” a MVP.


MVP: Giannis Antetokounmpo

Fonte: Maddie Meyer, Getty Images

IN YOUR JESUS CHRIST POSE…

Mas bode-veado há só um, e creio que está na hora de nos ajoelharmos perante ele. É a força mais dominante e avassaladora desde Shaq, com os seus incessantes ataques ao cesto, e da mesma maneira que é o protótipo do defensor moderno no basquetebol, Giannis é o expoente máximo dos “unicórnios”: fundamentalmente, joga como um poste normal, mas com uma capacidade atlética god-like, e uma capacidade de meter a bola no chão que rivaliza muitos bases. O mais incrível é que ainda tem tanto por lapidar, e já consegue ser assim tão assoberbante. Não há realmente quem o consiga parar. Quem tem uma estampa física semelhante é trucidado pela sua velocidade e passada, e quem é mais baixo ou mais fraco fisicamente é atropelado pela sua potência e força. O seu lançamento ainda não é uma arma, mas já é usável e já há quem o respeite. Ainda não é um playmaker exímio, mas melhora a olhos vistos. Ainda lhe falta muita coisa, mas com aquilo que já tem, já consegue ser, provavelmente, o melhor jogador da atualidade. É uma questão de não perder a “fome”, e assim será a lenda que merece ser.

Para que conste, sou fã incondicional de James Harden. Tal como Giannis, não há ninguém que realmente o consiga travar: ofensivamente, não há ninguém que ofereça tanto. Há quem seja marginalmente melhor num aspeto particular (lançamento, ataque ao cesto, passe, etc.), mas, no cômputo geral, se o barbudo estiver com a bola, especialmente numa situação de isolamento ou de pick and roll, não há ninguém que consiga criar mais soluções: é o jogador mais engenhoso da NBA, e tem o talento/skillset e a capacidade atlética para levar a cabo tal engenho. Se Luka é uma caixa de ferramentas, Harden é o inspetor Gadget da NBA. Então, porque não deve o prémio ir para ele? Podia ser por narrativa, e não vou dizer que isso não importa até certo ponto. James Harden é odiado por grande parte dos adeptos e com razão: é um jogador matreiro, que explora as zonas cinzentas das regras e a leniência e, muitas vezes, incompetência dos árbitros para sacar faltas ou ganhar espaço, como os flops nos lançamentos ou prender os braços dos adversários. Por isso, compreendo que há quem não queira ver alguém assim ganhar aquele que é o mais importante prémio da liga, aquele que coroa o melhor jogador da liga naquela época e, consequentemente, esse jogador é, de forma oficiosa, o melhor da atualidade. Isto ganha ainda mais peso em caso de aparente empate. Giannis, por seu lado, é matreiro, e gosta de provocar , e isso não é mau (muito pelo contrário). Seria se recorresse de propósito a jogo sujo para ganhar vantagem, em lances que podem resultar na lesão de jogadores. Apesar de ter estado envolvido na jogada que lesionou Kristaps Porzingis e de ter sugado a alma de Tim Hardaway Jr., o grego está exclusivamente envolvido em lances da corrente do jogo, e não em manhas que podem resultar em lesões: se lesionou, foi num lance da corrente do jogo, casualmente. Isso leva-me à principal razão pela qual eu quero Giannis a vencer este prémio: quer seja a atacar ou a defender, ele compromete-se a 100 por cento com o jogo. Harden melhorou defensivamente, e tem a sua utilidade: é muito forte em trocas e ajustes e antecipa-se bem às linhas de passe. Mas parece que muitas vezes, quando é batido, o homem que deixou seguir deixa de ser problema dele. Em parte, talvez, mas não há compromisso. Parece que só sabe ou só quer jogar a atacar. Giannis joga dos dois lados, com intensidade total (ou quase total), e é isso que deve fazer um MVP. Em caso de aparente empate, e na minha opinião ele existe nesta luta, é isso que deve ser valorizado.

Artigo revisto por Gonçalo Taborda