Artes Visuais e Performativas

Se não sais de ti, não chegas a saber quem és

Seguindo a preceito o texto do Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago, a encenação de Rita Lello, n’A Barraca, em Santos (Lisboa), é, mais do que uma lição de vida, uma aula da arte de fazer teatro.

Os homens do leme são quem nos guia. Quem nos leva lá aonde temos de ir, quem nos ruma lá para onde está nosso destino traçado, seja ele conhecido, seja ele uma incógnita, uma dúvida, um desejo, ou sonho somente. O homem do leme nos leva; nos conduz. É assim que começa o espetáculo: ao bar, no segundo piso do cansado prédio d’A Barraca, vem um homem, de fato-macaco amarelo, meias de lã creme e um barrete – é o homem do leme. De seguida nos navega pelas escadas do prédio, até à sala 2 do teatro.

A tripulação – e por tal se entenda os espetadores – é reduzida. Contando com o narrador desta atual história que se está contando, meramente nove almas assistiam nas cadeiras fofas, na tarde de um domingo, à peça que conta a história de um homem que um dia se chegou à porta de um rei e lhe pediu um barco.

Incluído no ciclo de obras de José Saramago (1922-2010) levadas a palco pel’A Barraca, «O Conto da Ilha Desconhecida», de Rita Lello, junta-se a «Clarabóia» e a «1936: O Ano da Morte De Ricardo Reis» – este último ainda em cena.

Com o ator Tiago Assis no leme, Nádia Yracema a fazer de mulher de limpeza, Rita Soares e Samuel Moura a completar o elenco (a que se juntam os técnicos do som e de luzes, também no palco), o espetáculo faz-se ao ritmo do Saramago contador de histórias. As palavras difíceis são explicadas não com acrescentos ao texto, mas com adereços e outras aclarações visuais que permitem aos mais pequenos entender o que são obséquios, petições e demais comoções que possam invadir um rei que na sua casa brinca.

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Para além da história do único Nobel português na literatura, a peça «O Conto da Ilha Desconhecida» é uma lição de teatro: o palco está despido; veem-se as nervuras, os ossos, os músculos do palco. As cordas, as luzes, as roldanas. O montar e o desmontar do cenário – tudo isto está exposto, tudo isto contribui para a história de esperança, persistência e resistência de um homem que queria um barco, e se confunde, por fim, com a história de um teatro que resiste, numa Lisboa em obras, às transformações e mutações de um público.

Conhecer por dentro como se faz uma peça – como entram os cenários, como se montam as histórias e os mundos explorados no palco – promete ser, talvez, o melhor complemento que se retira de uma peça em tudo mais identicamente completa.

Pensado para crianças a partir dos quatro anos, «O Conto da Ilha Desconhecida» está em cena à beira do Tejo, que lhe podia servir de cenário, para ensinar também os adultos a olhar para si e a perceber «[q]ue é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós[.]»