E agora?
Esta crónica é escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico
Aqui há uns largos meses, durante as primárias eleitorais norte-americanas, profetizei que Donald Trump iria ser esmagado pela concorrência democrata. Aparentemente o meu nome não é Cassandra, pois não podia estar mais longe da verdade. Trump ganhou as eleições, até com relativa margem de manobra. Saber como tudo isto aconteceu exige uma análise social e cultural cuidada.
Não obstante, alguns fatores parecem-me ser relativamente evidentes: os níveis recorde de abstenção, o desinteresse jovem por ambos os candidatos e um profundo ódio ao grupo sociopolítico que Hillary Clinton representa contribuíram para a vitória de Trump.
Mas, agora que o mal está feito, olhemos um pouco para o futuro.
Qual é o verdadeiro risco de uma presidência Trump? Expulsão massiva de imigrantes? Duvido muito; pareceu-me mais promessa eleitoral fogo-de-vista do que outra coisa qualquer. Catástrofe económica devido a medidas anti classe média? Certamente. Os tempos financeiros de George W. Bush voltarão, caso Trump siga nacionalmente as políticas que executa nas suas empresas privadas. Crises graves geopolíticas? Provavelmente. No mínimo dos mínimos, graves défices diplomáticos. Tensões raciais perigosas? Sim, sem dúvida.
O caso parece mal parado, mas procuremos o copo meio cheio. Apesar da maioria republicana no Senado e na Casa dos Representantes, parece-me que um impeachment de Trump está longe de merecer um descarte – trata-se de uma figura demasiado errática e de difícil controlo para a máquina republicana. É inegável que toda a direita americana gostaria mais de ter Mike Pence, atual Vice-Presidente eleito, à frente do país. Um indivíduo by the numbers facilmente moldável pelos interesses corporativos – um conservador de fato e gravata, como se costuma dizer.
Mas e agora? O que fazer? Como tentamos remediar a situação? Duas ideias surgem de imediato na minha mente.
Acredito que devemos lutar com unhas e dentes para abolir o colégio eleitoral. Em qualquer outro país dito democrático, Hillary Clinton teria ganho as eleições – ela teve mais votos do que o seu adversário – mas, devido ao sistema arcaico de representatividade eleitoral norte-americano, perdeu-as. Thomas Jefferson, o grande pai da América, afirmava que a Constituição, documento que este mesmo redigiu, não deveria ser tomado como sagrado e que deveria sofrer profundas alterações de vinte em vinte anos, de forma a acompanhar a evolução dos tempos. Para a infelicidade dele, esta pseudo-democracia que há muito ultrapassou a sua utilidade mantém-se.
Mas, acima de tudo isto, devemos pressionar o Partido Democrata. Chega de corporativistas. Chega de mais do mesmo. Chega de corrupção e de falsas esquerdas moderadas. Chega de Obamas e de Clintons. Aprendam de uma vez a lição: vamos eleger um progressista, seja quem seja – a Nina Turner, o Keith Ellison, a Elizabeth Warren, a Tulsi Gabbard, ou qualquer outro.
É só ver as sondagens: Bernie Sanders teria aniquilado Donald Trump. Sabemos que conseguimos ganhar. Vão ser quatro (esperemos que menos) anos duros, mas tenho fé em que isto sirva de abanão e que acorde a verdadeira esquerda americana. E quando, em 2020, Donald Trump sair disparado de um canhão da Casa Branca, podemos sorrir cordialmente enquanto lhe segredamos ao ouvido: “You’re fired.”.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.