Os negros – Teatro São Luiz
Negro, preto, sujo, seboso, mal cheiroso, nojento, rude, sem maneiras. Negro como o carvão, o alcatrão, a graxa. Negro com o seu cheiro, com as suas coxas dançantes, com os seus corpos de pecado. Será que é assim que o “mundo branco” via e ainda vê os negros?
O Teatro São Luiz vê, com o cair da noite, a entrada de 13 atores cuja pele é espelho do céu escuro e denso. Uma adaptação de “Le noir” de Jean Genet esteve em cena desde dia 5 de outubro e reuniu uma plateia tanto branca como negra, ao longo dos dez dias de exibição.
A obra é de uma interpretação tão densa quanto a melanina que torna a nossa pele, a pele dos negros, negra. E da mesma forma que essa densidade lhe confere esse tom tão belo, também a obra de Genet, camada após camada, se torna mais surpreendente.
A vida é um palco, e naquele palco havia 3 grupos de personagens, separados hierarquicamente por diferentes estatutos sociais e espaciais. Os brancos, num palanque com máscaras brancas e vestes mais elaboradas, representando os altos cargos da corte. Os negros, com vestes elegantes mas ainda subtis, em tons de bordô e preto, no palco observados por duas frentes de “brancos”. Os brancos, que estavam num patamar acima, observando os seus comportamentos, e o espetador tomado como branco a entreter e agradar. O público fez o papel disso mesmo, de mero espetador passivo que observa apenas o que lhe é mostrado. Neste caso, o objetivo daqueles que estavam em palco era representar duas ações paralelas, encobertas pela desavergonhada comédia, pelo drama, pelo romance, por danças e simulacros. Escondidas entre grutas, fossas tão grandes quanto as narinas dos negros que mantinham algo longe da vista e entendimento do espetador.
Não é por isso uma peça para ver apenas uma vez. Se pudesse voltava a assistir. A obra escrita por um branco trouxe sensações e palavras que ainda entoam, devido aos fortes sotaques, nos meus ouvidos. O distanciamento, a submissão, o ódio, o repúdio entre negros e de negros para brancos. O sentimento de exclusão, um misto de adulação e auto-depreciação. Quase como uma resposta automática aos anos de colonialismo. Sentimentos expressos por negros que apesar de serem de nacionalidades diferentes, tinham um vínculo mais forte que a cor da sua pele. A representação da peça mostra não apenas o que é ser negro de diferentes ângulos, mas também como nós, enquanto Homens, sentimos, agimos e muitas vezes nos deixamos iludir por pequenas tramas que atravessam o nosso caminho, não querendo assim perceber os sinais de que algo maior pode sempre acontecer.