Podia ser pior
O mau tempo está a fazer-me mal… acho eu. Foi difícil arranjar um tema para mais um artigo. E não ajudou o espaço entre este e o anterior ter sido tão curto, mas a culpa é minha. De qualquer maneira, fui pensando e decidi fazer algo menos rebuscado, porque nem todos os artigos precisam de ter um tom pseudo-cómico-intelectual. Decidi dedicar o meu tempo e os meus dedos a fazer uma espécie de PSA (de menor interesse, talvez), algo ligeiramente mais simples. Creio que vem mesmo a calhar, tendo em conta que estamos numa altura crítica em termos de avaliações e no período pré-natalício.
Ainda há duas semanas, apanhei uma chuvada de primeira. Não estava à espera. Levei uns ténis novos que ficaram encharcados e cheios de lama. Já foram lavados, mas ainda continuam sujos. Tenho tido insónias quase todos os dias. Não por causa dos ténis, mas porque tenho os ciclos de sono lixados. Ultimamente, não tenho tido grande motivação para fazer alguma coisa de jeito. Muitos universitários estão a passar por períodos de maior stress com os estudos e prazos a cumprir. Ao mesmo tempo, querem também arranjar tempo para fazerem aquilo que gostam, nem que seja enterrarem-se nos sofás até de madrugada e adormecerem ao som de uma série qualquer.
Entretanto, há quem tenha perdido tudo nos incêndios da Califórnia. No México, milhares de centro-americanos que não têm nada estão, neste preciso momento, a caminho dos Estados Unidos à procurar de agouro para assegurarem um futuro melhor para os seus entes mais queridos, fugindo à miséria e, para muitos, à repressão. A epidemia de ébola na República Democrática do Congo está quase a tornar-se na segunda maior de sempre, apenas batida pela epidemia de 2014 na África Ocidental. A guerra civil no Iêmen continua a ceifar vítimas. Mais uma vez, fomos abençoados com mais episódios degradantes da Black Friday por todo o mundo. Enquanto este artigo foi redigido, assistiu-se a cenas de violência em mais uma edição do Superclássico do futebol argentino entre o Boca Juniors e o River Plate a contar para a segunda mão da final da Taça Libertadores que resultou na suspensão da partida, após o ataque ao autocarro onde seguiam os jogadores do Boca, resultando no ferimento de muitos atletas. Já nem para falar de outros eventos, como o desabamento em Borba, ou na pobreza extrema que vai passando despercebida.
Por sorte ou azar, podíamos ter nascido numa família de classe baixa na América Central ou na África subsahariana ou no Médio Oriente. For força da genética e/ou de algumas más influências, podíamos ser atrasados mentais como as pessoas que se atropelam por descontos que acontecem algumas vezes ao ano (e por outros disfarçados). Um bom samaritano partilhou na Internet que a Worten colocou papéis com preços falsos junto aos itens. O preço da promoção estaria por cima do preço real, que era igual ao dessa promoção, e o preço original na falsificação era… mesmo isso: falso.
Os nossos problemas são únicos, na medida em que são nossos. O significado que lhes damos varia, relativamente, de pessoa para pessoa. Nada invalida o seu impacto nas nossas vidas. No entanto, perto do período de Festas, reflitamos sobre a nossa condição, especialmente a nossa, de estudantes universitários, que, na maioria dos casos, é positiva. Temos o poder sobre o nosso futuro. Podemos chegar a algum lado. Se os nossos maiores problemas são: “Tenho de estudar já”; “Tenho de começar a preparar este trabalho”; “Tenho de ir para a cama agora”; “Perdi o autocarro”; “Dói-me a cabeça e as costas. O pé e o dedo mindinho. A terceira vértebra, mas é só um formigueirozinho, só quando toco é que me dói. A andar está bom, mas incomoda-me um pouco”, acho que não estamos tão mal quanto isso. Temos a vida toda à nossa frente. Por isso, há que aproveitar. Temos de trabalhar, mas também podemos nos divertir. Há que relativizar as coisas. Afinal de contas, vamos todos para o mesmo sítio. Há quem chegue primeiro, há quem chegue melhor, mas quando chegar, chegou. Enquanto não chega, e visto que não queremos que chegue, façamos um esforço para alcançarmos os nossos sonhos sem abdicarmos da nossa dignidade e sanidade, porque podíamos mesmo estar pior.
Artigo revisto por Liliana Pedro