Musicais, romances clichês e filmes de sábado à tarde: guilty pleasures à sombra da vergonha
Que atire a primeira pedra quem nunca desfrutou genuinamente de um daqueles filmes que preenchem a programação de qualquer canal generalista ao sábado à tarde. Que fale agora ou se cale para sempre quem nunca abanou o pezinho e deu por si a trautear subtilmente as músicas de um Dirty Dancing ou High School Musical. Ou, ainda, que nos conte tudo e não esconda nada quem nunca derramou uma lágrima marota enquanto assistia a um daqueles romances baratos e estupidamente previsíveis. Na verdade, pedras, ultimatos e confissões à parte, os filmes que vês (ou deixas de ver) não são “para aqui chamados”. Hoje não nos vamos focar no teor da Sétima Arte que consomes, mas na forma como te sentes quando tens de a partilhar. No caso, na maneira como te sentes quando surge o momento de “gritar ao mundo” aquilo que te enche a alma e preenche as (confinadas) noites de sexta-feira.
Em pleno 2020, vivemos numa sociedade de extremos. Felizmente, não em termos políticos. Mas, infelizmente, no que diz respeito à rapidez com que julgamos, de forma gratuita e, consciente ou inconscientemente, maldosa.
Somos os primeiros a pregar “o que seria se todos gostássemos de amarelo” e, ao mesmo tempo, os primeiros a apontar o dedo a quem se atreve a revelar que, no fundo, até gosta de verde. Podemos aplicar esta (triste) ironia da vida a vários contextos da nossa existência e, claro está, a Sétima Arte não é exceção. Voltando aos trocadilhos iniciais: que atire a primeira pedra quem nunca teceu um comentário infeliz sobre o gosto de um amigo – seja no que toca à crush, ao anual Wrap do Spotify ou, no que à nossa sardinha (leia-se Sétima Arte) diz respeito, à escolha cinematográfica.
Não sejamos hipócritas. Mesmo quando tentamos ser bons samaritanos e defender um universo utópico onde há um total de zero julgamento face a gostos e opiniões alheias, acabamos a tropeçar em estereótipos e preconceitos. Não há uma justificação para que, por exemplo, os musicais sejam rotulados como filmes menos dignos – principalmente quando associados a canais televisivos cujo target é claramente mais jovem. No entanto, comecei este artigo a falar do High School Musical como se existisse algum problema no facto de saber todas as músicas na ponta da língua ou até, quem sabe, de sonhar com um Troy Bolton. O que, na verdade, está errado. O problema está em pensar que, de facto, existe algum problema e a verdade é que não há verdades absolutas quando de opiniões se trata.
Não há bem uma definição daquilo que é um bom filme ou das características que deve (ou não) ter para que seja aceite pela sociedade. Em termos práticos, o que faz com que um filme seja colocado no “saco” dos guilty pleasures? Os atores? A (qualidade da) história? O guião? A soundtrack?
Nem todos temos de ser ecléticos ou ousados, nem todos temos de rir à gargalhada com comédias (aparentemente) ridículas ou chorar que nem uma donzela arrependida com romances clichês e Nicholas Spark’s da vida. Graças a mil e um santinhos e milhares de trabalhadores da indústria cinematográfica, temos, à distância de um clique ou de um bilhete de cinema, inúmeros géneros e uma longa panóplia de opções – do terror ao drama, do drama ao romance, da ação à comédia e por aí fora. É precisamente pelo facto de não gostarmos todos do mesmo que somos presenteados com tanto conteúdo distinto. No entanto, para alguns, esta diferença parece personificar um problema ou, pior ainda, um motivo de chacota.
Sejamos sinceros: quem se prende à ideia de que um conteúdo é mau só porque não satisfaz os seus próprios padrões vive num (triste) universo à parte. Dizem as boas línguas que é impossível agradar a gregos e a troianos – ora, pessoalmente, não podia estar mais de acordo. Sem opiniões distintas não existiam debates. Sem trocas de ideias não surgiam novos (e ótimos) pontos de vista. Sem vontade de ouvir o que o outro tem para dizer a vida perde a graça (de que é cheia!).
Estamos a chegar ao fim do ano, ao fim deste louco ano, e torna-se complicado não nos perdermos em devaneios caóticos e reflexões sobre tudo quanto existe neste mundo. Pessoalmente, acredito que está na hora de cancelar a cancel culture e começar a apreciar as diferenças e aquilo que, acima de tudo, nos torna únicos. Somos aquilo que consumimos e não devemos ter vergonha de o assumir. A mania de que as nossas escolhas se excluem mutuamente é chata e, acima de tudo, perigosa. O que seria se nos limitássemos a ser apenas isto ou aquilo. Posso ser High School Musical à terça e Fight Club à sexta; posso ser The Conjuring num cinema com amigos e 10 Coisas que Odeio em Ti numa noite crítica. E está tudo bem. Aliás, está tudo tal como é suposto – livre e suscetível à mudança. E, já agora, sem vergonha, se não for pedir muito.
Está na hora de ter vergonha de ter vergonha e de assumir ao mundo o que somos e o que vemos, sem culpas à mistura. Está na hora. E já vem tarde.
Viva os guilty pleasures! E até um dia, vergonha.
Artigo redigido por Bruna Gonçalves
Artigo revisto por Constança Lopes
Fonte da imagem de destaque: Pinterest
AUTORIA
Sou de Sintra, tenho 23 anos e, ao contrário de muitos clichês, nunca sonhei ser jornalista. Escolhi o curso no último dia de inscrições para o ensino superior, meios às cegas, e apaixonei-me pela ESCS desde o primeiro dia. Um belo de um amor à primeira vista, para os mais românticos. Hoje, tenho plena certeza de que o meu futuro passa pela comunicação, seja numa rádio ou numa redação. Na verdade, desde que tenha liberdade para explorar temas e dar asas à minha criatividade, sou feliz!