Cinema e Televisão

Quando a pandemia também vai ao Cinema (da Villa)

*Artigo redigido para a edição especial de dezembro, “Remédio Santo”

O elevador do centro comercial CascaisVilla, em plena Avenida Marginal, em Cascais, abre para revelar o piso do cinema completamente vazio. Para acedermos ao piso que é completamente ocupado pelo cinema, no pequeno e pouco movimentado centro comercial, ou apanhamos o elevador, ou descemos uma enorme escadaria. Talvez seja por essa razão que O Cinema da Villa, a funcionar desde 2015, se parece deslocado e muito pouco integrado naquele meio, assemelhando-se mais a um cinema de rua. Lá dentro encontram-se apenas dois funcionários por trás do balcão da bilheteira. Levanta-se a dúvida se, àquelas horas, a tranquilidade em demasia se deverá apenas às sessões que estarão a decorrer de momento.

O Cinema da Villa encontra-se localizado na vila de Cascais, a 20 minutos de Lisboa. Fotografia de Inês Sousa Martins

O Cinema da Villa fechou no dia 13 de março, pouco depois da Covid-19 ter sido declarada pandemia. A gerente do espaço, Vanessa Varela, afirma que foram dos primeiros cinemas a fechar. Este fecho dramático e, apesar de tudo, inesperado, quebrou o ritmo favorável e gradual a que o cinema crescia: “Em 2019, tínhamos, em média, seis mil espectadores por mês. Estávamos a encaminhar-nos para os setenta e tal mil por ano, o que era perfeito”. Com o surgimento da pandemia, os números desceram a pique, atingindo as cem pessoas por mês.

A realidade de muitas salas de cinema pelo país: o vazio. Fotografia de Inês Sousa Martins

À semelhança do que aconteceu com outros equipamentos culturais do país, estiveram fechados durante três meses (onde não houve qualquer tipo de receita e onde reinou o lay-off), apenas reabrindo, finalmente, em junho. Vanessa comenta que como os clientes reagiram: “Ainda hoje, continuamos a vender poucos bilhetes. A nossa clientela regular é de terceira idade e compreendemos porque é que não vem ao cinema. Corre maior perigo… Algumas pessoas não vêm mesmo, outras vêm muito de vez em quando. Perguntam-nos se as salas estão vazias ou se está apenas uma pessoa ou outra”. Têm vendido cerca de sete bilhetes diários. Nos melhores dias, chegam a receber vinte clientes.

João Faria, o mais antigo funcionário da atual equipa d’O Cinema da Villa, onde trabalha desde o ano da sua abertura, fica com um brilho nos olhos quando, finalmente, uma senhora começa a descer as escadas, na sua direção. Será ela uma potencial cliente? Vanessa diz-lhe, a partir da mesa onde nos encontramos sentadas, de forma discreta, “vem só buscar a programação”.

À vista, encontra-se o cartaz do filme Bem Bom, da realizadora Patrícia Sequeira, sobre a história da girls band portuguesa dos anos 80, as Doce. A sua estreia estava originalmente apontada para junho. Devido à evolução da pandemia, acabou por ser adiada para o dia 26 de novembro. No entanto, a data de saída do filme foi, novamente, alterada e Bem Bom só chegará às salas de cinema portuguesas em 2021. 

Situações como esta são comuns a outros filmes e a outros países. Vanessa esclarece: “O Wonder Woman (com Gal Gadot) vai estrear agora, só mesmo por obra e graça do espírito santo. Foi uma sorte. Há blockbusters que ainda não vão estrear porque as distribuidoras sabem que não há público e, assim, não iria haver receita para pagar o filme”. Qual é a solução? “Compensa mais esperar e ver no que é que isto vai dar, e ir estreando filmes independentes, mais pequenos, que é o que nós costumamos ter aqui e que resulta bem connosco. É melhor do que estarem a sair esses grandes filmes para ter apenas dois espetadores numa sala de cinema. Não se justifica”

O filme português Bem Bom foi apenas uma das muitas estreias adiadas este ano. Fotografia de Inês Sousa Martins

O espetador assíduo d’O Cinema da Villa é bem diferente daquele que, normalmente, prefere ir aos grandes centros comerciais – “Aqui sempre funcionou o filme europeu e o filme independente. O nosso público gosta do cinema francês, do espanhol, do sueco”. Aqui, os blockbusters não atraem muitos cinéfilos, mas Vanessa abana a cabeça ao relembrar-se da estreia do filme da Marvel, Avengers: Endgame, em abril do ano passado, que foi uma exceção à regra – “Havia filas por todo o lado: para a bilheteira, para entrar, para sair. Foi uma confusão desgraçada, mas foi um fenómeno.”

O público d’ O Cinema da Villa tem predileção por filmes europeus. Fotografia de Inês Sousa Martins

Em cima do balcão da bilheteira, lê-se um aviso: Em virtude do ponto 2 do artigo 27 do Decreto nº9/2020 de 21 de novembro informamos que A VENDA DE PIPOCAS E NACHOS ESTÁ TEMPORARIAMENTE SUSPENSA. Informamos ainda que O CONSUMO DE ALIMENTOS E BEBIDAS NO INTERIOR DAS SALAS NÃO É PERMITIDO”. Neste recente Decreto-Lei, comum a todos os cinemas do país, foi estipulado que não é autorizado o “consumo de alimentos ou bebidas no interior das salas de espetáculo ou de exibição de filmes cinematográficos”.

Agora, vendem apenas bilhetes. João junta-se à conversa e afirma que a venda de comida e de bebida é a maior fonte de rendimento do cinema – “O bar é todo nosso. A bilheteira não, porque é partilhada com as distribuidoras”

Os únicos apoios que este cinema recebe são aqueles de que já beneficiavam antes da pandemia, através do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) – ao ganharem, todos os anos, uma quantia monetária através de um concurso – e da cadeia Europa Cinemas, à qual pertencem.

O funcionário João Faria desabafa: “as verbas, agora, são utilizadas para um apoio de subsistência que deveria ser dado pelo Estado e que não está a ser. Os cinemas não estão a ser ajudados em nada”. 

O Cinema da Villa encontra-se aberto e a cumprir todas as normas de segurança sanitárias. Fotografia de Inês Sousa Martins

Além das dificuldades que a pandemia trouxe a todos os equipamentos culturais, a equipa d’O Cinema da Villa enfrentou mais um obstáculo, no passado mês de novembro: todos os trabalhadores tiveram que ficar em isolamento, depois de um dos colegas ter testado positivo para a Covid-19. Quando se aperceberam que teriam de ficar todos em casa, enfrentaram o problema repentino ao entrar rapidamente em contacto com antigos funcionários do cinema, de modo a assegurar os horários de funcionamento. Pediram ajuda e O Cinema da Villa não fechou um único dia.

A cultura sofre com a escassez de apoios à sua atividade. Fotografia de Inês Sousa Martins

Os problemas não ficam por aqui. A entrada em vigor de normas mais rigorosas de combate à pandemia implicou que todos os equipamentos culturais tivessem de encerrar, obrigatoriamente, às dez horas e meia da noite. À época da nossa conversa, na primeira semana de dezembro, Cascais era considerado um concelho de risco muito elevado, o que teve, inevitavelmente, repercussões nos horários de funcionamento d’O Cinema da Villa“Surgiram as questões dos fins de semana e dos feriados com recolher obrigatório, a fecharmos à uma da tarde, e das vésperas de feriado, às três. Agora, temos as sessões da manhã com exibição de todos os filmes e não apenas daqueles para as crianças, como acontecia antes”.

A evolução da pandemia fez com que o horário da programação sofresse grandes alterações. Fotografia de Inês Sousa Martins

A conversa acaba por pairar nas plataformas de streaming. Não acreditam que perdem clientes por esta razão e Vanessa dá um exemplo – “essa é uma conversa que já existia antes da pandemia. Eu tenho Netflix e, durante o confinamento, aderi à HBO e à Filmin, que é de filmes independentes, e não as usei quase nada. Não é pelas plataformas de streaming que estamos a perder, isso não tem a ver com a Covid. Tem a ver com valores de bilhetes e de comida. É caro vir ao cinema”. Ainda assim, o otimismo, esse, teima em espreitar devido a um dos elementos imprescindíveis à magia e à concretização do exercício cinematográfico: o espetador. “Temos um público ‘criado’ que vem todas as semanas. As pessoas vêm dizer-nos ‘olá’ e perguntar-nos se estamos bem. Tratam-nos pelo nome. Existe uma certa comunidade”. Fogem a sete pés das confusões dos cinemas das grandes superfícies comerciais e compram o bilhete praticamente à hora de início do filme.

Alguns dos grandes mestres da Sétima Arte estão imortalizados num dos corredores d’O Cinema da Villa. Fotografia de Inês Sousa Martins

Será, realmente, o espírito do cinema, enquanto espaço físico, a luz ao fundo do túnel? “Percebo que as pessoas gostem realmente de vir ao cinema, porque é toda uma experiência. Não é só estar em casa, onde se pode parar o filme a meio para ir à casa de banho ou ir buscar um snack. Aqui, há compromisso. És tu e a tela grande. Durante duas horas, não estás cá”.

Mantém-se a esperança de que melhores dias virão para a Sétima Arte.

Até lá, the show must go on.

Artigo redigido por Inês Sousa Martins

Fonte da imagem de destaque: FilmSpot

AUTORIA

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Uma pessoa de muitas paixões. Por isso, licenciou-se em Informação Turística, está a terminar o Mestrado em Jornalismo e quer tirar Doutoramento em História Contemporânea. A ideia de ter uma só carreira durante a vida toda aborrece-a. A Inês gosta de escrever, de concertos, dos The Beatles, de Itália, de conduzir e dos seus cães. Sonha em visitar, pelo menos uma vez, todos os países do mundo.