O Sol e as suas flores: quando o óbvio é doloroso
Há alguma coisa de amargo no exercício de encararmos o óbvio e durante a leitura de “O sol e as suas flores”, de Rupi Kaur, somos constantemente colocados frente a frente com esse facto.
Comecei o mês com uma missão: ler poesia. Parece um exercício de parca força, quando colocado nestes termos, mas o que sempre me massacrou na poesia foi aquilo que não estava escrito e, pior que isso, aquilo que não estava escrito e precisava de suporte biográfico para ser compreendido.
Com Kaur acontece o contrário: o exercício de caça aos sentidos está alerta, mas não procuramos no outro ou nas suas vivências – precisamos de nos virar para dentro e isso é capaz de ser o pior e o melhor deste livro.
Há quem acuse Rupi de uma poesia simplista, banal e desinteressante, alicerçada numa força motriz ainda muito mal encarada pela Literatura: as redes sociais.
E, sejamos honestos, é realmente fácil ler o livro, mas não creio que seja na simplicidade do livro que reside todo o hype à volta do mesmo. Está na temática.
Dividido em cinco momentos distintos, “O sol e as suas flores” fala-nos de um coração partido. Do momento em que alguém que amamos nos magoa tanto que somos inundados por um sentimento incómodo e conflituoso. E, claro, como tudo na vida, esses capítulos de mágoa vão-se recolhendo em si. Passam de esparsos momentos de angústia a uma cura gradual e, de uma forma universal, qualquer ser humano consegue-se espelhar nessa jornada, naquele momento em que a dor passa de um grito estridente para um suspirar constante até se transformar numa memória.
Há muito sobre amor próprio, mas há também muito sobre o amor ao outro. No entanto, é quando escreve sobre a mãe que Kaur nos coloca em bicos de pés.
Como comentámos no artigo inicial, Rupi e a sua família são imigrantes e aquilo que ela sente pela jornada e especialmente por aquilo que essa jornada retirou à sua mãe é realmente doloroso.
Não podemos saber, podemos, se quisermos muito, adivinhar essa dor do momento em que uma mãe se sacrifica em prol dos filhos e de como incontáveis vezes esse sacrifício é sempre pedido à mulher que se anule para que os filhos vivam melhor. Rupi tem cicatrizes profundas causadas pelas circunstâncias infelizes que rodearam a mãe enquanto ela própria crescia e, por isso, porque queria incluir um pedacinho deste exercício de empatia que Kaur nos propõe a cada poema partilhar isto:
“acham
que se pedir aos céus com muita força
a alma da minha mãe
podia voltar para mim como minha filha”
– Rupi Kaur
A poesia é difícil por muitas razões, mas especialmente porque arrematada contra o lado esquerdo de uma página e às vezes em poucas palavras nos faz abrir espaço em nós para olharmos para dentro.
Fotografia de Capa de Sara Cardoso
Artigo revisto por Ana Janeiro
AUTORIA
Sou a Sara, tenho 22 anos e desde que me lembro que ando de lápis e livros na mão… é que as melhores histórias surgem a qualquer momento.
Sou licenciada em ciências da comunicação, mas nunca tive lá grande faro jornalístico, foi uma daquelas coisas estranhas que precisei de desenvolver, no entanto a licenciatura permitiu-me escrever, que é a coisa que mais gosto de fazer.