Rita Dores: “Se eu fosse uma criança, o que é que eu gostaria de ler?”
Vê-se sentada à secretária para escrever apenas quando a inspiração a chama. Rita Dores, nascida a 5 de setembro de 1998, afirma que existe uma facilidade em trabalhar com crianças face à inexistência de qualquer tipo de máscara da parte delas. Licenciada em Estudos de Cultura e Comunicação pela Faculdade de Letras, Rita publicou o seu livro “Um Livro Causador de Bichos Carpinteiros”, em 2019, com a menina Matilde cheia de criatividade. Desde a entrada no Mestrado em Jornalismo que afirma que houve uma coincidência feliz que a puxou para o mundo das crianças e que, desde então, sente que quer deixar uma marca nas crianças através da sua escrita.
Sempre pensaste que o teu primeiro livro fosse para crianças?
“Nunca pensei. Nunca tive aquela ideia de escrever um livro. Escrevo sempre textos soltos e a partir daí vejo se a história é interessante e apelativa para publicar. No caso do livro [“Um Livro Causador de Bichos Carpinteiros”], eu nem sequer pensei em escrevê-lo para ser publicado. Surgiu numa tarde inesperada a história – comentei com a minha mãe e ela disse-me “porque é que não tentas publicar?”. Eu faço as coisas, mas guardo numa gaveta e não chego a mandar efetivamente para alguma editora. Naquele dia decidi aceitar o conselho e pesquisei que editoras aceitavam e encontrei a Chiado Grupo Editorial. Em 2018 enviei e recebi uma resposta da parte deles. Analisei toda esta questão com a minha família, porque havia uma série de aspetos que tinham de ser analisados – em termos de custos.”
Mas porquê logo um livro para crianças? Nunca pensaste mais num livro infantojuvenil ou para adultos?
“Até à altura eu tinha escrito ou poemas ou romances, dentro dos outros géneros ainda não tinha escrito nada. No entanto, senti que esta história era especial. A mensagem que passava, senti que as crianças hoje em dia seriam chamadas à atenção para este tema. Queria que fosse um tema que fizesse fluir um problema que é atual. Era associar a parte da ficção e esta criatividade da protagonista com um problema atual. As crianças, apesar de serem novas e de não terem uma certa maturidade, são inteligentes ao ponto de saberem os problemas que existem.”
Então o teu foco é mostrar no livro que as crianças, apesar de pequenas, entendem o que se passa?
“Exato. Esta história é ficção, mas pode acontecer na realidade. Quero que as crianças pensem neste problema, reflitam e até falem com os pais sobre isto. Acho importante quando estamos a ler um livro haver partilha e troca de ideias com os pais sobre algo do livro. O poder de um livro está em passar uma mensagem. Parece que vemos sempre o mesmo conteúdo e tem de haver espaço para inovar, para ir mais além. Fugir do tradicional. Aqui no livro temos a Matilde que gosta de criar histórias imaginárias com os seus peluches. A prenda que ela recebeu de um livro e o “não gosto muito de ler” é o que acontece atualmente e aquilo que quis fazer foi pegar nesta ideia de que as crianças não gostam de ler, porque efetivamente há muitas crianças que não gostam.”
Fizeste o curso da Faculdade de Letras (FLUL), Estudos de Cultura e Comunicação, escreveste o livro no teu terceiro ano de Licenciatura e o mesmo foi publicado quando concluíste o curso. Sentes que a FLUL te abriu alguma porta?
“Nós tivemos uma cadeira que foi Produção do Português Escrito. Eu achei que era a mais exigente daqueles que tive até à altura. Era a nível de pontuação, gramática, texto. Acho que me ajudou a escrever a história em si, porque quanto tu escreves tendes a escrever à pressa e rever é importante, porque quando vês pensas: “falta aqui uma vírgula” ou “fazia sentido um ponto de exclamação”. Foi onde me ajudou mais, agora a nível de escrever o livro infantil – eu não planeio muito. Neste caso, eu escrevi o livro numa tarde e sinto que eu apenas pensei num tema que as crianças gostariam de ler. Quando nós escrevemos um livro para crianças, temos de ter em conta que temos de nos colocar no lugar dos leitores: Se eu fosse uma criança, o que é que eu gostaria de ler? Depois: Se eu estou a ler um livro, será que eu vou perceber a linguagem usada? Antes de ter estagiado na Visão Júnior, já fazia um pouco deste exercício, mas foi isto que me ajudou a escrever a história porque, imagina leres e encontrares três ou quatro palavras que não sabes.”
Torna-se um obstáculo.
“Exato. A criança ia perder o rumo da história, porque tens de fazer uma leitura fluída. Se não for, perdes o raciocínio. Neste livro tentei escrever tendo em conta a linguagem usada, para que as crianças conseguissem perceber ao ler. É cativá-las.”
Nas ilustrações utilizadas, foste tu que arranjaste uma pessoa para fazer esse trabalho ou a editora comprometeu-se a fazê-lo?
“A editora questionou-me, mas eu disse que tinha uma amiga que fazia as ilustrações. A minha amiga aceitou e foi fazendo os desenhos que lhe pedia consoante alguns momentos da obra. Uma coisa que a minha amiga fez muito interessante foi que, em cada página, ela selecionava a informação que se destacava. Ou seja, todas as ilustrações foram selecionadas de acordo com aquilo que atraía os meninos visualmente. A editora deu-me imensa liberdade – eu lembro-me de que depois de enviar as ilustrações eles não fizeram nenhuma crítica. Pressupus que tivessem gostado e correu tudo bem.”
Achas que foi uma boa seleção de cenas?
“Eu acho que sim. A maior parte das ilustrações são momentos marcantes para os miúdos. Acho que no fundo faz com que desperte mais a leitura deles para a história. A minha amiga pegou nesses momentos e transformou-os em ilustrações.”
Por ser um livro para crianças, achas que as ilustrações são um ponto forte para cativar leitores?
“Principalmente nas crianças mais novas, quando elas lêem uma história, a primeira coisa que chama a atenção são as ilustrações. Eu acho que é importante, porque também desperta a curiosidade de uma criança para ela ler, porque fica motivada a ver o conjunto de cores e formas. Primeiro o que capta a atenção são os desenhos em si e depois começa a ganhar o gosto pela leitura.”
Falaste de que contactaste a Chiado Grupo Editorial e, a partir daí, estiveram sempre em contacto até ao processo de divulgação do próprio livro. Foi um processo fácil?
“Sim, foi um processo fácil. Eles enviaram um documento com vários planos e eu escolhi a apresentação no Chiado Grupo Editorial e a sessão de autógrafos na Feira do Livro do Porto. Estava a ser lançada e achei que não havia necessidade de ir para um mais além. Contactei várias pessoas ao longo de todo o processo e foram muito acessíveis a nível de resposta e de manterem sempre o contacto de trocarmos emails com frequência. Não houve mesmo nenhuma complicação.”
Estás a terminar o teu Mestrado em Jornalismo, estás em processo de redação do teu relatório de estágio e o teu caminho voltou a cruzar-se com crianças. Sentes que é algo que queres seguir?
“Eu apercebi-me de que gostava de trabalhar com crianças quando, em 2018, estive num ATL com miúdos. Contactava com eles todos os dias e fui criando uma relação com eles. É fácil comunicar com as crianças, pelo simples facto de serem transparentes, de manifestarem muito facilmente a sua opinião. Entretanto escrevi o livro para o público infantil e percebi que as crianças, em si, me motivavam. Quando surgiu a altura de escolher o meu estágio, o primeiro sítio que me veio à cabeça foi a Visão Júnior. Senti que naquela altura, a escolher o estágio, estava preparada para um desafio desse género. Saía para fazer entrevistas e apercebi-me mesmo de que a conversa com elas segue um ritmo mais natural do que quando falas com adultos.”
As crianças são tão simples que era mais fácil falar com elas?
“Sim, porque segue um ritmo natural. Mesmo a propósito do livro, eu fui a várias escolas apresentar o livro e ler alguns excertos e notei que, enquanto estava a ler, as crianças conseguiam manter a atenção. Estavam focadas e interessadas e no final fizeram perguntas! Lembro-me de darem sugestões de possíveis histórias para um seguimento e isso é curioso. É o lado criativo delas.”
Tu trabalhaste no ATL durante o verão. Sentes que te ajudou para esse sentimento de quereres contribuir para a leitura das crianças?
“Acho que foi o trabalho que me fez escrever este livro. As semanas entre terminar de trabalhar e escrever o livro, contactei com as crianças e acho que me puxou pela criatividade e despertou a minha imaginação para escrever para o público infantil. Só depois de ter estado no ATL é que me lembrei de escrever o livro. Portanto, acho que está aí uma associação.”
Ao contrário dos adultos que têm várias máscaras ao longo do dia, as crianças são completamente puras. Sentes uma diferença clara entre adultos e crianças?
“Nós adaptamo-nos a diferentes contextos. Acabamos por moldar um bocadinho a nossa essência independentemente do ambiente em que estejamos. As crianças não, são elas a serem elas mesmas. São uniformes, não há uma mudança a nível de personalidade ou de comportamentos e atitudes. Mantêm-se sempre tal e qual como elas são. Esta transparência que elas têm já faz parte delas.”
Focando de novo no teu rumo enquanto escritora, vai haver mais livros?
“Boa pergunta. Para já não é uma questão que tivesse pensado. Eventualmente no futuro. É algo a pensar. Quando escrevo uma história, tenho de estar mesmo inspirada. Para ter uma boa história, tem de ser um dia que esteja com imensa criatividade. Não funciona sentar-me e escrever simplesmente. Há escritores que planeiam tudo. Eu não. Eu escrevo e conforme vai correndo – tiro uma parte ou acrescento. Não há mesmo planeamento. Voltando à pergunta, sim é possível que possa haver um livro.”
Os teus próximos planos na escrita vão continuar a ser sobre crianças?
“A nível de géneros literários, gosto mais de escrita para crianças ou romances. É onde me sinto com aptidão para escrever. Talvez por serem géneros literários que leio mais e acabo por ter mais consciência da escrita. Sim, seria um livro de crianças ou um romance.”
Vais aceitar a ideia das crianças e talvez faças uma sequela?
“Quem sabe! Todas as ideias foram muito criativas.”
Fotografia de capa de Joana Americano
Artigo revisto por Inês Pinto
AUTORIA
Nascida, ao mesmo tempo que alguém igualzinho a ela, em julho de 1998. Veio de Cultura e Comunicação e está no segundo ano de Mestrado em Jornalismo. O seu grande amor são os livros, tanto que ouvir audiobooks, quando está a trabalhar para manter o foco e sanidade, é o seu guilty pleasure. Diz sempre que “é só mais um capítulo”, mas sabe que é mentira. É aquela que gosta de ananás na pizza.