A Noite Passada em Soho: sonhei com o filme mais entusiasmante do ano
A premissa do filme de Edgar Wright é esta: “Uma jovem estudante de moda é capaz de viajar misteriosamente até aos anos 60, onde encontra uma deslumbrante aspirante a cantora. Mas a Londres da década de 1960 não é o que parece, e o tempo parece desmoronar com consequências sombrias”.
Bastou esta pequena e humilde sinopse, com um desejo tão grande de se destacar como qualquer outra, para me colocar na cabeça aquela sementinha de entusiasmo, que se alastra como uma erva daninha, em relação a Last Night in Soho. O meu amor por Londres é incomensurável, e há qualquer coisa nos Swinging Sixties – talvez o facto de serem o facto de serem os bloody, roaring Swinging Sixties – que é impossível ignorar. E, então, lá fui eu para o cinema. Mas se de um lado levava o entusiasmo de mãos dadas comigo, do outro levava o receio. As críticas que tinha lido não tinham sido as melhores e já tinha encontrado reviews com títulos sugestivos, como Edgar Wright Goes Wrong. Para além disto, a título pessoal, nada do percurso do realizador me tinha despertado interesse até ao momento.
Edgar Wright, que idealizou, coescreveu o guião e realizou o filme – qual aluno que faz um trabalho de grupo sozinho – ganhou notoriedade por Baby Driver (2017), mas gostava de o destacar como a mente responsável por levar ao grande ecrã Scott Pilgrim vs the World (2010), que ganhou um inesperado (digo eu) cult following.
Portanto, quando me sentei sozinha na sala de cinema, agarrei-me bem ao meu entusiasmo inicial e fingi-me ignorante em relação a qualquer crítica ou preconceito meu. E mesmo que não o tivesse feito, A Noite Passada em Soho fez questão de desfazer todos os equívocos muito rapidamente. Se o entusiasmo e aquele sentimento de “borboletas na barriga” existissem em forma de filme, seria este.
Não nos deixa sentar confortavelmente na cadeira, desviar o olhar do ecrã por um segundo para vermos as horas, nem pensar em qualquer outra coisa que não seja toda a informação que estamos a receber. É que há qualquer coisa de magnético nesta obra: são as cores quentes, brilhantes e fortes; o guarda-roupa deslumbrante – o facto de uma parte do filme ser passada na década de 60 contribuiu muito –, o ritmo acelerado e alucinante que consegue, de forma subtil e muito inteligente, provocar tensão e ansiedade no espectador, mas sem ser caótico e all over the place; o grande mistério por resolver e as reviravoltas pelo caminho; o extraordinário elenco que não falha com nenhuma das suas incríveis personagens (já voltarei a falar delas mais à frente); e, claro, a banda sonora. Um realizador que sabe usar com maestria a banda sonora consegue transformar completamente o resultado final do filme que tem em mãos. E Edgar Wright soube fazê-lo: não só temos artistas e músicas que são verdadeiros tesouros – daqueles que vale muito a pena ter na vossa playlist, se quiserem imaginar um mundo paralelo onde estão a correr as ruas vazias de Londres à noite de mãos dadas com o vosso amor, ao som de Starstruck, dos The Kinks –, como são criados momentos de perfeita sintonia entre a música e a cena. Há uma sequência fascinante, com flashes intensos de luz, maquilhagem de Halloween e alucinações da personagem principal, numa discoteca, ao som de Happy House, de Siouxsie and The Banshees, que é deliciosa de se ver.
Mas um filme não se faz sem personagens e A Noite Passada em Soho também não falha neste departamento. As protagonistas são interpretadas por Thomasin McKenzie e Anya Taylor Joy e, embora Joy seja eficaz e irrepreensível com a sua “charmosa, mas torturada” Sandie/Alexandra, é McKenzie a grande estrela deste espetáculo. A sua personagem, a curiosa e inocente Eloise, permite-lhe explorar dimensões e territórios que, enquanto jovem atriz, ainda não tinha explorado. E não desiludiu. Transmite todas as emoções da sua Eloise com uma crueza e sensibilidade tão grandes, que se torna muito fácil empatizarmos com ela.
E depois, claro, Diana Rigg, para quem o filme foi dedicado, interpreta, naquele que foi o seu último papel, a Sra. Collins – senhoria da Eloise. A questão com Diana Rigg e, consequentemente, com a sua Sra. Collins, é que a sua presença é naturalmente tão forte e carismática que não só rouba qualquer cena em que está presente, como nos faz sentir que há mais qualquer coisa naquela personagem para além do que nos querem fazer acreditar. E, talvez por isso, não tenha ficado tão surpreendida quando o grande plot twist foi revelado…
E depois, há Londres. Parece lá estar como pano de fundo – um cenário; uma cidade que serve apenas de palco para as perversões, inquietações e segredos das personagens. Mas Londres é muito mais que isto. Ao longo do filme vamos ouvindo da boca de várias personagens a mesma frase: “London can be a lot”. E todas a repetem com o mesmo sentido: a cidade pode ser demasiado intensa, demasiado perigosa, demasiado caótica e levar qualquer um ao limite. Mas não acho que deva ser interpretada apenas desta maneira. Londres pode ser muito, sim, mas também pode ser muitas coisas. Em A Noite Passada em Soho, a cidade da chuva e dos dias cinzentos vê as personagens deambular pelas suas ruas; vê-as à procura de sonhos pelo Soho; assiste, impotente, enquanto são puxadas para uma espiral de loucura e decadência; e sabe de todos os seus crimes e segredos, mas nunca os conta. Ela é a maior confidente e aquela que foi capaz de manter o grande mistério durante tanto tempo. Londres é, aqui, também uma personagem. E talvez a mais importante. Afinal é uma parte dela que dá nome ao filme.
Fonte de capa: FilmDoo
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
AUTORIA
Com 20 anos, Madalena, futura jornalista, já sabe há muito tempo que o seu futuro passa pela comunicação e é na escrita que se sente em casa. Mãe de três gatos, voluntária num abrigo de animais e fervorosa cozinheira amadora, ama dias de chuva e viagens de autocarro. É profissional da procrastinação e foi nas tardes passadas a ver filmes, para adiar o estudo, que surgiu a paixão pelo cinema.