Cinema e Televisão

On the edge of your seat – A arte de criar suspense no grande ecrã

“O que é que acontece a seguir?”. 

Se o suspense tivesse a forma de uma questão, seria esta. Afinal, é a inquietação provocada pela ausência de uma resposta que nos faz chegar à frente na cadeira do cinema, roer as unhas ou suster involuntariamente a respiração quando uma determinada cena, aquela cena, nos desconcerta e cria uma tensão quase palpável no ar. Certo? Talvez sim, talvez não.

Na verdade, quando vemos um filme estamos sempre à procura da resposta para a pergunta: “O que é que acontece a seguir?”. Um filme é, na sua essência, uma sequência de eventos, cujo desenrolar do plot nos deverá ir dando cada vez mais respostas em relação às cenas anteriores. Mas se andamos sempre a fazer a mesma pergunta, e os filmes não são apenas feitos de cenas de suspense (aliás, perderiam assim o seu propósito), o que é que diferencia estes momentos carregados de tensão de todos os outros? Que elementos nos fazem sentir menos espectadores e mais personagens?

O som e o silêncio – Os elementos mais valiosos

Tenho dificuldade em acreditar que haja elemento mais crucial e com uma capacidade tão absolutamente hercúlea para transformar uma cena na Sétima Arte do que o som. E quem diz o som diz a ausência dele. A importância do som e do “som do silêncio” reside na capacidade que estes têm de controlar as nossas emoções. 

Se não há música, vozes sobrepostas ou ruído de fundo está criado um ambiente que nos permite ouvir sons que de outra forma seriam impercetíveis: um soalho de madeira a ranger, uma gaveta ou uma porta a abrir, uma respiração mais profunda. Estes elementos subtis, que espreitam do silêncio da cena como provocações, não seriam notados não fosse a importância da ausência de som naquele momento. E são eles que criam a tensão, que trilham o caminho para o clímax de uma cena. Eles são o suspense em si.

Fonte: SSZEE MEDIA

Tomemos como exemplo a cena inicial de Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino. O primeiro capítulo do filme de 2010, “Once upon a time in a Nazi-occupied France”, serve de exemplo perfeito para como se constrói uma brilhante cena de suspense. A partir do momento em que o Coronel Hans Landa entra em casa da família LaPadite, as vozes de fundo dissipam-se, a música para e instala-se um silêncio pesado que abraça o espectador como um manto pesado. Landa, um nazi, sabe que a família LaPadite esconde judeus debaixo do chão de casa e toda a conversa que mantém com o pai da humilde família francesa nesta cena é apenas para o fazer confessar. Inútil, na verdade, porque o desfecho será sempre o mesmo e ele sabe-o. E as únicas coisas que nos desviam a atenção do longo e torturante diálogo de Landa, é o copo de leite a bater na mesa de madeira, do cabedal do seu casaco sempre que se mexe ou o peso das suas botas a fazer ranger a madeira do soalho. E depois, caos. A tensão e a falsa calma criadas pelo silêncio são interrompidas pelo som ensurdecedor de gritos e tiros, chegando então ao final do “opening act”.

O som e o silêncio, em todo o seu esplendor e no maior dos contrastes, mostram nesta cena o porquê de serem os elementos mais valiosos no que respeita a criar tensão e suspense.

Homem armado
Fonte: Screen Rant

O engolir em seco e um olhar fixo

Mesmo quem nunca viu o Zodiac, do David Fincher, provavelmente já ouviu falar da icónica “Creepy Basement Scene”. E há muito boas razões para ser objetivo de admiração – e até estudo – por parte da comunidade cinéfila. É que se com Inglourious Basterds o foco da cena em análise foi o papel crucial do som e da ausência do mesmo, aqui embora também haja silêncios pesados, soalhos a ranger e, claro, ângulos às escuras para deixar a nossa mente pregar-nos partidas, o destaque é, indubitavelmente, as expressões faciais de Jake Gyllenhaal, que interpreta o protagonista Robert Graysmith. Nesta sequência, Graysmith vai a casa de Bob Vaughn para conseguir mais pistas sobre a identidade do verdadeiro Zodiac Killer, mas uma revelação inesperada da parte de Vaughn leva a personagem de Gyllenhaal (e o espectador) a questionar aquele indivíduo, que até ao momento parecia absolutamente inofensivo.

Homem assustado
Fonte: Dread Central

A partir daquele momento, e nos minutos que se seguem, Fincher é mestre a criar a atmosfera perfeita numa cave que se torna claustrofóbica e que nos deixa encurralados, mas são Gyllenhaal e Charles Fleischer quem fazem a cena. São os olhos esbugalhados do primeiro, fixos no outro, a engolir em seco. O verdadeiro rosto do pânico, se o pânico tivesse um rosto. E é a brilhante e subtil mudança de expressão no rosto de Fleischer, que no início da cena nos parece apenas um tipo porreiro e inofensivo e num determinado momento já estamos com o batimento cardíaco acelerado e a precisar que a cena termine para que possamos respirar.

Homem com um livro
Fonte: Pinterest

David Fincher leva a expressão “on the edge of your seat” à letra com este momento do seu Zodiac, de 2007, que é uma tour de force na arte de criar suspense no grande ecrã.

Fonte da foto de capa: Twitter

Artigo revisto por Inês Pinto

AUTORIA

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Com 20 anos, Madalena, futura jornalista, já sabe há muito tempo que o seu futuro passa pela comunicação e é na escrita que se sente em casa. Mãe de três gatos, voluntária num abrigo de animais e fervorosa cozinheira amadora, ama dias de chuva e viagens de autocarro. É profissional da procrastinação e foi nas tardes passadas a ver filmes, para adiar o estudo, que surgiu a paixão pelo cinema.