HeForShe

O nosso corpo não nos pertence

As consequências da divulgação de fotos íntimas sem consentimento.

“O simples conceito Revenge Porn já indica que algo foi feito pela vítima/sobrevivente previamente para merecer o que lhe está a acontecer. Não é “Revenge”, é crime. Não é “Porn”, é violência sexual”

testemunho da Associação Não Partilhes.

Quando o corpo se torna uma arma, qual é a solução? Desde bullying nas escolas até perdas de emprego: as consequências da divulgação de fotos íntimas sem consentimento são vastas.

O Revenge Porn consiste na exposição pública, na Internet, de conteúdos íntimos, sem o consentimento da pessoa visada, ainda que se tenha deixado filmar ou fotografar no âmbito privado.

Este tipo de violência sexual é um crime cada vez mais comum. A PSP regista cerca de 300 queixas por ano, desde 2016. O maior número foi em 2020, onde se atingiu quase 400 queixas (386). No final de 2022, foi declarado crime público. De acordo com a legislação, artigo 193º: “Quem criar, mantiver ou utilizar ficheiro automatizado de dados individualmente identificáveis e referentes a convicções políticas, religiosas ou filosóficas, à filiação partidária ou sindical, à vida privada, ou à origem étnica, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”. A própria ameaça dessa divulgação, mesmo que não se concretize, é um crime que é punido pelo Código Penal no Artigo 153º.

O caso mais popular é o do website pornográfico IsAnyoneUp, utilizado para a publicação de fotos ou vídeos roubados. O caso originou o documentário the most hated man on the internet.

Fonte: Wikipedia

Em Portugal, em 2016, um homem foi condenado a três anos e seis meses de prisão por ter divulgado conteúdo sexual da sua parceira. Segundo o Diário de Notícias, esta foi a primeira vez em que se registou uma condenação por Revenge Porn em Portugal. Foi uma decisão histórica.

A visão do agressor

Segundo a World Is One News, na maioria dos casos o agressor tem uma relação próxima com a vítima. É um ex-namorado, um amigo ou mesmo um familiar.

Os motivos dos agressores na partilha dos conteúdos são diversos, sendo os mais comuns:

  • Humilhação/Castigo: Os agressores nutrem rancor pela pessoa em questão e divulgam o conteúdo como se fosse uma espécie de “castigo”;
  • Tentativa de chantagem e extorsão: Neste caso, os agressores ameaçam a divulgação do conteúdo íntimo caso a vítima não lhes dê algo em troca. Por exemplo, tentativa de extorsão de dinheiro ou de forçar a vítima a manter a relação;
  • Aumento do ego: O agressor partilha o conteúdo com a finalidade de ser admirado por quem o vê, o objetivo é mostrar que conseguiu ter acesso à sexualidade e intimidade da vítima.

A reação exterior

A culpa do crime é, regra geral, atribuída à vítima. Ambos os testemunhos cedidos à ESCS Magazine, afirmam que a reação das pessoas à sua volta quando os conteúdos foram divulgados foi muito negativa. “Já passou um ano e ainda esta semana quatro raparigas passaram por mim na estação e voltaram a chamar-me nomes, a tossir quando eu passo. Continuo a receber esse tipo de interação”, conta Verónica Veiga.

“Não querias que partilhasse, não enviavas”

Um dos maiores argumentos contra as vítimas é que, se não queriam o seu conteúdo partilhado, não o deviam ter enviado.

Em entrevista, a associação Não Partilhes argumenta:

todos são livres de ter a sua opinião da mesma maneira que eu sou livre de conotar opiniões como machistas. Não é complicado compreender que a sexualidade foi-se adaptando aos dias de hoje, estamos numa era digital. Se seguirmos essa linha de pensamento, também não posso levar a carteira para a rua se não quero ser roubada”.

As consequências para as vítimas

Os efeitos da divulgação de fotos íntimas sem consentimento podem ser drásticos. 

Em entrevista exclusiva à ESCS Magazine, a associação Não Partilhes revelou que, desde que começou a página, no final de 2020, já recebeu mais de 1500 queixas/testemunhos. “A maioria de mulheres, mas alguns de homens”. Afirmam ainda que os testemunhos normalmente se situam na faixa etária dos 16-26. 

As consequências da violência sexual, com base em imagens, para as mulheres são nefastas. Não só porque a sexualidade da mulher é percecionada de uma maneira ainda muito arcaica e sexista pela sociedade atual, mas também porque a rede de apoio para as mesmas é muito fraca, para não dizer inexistente. Infelizmente, os quadros que as mulheres sobreviventes de VSBI apresentam são similares. A maioria apresenta distúrbios como ansiedade, mania da perseguição, pensamentos depressivos e ideias suicidas”.

Associação Não Partilhes

Ouve dois testemunhos de vítimas, cedidos à ESCS magazine:

Primeiro testemunho
Segundo testemunho

Ninguém está sozinho

Diversas associações estão disponíveis para oferecer ajuda às vítimas deste crime. As próprias redes sociais, que são dos maiores meios de partilha e divulgação, têm-se esforçado para implementar mecanismos que controlem a publicação de fotos íntimas sem consentimento.

A minha mensagem para todas as mulheres neste caso é que o nosso corpo não define, o nosso sexo não define. O que nós somos está cá dentro. O meu conselho é que procurem ajuda psicológica, seja com amigos, seja com uma psicóloga. Nunca se deixem crucificar por isso, não deixem que alguém vos mate por dentro. Quem cometeu o verdadeiro crime, que é o agressor, é que devia pagar por isso”.

Testemunho de Verónica Veiga, cedido à ESCS Magazine.

O meu maior conselho para mulheres e homens que possam vir a passar por isto é: Tenham gente boa do vosso lado e, acima de tudo, não fiquem calados, nem caladas”.

Testemunho anónimo, cedido à ESCS Magazine.

Como sobrevivente de VSBI, foi muito importante para mim perceber que eu tinha 0 culpa nisto. Tirei tempo para mim, para EU decidir o que queria fazer, se tinha capacidade psicológica para seguir com uma queixa (que é sempre o meu conselho). Basicamente, é uma situação complicada e peculiar. Cada caso é um caso e não há uma fórmula perfeita para ultrapassar isto. É para isso que eu cá estou, toda a gente que esteja a passar por algo assim tem o meu contacto”.

Testemunho de Inês Marinho, fundadora da associação Não Partilhes.

Associações de apoio:

Fonte da capa: Diário de Notícias

Artigo revisto por Beatriz Neves

AUTORIA

+ artigos

Uma vida sem arte e literatura seria impensável para Catarina. A aspirante a jornalista vê na ESCS Magazine a oportunidade perfeita para ouvir novas histórias e conhecer diferentes perspetivas. É sonhadora por natureza, mente aberta por convicção, e encontra-se atualmente a fazer de tudo para não acabar num trabalho de escritório.