Os três Antónios do movimento LGBTQIA+
É difícil escolher ser quem realmente se é quando a essência é rejeitada pelo mundo ao redor. Portugal percorre um grande caminho na busca pela igualdade, aqui demonstrado pelas ações de duas pessoas e uma instituição.
Como país que esteve sob uma ditadura férrea há menos de 50 anos, é impossível negar que os direitos LGBTQIA+ cresceram muito e rápido. Antes de abril, a homossexualidade era considerada um crime em Portugal. O Código Penal via a homossexualidade como “prática de vícios contra a natureza” e autorizava “medidas de segurança” para os que tivessem práticas homossexuais, entre outras duras punições.
Só em 1982 é que a homossexualidade deixa de ser considerada crime em Portugal. Dois anos antes, um dos maiores ícones do movimento LGBTQIA+ foi descoberto: António Variações. O seu primeiro concerto seria em 1981 na discoteca Trumps, em Lisboa.
António Variações
De estilo excêntrico e personalidade forte, António Joaquim Rodrigues Ribeiro depressa chegaria aos palcos e ao estrelato, com o nome António Variações.
Viveu três décadas debaixo do Estado Novo. Era barbeiro de profissão, tendo criado o primeiro cabeleireiro unissexo de Portugal –É pró menino e prá menina. No final dos anos 70, viveu na Holanda onde assimilou novos estilos musicais. Foi aí que descobriu a liberdade e o seu verdadeiro estilo, que depois traria a Portugal.
Segundo o The Guardian, “Qualquer comentário homofóbico, embora Variações nunca se tenha assumido homossexual publicamente, era esquecido assim que subia a palco. (…) Um hedonista amado pelo povo, um homem humilde por trás de uma postura dominante, Variações injetou cor no Portugal dos anos 80”.
A última aparição pública do cantor foi precisamente na discoteca Trumps, na festa temática “Amarelo e Branco”. Morreria de VIH no pico do repúdio e julgamento da doença. Em 2019 foi criado o filme Variações, uma biopic inspirada no artista, do realizador João Maia. Foi o filme português mais visto em 2019, com mais de 200 mil espetadores. Além do filme, segundo o Expresso, está programado a criação de um museu em sua honra no concelho de Amares, na escola primária em que estudou.
Em 1995 surge a associação ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Tans e Intersexo) fruto de reuniões de ativistas da luta contra a SIDA. No mesmo ano surge o Clube Safo (Associação de defesa dos direitos das lésbicas) e depois a Opus Gay, agora Opus Diversidades, cujo criador é António Serzedelo.
António Serzedelo
António Serzedelo é o ativista mais velho do país, segundo o Público. Apenas 8 dias após o 25 de abril, escreveu, com alguns amigos, o primeiro manifesto da causa LGBT em Portugal, Liberdade para as Minorias Sexuais. Fundou a associação agora conhecida como Opus Diversidades nos anos 90. Em 2o16, a associação desenvolveu o projeto “Envelhecer fora do armário” destinado aos idosos da comunidade que não se sentem representados ou que durante a sua vida não tiveram espaço para se exprimir e se declararem livres. Segundo o Público, “António Serzedelo tem desafiado outros a pensar no envelhecimento.”
A TRAGÉDIA DE GISBERTA
Apesar de todos os avanços, a causa continuava a sofrer duras repressões e punições, algumas fatais. A morte da transexual Gisberta assinala os perigos que a comunidade LGBTQIA+ sofria e sofre, de forma extrema. Gisberta Salce Júnior era uma mulher transexual que veio para Portugal “à procura da felicidade”, como relatado pelo Jornal de Notícias. Passado alguns anos em Portugal, tornou-se sem-abrigo e era portadora de HIV. Não foi a doença que a matou, mas sim a crueldade de um grupo de 14 jovens entre os 12 e os 16 anos, que infligiram de forma contínua agressões violentas.
Hospital Santo António
Passado 17 anos, também no Porto, o Hospital Santo António destaca-se pela nova unidade de consultas transgénero que reúne dez especialidades num único serviço. O jornal Observador afirma que são “uma luz ao fundo do túnel” para quem quer mudar de sexo.
Depois da tragédia de Gisberta, a criação de unidades transgénero mostra como a visão sobre a transexualidade em Portugal tem vindo a evoluir, embora ainda precise de percorrer um longo caminho. Segundo a comissão para a cidadania e igualdade de género, “Embora longe de uma situação ideal de igualdade na área dos direitos das pessoas LGBT, Portugal tem vindo a introduzir alterações legislativas progressistas nomeadamente no código do trabalho, no casamento, no direito à adoção, no direito ao acesso à Procriação Medicamente Assistida, na lei da autodeterminação da identidade de género e expressão de género, à proteção das características sexuais e ao fim da discriminação quanto à doação de sangue.”
Com o crescimento da extrema-direita ao redor do mundo, é necessário garantir que o legado d’os três Antónios (e de muitos mais) perdura. O apoio de associações LGBTQIA+ e a criação de espaços seguros para a comunidade (por exemplo, ao usar linguagem inclusiva) já fazem uma grande diferença.
Fonte da capa: Público | Teresa Couto Pinto
Artigo revisto por Beatriz Cardoso
AUTORIA
Uma vida sem arte e literatura seria impensável para Catarina. A aspirante a jornalista vê na ESCS Magazine a oportunidade perfeita para ouvir novas histórias e conhecer diferentes perspetivas. É sonhadora por natureza, mente aberta por convicção, e encontra-se atualmente a fazer de tudo para não acabar num trabalho de escritório.