Na fronteira entre a Arte e a Moral: “O Retrato de Dorian Gray”
Se tens em casa o livro O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, fica a saber que muito provavelmente tens na prateleira uma versão censurada do mesmo.
Após o lançamento deste primeiro, e único, romance de Oscar Wilde, o livro não foi recebido de ânimo leve por parte dos leitores na Inglaterra do século XIX. A obra relata a vida de um jovem cuja beleza era admirada por todos, e que permanece obcecado em manter a sua juventude intacta. É então que Basil Hallward, artista e seu amigo, cria a sua melhor obra-prima: um retrato de Dorian Gray. Contudo, enquanto Dorian aparentava uma beleza eterna, o quadro de Basil Hallward envelhecia e demarcava todos os seus atos e pensamentos pecaminosos e hediondos. No entanto, Dorian não se deixava afetar, sendo-lhe preferível abdicar da sua alma em troca da beleza, desafiando toda e qualquer moralidade.
“Esse é um dos grandes segredos da vida: curar a alma, por meio dos sentidos, e os sentidos por meio da alma.”
Oscar Wilde, em O Retrato de Dorian Gray
A Polémica Instalada
A personagem de Dorian Gray escandalizou a sociedade inglesa, pela sua atitude compulsiva pela garantia da sua juventude e beleza. Desta forma, o livro tornou-se para a maioria impuro, tóxico, desagradável e repugnante. Contudo, o que impressionou ainda mais os leitores foi a presença de referências homossexuais ao longo da história, o que na época era algo obsceno. Assim, Oscar Wilde desafiou a moral inglesa no século XIX, ao desenvolver uma personagem tão controversa e o desejo sexual entre dois homens.
O livro de Wilde, que entrou rapidamente em confronto com as expectativas culturais e sociais de uma Inglaterra vitoriana, também rapidamente, levou à marginalização do autor por parte da sociedade. Embora a paixão e o desejo entre dois homens não fosse o tema central da obra, bastou ao autor mencionar conteúdo de teor homossexual para ser condenado a três anos de prisão, por envolvimento com indivíduos do mesmo sexo. O seu próprio livro foi utilizado no julgamento como prova de uma vida repleta de obscenidades.
A Censura
O livro foi publicado pela primeira vez na revista Lippincott’s Monthly Magazine, na qual já se apresentava incompleta, visto ter sido previamente “corrigida” pelo editor da publicação, J. M. Sotddart, que suprimiu as partes que considerava indignas de serem lidas. Dado o receio de que a obra fosse então rejeitada, esta foi vítima de várias censuras, tendo a sua publicação sido proibida após a condenação do autor.
Embora o livro tenha sido publicado pela primeira vez entre 1890 e 1891, só em 2011 surgiu a primeira publicação da obra na sua versão completa, sem qualquer censura. Agora é possível encontrar versões, que não só contemplam a obra original, como ainda comentários extensos do autor e ilustrações feitas pelos editores. Uma edição que se destaca, por conter a versão não censurada do livro e pela elegância do seu design, é a da editora DarkSide Books.
“Não existem livros morais ou imorais. Os livros são bem ou mal escritos.”
Oscar Wilde, em O Retrato de Dorian Gray
Um Admirável Exemplo de Persistência
O livro que, para muitos, era um atentado às normas e condutas da sociedade, devido às representações impuras de sexualidade e à busca obcecada pelos prazeres da vida, é, para outros, um exemplo grandioso de coragem. Isto porque Wilde escreveu um livro que desconstrói as convenções sociais da época, representando temas polémicos, como a moral e a decadência da sociedade, e onde descreve os perigos da busca pelo prazer e pela beleza incorrupta.
Consequentemente, enfrentou o repúdio da sociedade à sua obra e pagou pelo seu “crime”, ao defender aquilo em que acreditava – um artista pode e deve exprimir tudo. Assim, deixou um admirável exemplo da luta de um homem pela sua sexualidade e liberdade de expressão. Hoje a obra é venerada e estimada por muitos.
A censura pode ter um papel dual na sociedade – para alguns é uma tentativa de preservação e proteção dos valores da sociedade, enquanto que para outros é uma limitação à liberdade de expressão, restringindo a diversidade de perspetivas. A censura de O Retrato de Dorian Gray é um exemplo de como esta situação moldou a receção da obra e a sua repressão inibiu a sua livre circulação. Contudo, também lhe conferiu um estatuto de “obra proibida”, despertando ainda mais curiosidade para a ler.
O Retrato de Dorian Gray torna-se um arquétipo da luta de um homem pela sua liberdade de expressão. Ironicamente, a censura e proibição deste livro tornou-o ainda mais majestoso e cativante. E após ter resistido tantos anos, finalmente se pode apreciar uma versão completa e tão desejada desta obra escrita por Oscar Wilde – o fruto proibido mais querido.
Fonte da capa: Anatomia das Palavras
Artigo revisto por Beatriz Morgado
AUTORIA
A Madalena está no último ano da licenciatura em Audiovisual e Multimédia. Antes disso, já esteve em Engenharia Mecânica e em Relações Públicas. Tudo tem algo de interessante para a Madalena, o que faz com que queira aprender sobre tudo, por isso, também ser Redatora na ESCS Magazine, pelo seu gosto e interesse pela escrita. E a seguir a Audiovisual e Multimédia? Com certeza que irá aprofundar mais algum dos seus variados gostos... será Biologia? Música? Cinema?