A história de uma banda chamada The Gift
“Quem passa por Alcobaça não passa sem lá voltar” são os primeiros versos da canção imortalizada, nos anos 50, pela voz de Maria de Lourdes Resende. Mas Alcobaça não é apenas a cidade que recebe, de braços abertos, os rios Alcoa e Baça ou a morada de uma das sete Maravilhas de Portugal, o imponente Mosteiro da Ordem de Cister. Alcobaça é, também, a terra natal de uma banda chamada The Gift.
A banda alcobacense dá-se a conhecer em 1998, com o lançamento de “OK! Do You Want Something Simple?”, o estrondoso single que dá o mote ao álbum primogénito: “Vinyl”. No entanto, existem quatro anos do percurso dos The Gift que poucos conhecem.
Esta história começa, então, em 1994.
A banda é originalmente formada por cinco elementos. Para além de Sónia Tavares, Nuno e John (os irmãos Gonçalves) e Miguel Ribeiro, há um quinto elemento (assim apelidado no seio da banda): Ricardo Braga, o qual, por razões profissionais, sai de cena em 1998, o ano em que os The Gift são catapultados para as luzes da ribalta. Em 1997, a banda grava “Digital Atmosphere”, um EP composto por seis temas e uma faixa multimédia (algo inédito). Esta demo é um cartão de visita, cujo objectivo é dar a conhecer à indústria musical, de uma forma o mais profissional quanto possível, quem são os The Gift. A banda envia o registo a várias editoras mas não obtém uma única resposta. Contudo, o quinteto não desanima. A banda arregaça as mangas e, por sua conta e risco, leva para a estrada uma digressão de promoção do “Digital Atmosphere”, que percorre os auditórios do Instituto Português da Juventude, espalhados pelo país.
É por esta altura que se começa a associar a banda ao conceito Do It Yourself, que é como quem diz: se não tens quem te dê a mão, fá-lo tu mesmo. E foi exactamente isso que os The Gift fizeram ao longo destes 20 anos de carreira. Note-se que a banda é detentora da sua própria editora, a La Folie Records, e tem o seu próprio estúdio, em Alcobaça.
Em 1998, já com a formação actual, surpreendem tudo e todos. “Vinyl” cai como uma pedra no charco no panorama musical português. O single “OK! Do You Want Something Simple?” invade as rádios e populariza o quarteto alcobacense. Os The Gift surgem, assim, com a proposta de uma nova estética, que pretende aliar o lado pop/electrónico (sintetizadores, caixas de ritmos, samples) ao clássico (cordas e metais). O álbum é aclamado pelo público, que o compra (numa altura em que ainda se compravam discos), mas também por uma imprensa habitualmente céptica em relação a novos projectos (“Vinyl” foi galardoado Disco Nacional do Ano pelo jornal Diário de Notícias). A “Vinyl Tour” conta com casas cheias, de norte a sul do país, incluindo os coliseus de Lisboa e do Porto. Mas é a 9 de Junho de 1999 que os The Gift têm a sua apoteose, esgotando uma Aula Magna que, no final do concerto, invade literalmente o palco, em jeito de celebração.
Em 2001, os The Gift lançam “Film” – para muitos (incluindo eu), o melhor álbum da sua discografia. O disco não defrauda expectativas, conseguindo, assim, fintar o fantasma do herdeiro de um primeiro grande sucesso (é habitual dizer-se que o segundo disco põe à prova o valor de uma banda – e o desafio foi superado, diga-se). A título de curiosidade, é no “Film” que encontramos uma das canções mais emblemáticas da banda (sendo considerado, por muitos, o tema que define a essência dos The Gift): “Front Of”.
Em 2004, a linha estética dos The Gift sofre a primeira reviravolta (mais tarde, dá-se o mesmo fenómeno com “Explode”). A banda lança um álbum duplo, “AM/FM”: o lado “AM” é mais introspectivo (na onda dos álbuns anteriores, se bem que com uma electrónica mais aprumada e requintada), e o “FM” é mais efusivo (abrindo portas para caminhos nunca, até então, trilhados, com a introdução de guitarradas e afins – ouça-se o tema “You Know”). O disco vê a luz do dia com o primeiro grande sucesso desde “OK! Do You Want Something Simple?”: “Driving You Slow” é um êxito estrondoso e faz-se acompanhar com um videoclipe icónico. É com “AM/FM” que os The Gift chegam ao grande público (até porque, até então, são considerados uma banda elitista/alternativa). O álbum é um êxito de vendas e rende uma digressão intensiva. Em 2005, vencem o prémio Best Portuguese Act da MTV, numa cerimónia que decorre a 3 de novembro, no Pavilhão Atlântico (actual Meo Arena), na qual actuou a Rainha da Pop, Madonna.
No final de 2006, a banda lança um CD+DVD ao vivo: “Fácil de Entender”, que se revela mais um enorme sucesso. A canção que dá nome à obra já existia – era uma faixa escondida do álbum “AM/FM”, gravada com piano e voz. Os The Gift decidem, nesta altura, repescá-la e dar-lhe uma nova roupagem, servindo como cartão de visita a esta produção gigantesca – a maior de sempre da banda –, que acaba por ser um best of ao vivo. A digressão “Fácil de Entender” prolonga-se por dois anos, dentro e além-fronteiras e, devido ao cansaço, segue-se um hiato na actividade da banda, que regressa, somente em 2011, com o lançamento do álbum “Explode”.
Entretanto, em 2008, Nuno e Sónia integram um dos fenómenos musicais mais badalados dos últimos anos: Hoje (ou Amália Hoje, como fica conhecido), um projecto que tem como objectivo assinalar o décimo aniversário da morte de Amália Rodrigues, dando uma roupagem mais pop às suas canções. Nuno é convidado para ser o mentor e o compositor do projecto e chama para junto de si três vozes: a sua colega dos The Gift, Sónia Tavares, Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, e Paulo Praça, vilacondense e músico em vários projectos, como os Plaza. O sucesso é estrondoso, muito devido ao tema “Gaivota”, cantado magistralmente por Sónia. O que era para ser apenas o lançamento de um disco de homenagem, como tantos outros que por aí andam, com a previsão de um ou dois concertos ao vivo, acabou por se tornar numa jornada intensiva de um ano de concertos, sendo, no fim, editado um CD+DVD ao vivo.
Em 2010, os The Gift planeiam o regresso aos discos de originais e, tendo já o conceito bem definido na cabeça (uma explosão de cor), decidem viajar até às entranhas da Índia para participar no Holi Fest, de onde resultou uma produção fotográfica que serviu de base a todo o artwork do novo álbum. Um ano depois, lançam “Explode”, representando, como havia acontecido no “AM/FM”, mais uma viragem na sonoridade da banda: agora mais crua e mais rock. O lançamento do disco é envolto numa estratégia de marketing inovadora: cada um paga o que quer pelo álbum (até zero euros, se assim o entendesse) e as 11 músicas são enviadas, uma por uma, durante 11 dias, por e-mail. Só depois disso é que o disco chega às lojas. Os ‘novos’ The Gift continuam a conquistar novos públicos graças a “Explode” e não há palco em Portugal que lhes escape.
Em 2012, lançam um álbum esteticamente oposto ao antecessor: “Primavera”, um disco intimista que, tal como havia acontecido em “Fácil de Entender”, pega numa música do alinhamento do disco anterior (neste caso, o “Explode”) e dá-lhe uma roupagem de piano e voz. “Primavera” é mais um sucesso estrondoso. Prova-se aqui, uma vez mais, a capacidade que os The Gift têm para criar singles, em português, que ficam no ouvido do grande público. Aquando das gravações do disco, já Sónia está grávida, mas, ainda assim, com força de vontade (e sabe-se lá de que deuses mais), a banda decide levar avante uma digressão imponente – a “Primavera/Explode Tour” – a dezenas de auditórios e teatros em Portugal e em Espanha. Sónia cantou até dar à luz – o último concerto acontece escassas semanas antes do nascimento de Fausto. Mas, após uma pausa dedicada aos afazeres da maternidade, os The Gift regressam ao palcos, em 2012, com estreia marcada no Rock in Rio Lisboa, ainda que sem material novo, e desde então, têm dado concertos pelo país inteiro.
A história chega ao presente.
Os festejos do 20.º aniversário dos The Gift começam em Agosto de 2014, com um concerto em Alcobaça, em frente ao Mosteiro. Agora, no final de 2015, a banda lançou uma colecção comemorativa para o deleite dos fãs: o best of duplo “20”; o livro “20”, escrito pelo jornalista Nuno Galopim; uma caixa de luxo que, para além do best of e do livro, inclui 2 discos com a gravação do concerto no Coliseu do Porto (2012) e algumas raridades e um conjunto de 4 DVDs com gravações de concertos, videoclipes e making of) e o documentário “Meio Caminho da História”. Os festejos culminam com dois concertos de grande calibre – os mais ambiciosos de toda a carreira da banda: um no Pavilhão Multiusos de Guimarães e outro na Meo Arena.
A história do que aí vem.
Os The Gift já estão de olhos postos no futuro. Para 2016, já está previsto o lançamento de um novo disco, produzido pelo dinossauro da música pop-rock mundial, Brian Eno, o nome responsável por diversos êxitos de bandas como os U2 ou os Coldplay.
Manifesto de um fã (eu)
Como fã dos The Gift, confesso que me deu um gozo enorme escrever este artigo. Foi muito difícil resumir 20 anos em alguns parágrafos. Ainda assim, tentei contar o essencial da carreira da banda (pelo menos, os marcos mais significativos, no meu ponto de vista).
Por fim, resta-me dar o meu ponto de vista de fã:
Os The Gift sempre foram lutadores, nunca baixaram os braços. Sempre fizeram tudo com profissionalismo e pensaram sempre em grande, em nome da sua arte: a música (apesar de, muitas vezes, serem acusados de megalomania e arrogância). Sempre valorizaram os fãs, sempre os trataram com um enorme respeito e carinho, porque sabem que a maior riqueza de uma banda reside na relação desta com os seus fãs. E por tudo isto orgulho-me de dizer que sou fã dos The Gift.
AUTORIA
Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).