A Arte Contemporânea obriga-nos a olhar
Passeando pelas ruas da Capital, encontramos traços de uma Lisboa antiga e de uma outra já rejuvenescida, com a expressão artística a marcar presença em vários locais. Subindo a Avenida da Liberdade, os turistas vão-se encontrando com hotéis que os convidam a entrar; um de vários é o Hotel Tivoli, com uma magnificência que lhe é característica. Contudo, ao entrar, ninguém espera encontrar o que ali está: no centro, dois painéis curvos seguros por estruturas metálicas. Falamos de “Além do Horizonte”, uma exposição de pintura da autoria de Pedro Calapez.
“There’s something calling me – (He points to the horizon) calling to me from over there, beyond – and I feel as if – no matter what happens – Oh, I can’t just explain it to you, Andy.” Excerto de “Beyond the Horizon”, de Eugene O’Neill.
“Além do Horizonte” está aberta ao público até 22 de Julho e é inspirada na peça de Eugene O’Neill. “Esta exposição junta trabalhos de diferentes séries, mas todos eles ligados pelo tema do horizonte, retratado em O’Neill”, revela o artista plástico Pedro Calapez.
A exposição encontra-se dividida em duas partes. No lobby do hotel, encontramos “Half-pipe” (2011), constituído por dois painéis em forma de “U” com pintura em acrílico, criando uma “ruptura propositada no espaço; são peças metálicas e grosseiras que contrastam com os sofás que recebem os visitantes”, diz Calapez.
A noção de horizonte subentende, necessariamente, a de limite (ou falta dele), apelando à criatividade de cada um de nós e à possibilidade de tudo sermos capazes de fazer. Aqui, podemos observar esse movimento através das próprias superfícies curvas, mas também da tinta, que parece ganhar vida própria ao deslizar do topo para a base, parecendo continuar-se. Contudo, esse movimento é interrompido pela suspensão da pincelada. “O nosso olhar é feito de memórias. Um visitante do séc. XX entenderia esta peça como sendo uma pista de skate; ao subir e descer da pista, estamos, necessariamente, sempre a ver e a afastar-nos do horizonte e, quando vamos ao topo, temos uma outra imagem do Mundo. Este é um horizonte que se reconhece visual e conceptualmente”, revela o artista.
Para além de tudo isto, podemos, eventualmente, entender a imagem 2 como tendo presente uma pessoa a preto, que coloca as mãos na cabeça, pensando, limitando-se a si própria e a toda a sua criatividade.
Ao lado, na brasserie Flo, temos quatro peças distintas: três da série Horizontes (Horizonte listrado, Horizonte prata e Horizonte rio 1), realizadas pelo artista entre 2013 e 2015 e uma outra, intitulada “Grade” e datada de 2011, que contrasta com o resto da exposição.
As três peças da série horizontes funcionam como uma moldura para tudo aquilo que podemos ver da janela, tudo aquilo que o Mundo nos permite observar, embora, por vezes, esse “algo em algo” se encontre longe. Torna-se necessário olhar o horizonte, sendo que, aqui, temos um duplo horizonte, conseguido através das estruturas metálicas que separam a tela da parede, pondo em causa a própria.
Por sua vez, no que diz respeito à peça “Grade”, temos uma pintura em acrílico de barras negras sobre fundo branco numa estrutura de alumínio. Aqui, temos uma barreira que nos impossibilita de olhar o horizonte – simbolizando as constantes adversidades e dificuldades com que nos deparamos no nosso quotidiano. As grades representam a prisão, não só no sentido literal, como também no sentido figurado, como sendo a prisão do “eu” em si próprio.
Esta é uma peça que se opõe ao resto da exposição. Isto porque todas as outras nos cedem a observação simplificada de um possível horizonte, enquanto esta oferece dificuldade e pede tempo e, segundo Pedro Calapez, “a arte contemporânea obriga-nos a olhar, pede tempo; e, agora, esse tempo não nos é dado”.
“Grade” simboliza, assim, a nossa própria consciência. Constitui a reflexão e o posterior efeito da fusão de duas artes: a escrita – de Eugene O’Neill – e a pintura – de Pedro Calapez -, dando ao visitante a ideia de que o mais importante é seguir os sonhos e tudo fazer para alcançar os seus objectivos, colocando de lado todas as dificuldades inerentes ao processo; isto porque o que importa, no final, é olhar o horizonte e tentar alcançá-lo.