Editorias, Opinião

A diferença dos estilos de roupa nos géneros

Enquanto que a identidade de género se refere ao com que a pessoa se identifica – a nível da sua personalidade, podendo variar entre homem e mulher num espetro que contém uma diversidade de termos entre esses dois extremos infinita – , a expressão de género é a forma como essa identidade é apresentada, que pode ser masculina, feminina e andrógena. Essa comunicação é feita através de características físicas, como a roupa e o corte de cabelo, e é classificada segundo o que é visto como tradicionalmente masculino, feminino e andrógeno, não tendo uma relação necessária com a identidade de género e muito menos com o sexo.

O sexo depende da anatomia do indivíduo, dos seus cromossomas e das suas hormonas. Desse modo, uma pessoa pode ser macho, fêmea ou intersexo, ou seja, alguém cujo sexo possui características dos dois anteriores.

Assim sendo, seria de esperar que a moda se limitasse à expressão de género e rotulasse os seus estilos de roupa e acessórios como “masculino”, “feminino” e “andrógeno”. Mas quando eu entro numa loja não é isso que eu vejo e em seu lugar olho para os lados e deparo-me com a separação do local em apenas duas secções: a de homem e a de mulher.

Isto cria uma associação de expressões a identidades de género (masculino a homem e feminino a mulher), ignorando, não só a expressão andrógena, que raramente aparece comunicada nos sítios de venda, como todas as identidades de género à exceção de duas, binarizando e polarizando um espetro tridimensional, que vai desde a ageneridade (não existência de género) à fluidez de género (existência de vários na mesma pessoa).

Infelizmente, esta situação agrava-se quando nos apercebemos que essas secções não classificam só identidades de género mas sexos, ao fazerem a distinção de tipos de corpos para diferentes estilos de roupa.

O modo como a organização das lojas e da moda está feita, associando erradamente expressões de género a anatomias, reflete o pensamento atual (e já desde há bastante tempo) da nossa cultura, partilhado pela maioria das pessoas e visto como verdadeiro no geral, de que as pessoas de um certo sexo se identificam com o género que lhes é atribuído à nascença e que esse género tem inevitavelmente certas características e que essas têm de ser expressas na roupa, porque as pessoas desse género vão identificar-se mais com o estilo que lhes foi associado e porque as outras vão identificá-las melhor como pertencentes a esse género e consequentemente ao sexo que socialmente lhe foi correspondido.

A complexidade da forma como se passa do sexo para a expressão de género e o inverso, percorrendo a identidade binarizada, é simplificada com os rótulos “secção de mulher” e “secção de homem”, que não só refletem o pensamento prático da maioria como o reforçam, porque a marca, a loja e as pessoas que criaram a loja demonstram que também pensam assim, tal como todos os consumidores que ali aparentam aceitar aquela nominalização e regem acriticamente a sua forma de compra de acordo com essa rotulização das secções; indiretamente é dito ao consumidor que esse pensamento está correto, e por ele o ver utilizado à sua volta ele sente-se integrado ao pensar de forma igual. E esse pensamento parece fazer ainda mais sentido quando isto acontece em praticamente todas as lojas de roupa, sendo que podemos mesmo quase dizer em todas, retirando raras exceções que têm aparecido principalmente mais recentemente.

Deste modo: discrimina-se as pessoas intersexo, cuja anatomia nem sempre se insere nas que são utilizadas como modelo standard na criação das roupas; discrimina-se as pessoas transgénero, cuja anatomia nem sempre se insere na que é feita corresponder ao seu género; e discrimina-se qualquer pessoa que tenha uma expressão de género diferente daquela que é associada à sua identidade e ao seu tipo de corpo.

Mas, apesar de vivermos numa sociedade cisnormativa, transfóbica e principalmente capitalista, em que a maioria dos negócios da moda reflete e reforça o silêncio das minorias de modo a manter os seus lucros, alguns não têm medo de quebrar esse ciclo, como é o caso das lojas VEEA, Saint Harridan e Fourteen, que, entre bastantes outras, cada vez mais aparecem atualmente e tentam fazer com que mais partes da população se sintam incluídas.

(A Maria Beatriz escreve com novo acordo ortográfico)