Opinião

A galinha dos impostos de ouro

Um dos meus princípios como esquerdista é a forte crença na forma como se deve gerar a riqueza: de baixo para cima. O capital produz-se pelo aumento do poder de compra da população e pela soma das pequenas contribuições de todos nós. Mais dinheiro na classe média equivale a mais consumo, a mais receitas para o Estado, a um aumento galopante do produto económico do país, à criação de empregos e infraestruturas, a um aumento da qualidade de vida da população, que, consequentemente, equivale a um maior consumo… ad infinitum. É um sistema esteticamente belo, inclusive, visto que acaba por ser a metáfora para o mundo todo de mãos dadas, à volta da fogueira, a cantar o Kumbaya enquanto se assam Marshmallows. Abstendo-me de piadas utópicas, acredito que a teoria do trickle down economics é irrealista e indesejável. Cortar a carga fiscal dos 1% mais ricos, através da diminuição do IRC, por exemplo, não faz aumentar o número de empregos.Os grandes capitalistas não investem na criação de trabalho – investem na compra de iates.

Quem está atento à atualidade sabe da nova proposta da Câmara de Lisboa, que consiste no taxamento de 1€ aos turistas, à saída do aeroporto da Portela, e na taxa diária com o mesmo valor por cada dia dormida, até 7 dias, em hotéis e pensões. Hilário foi o consequente drama do Governo de Passos Coelho, em particular do Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas. Citando o próprio, “Eu respeito a autonomia do poder local, mas, como tenho responsabilidades na área da coordenação das políticas económicas, acho que devo deixar um alerta: não matem a galinha dos ovos de ouro fazendo, ao mesmo tempo, taxas para dormir, taxas para aterrar e taxas para desembarcar”. Para já, questiono a ética de quem se queixa da criação de uma taxa residual, quando o autor da frase é um dos principais causadores do violentíssimo aumento de 10% do IVA no setor da restauração, que causou, inequivocamente, uma razia descontrolada na área. Depois, o tom da frase é de condescendência: incrivelmente, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a interrupção que o Kanye West fez durante a entrega do prémio à Taylor Swift. Por último, e para variar, a “opinião” de Portas é factualmente incorreta: o estudo da consultora Pricewaterhousecoopers (PwC) mostra que as cidades com maior previsão de crescimento na área do turismo são todas taxadas atualmente: Paris, Roma ou Barcelona, por exemplo. Dou o nome a este tipo de declaração de “ignorância seletiva” (os ingleses chamam-lhe cherry picking).

É a contínua violação da classe média e a contínua promiscuidade económico-política que me perturba: segundo Portas, a solução certa seria “parar e dizer simplesmente: não investimos mais no turismo” ou “aumentar o IMI e o IRS”. Pobres dos turistas que vão ter de pagar este “enorme aumento” de taxa.

Paulo, deixa a Câmara gerir Lisboa e limita-te a destruir o Estado Social, que é a tua especialidade. Ah! E não te esqueças dos agricultores!

AUTORIA

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João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.