Editorias, Opinião

A minha pizza é maior que a tua

A frustração de um homem é proporcionalmente inversa ao tamanho da sua pizza. Quanto maior a pizza, menor a preocupação em mostrar que a tem grande. Quanto menor, maior a vontade de esfregar na cara do adversário que a dele é ainda mais pequena.

Pouca coisa pode ainda ser dita sobre esse obscuro e misterioso fenómeno social que sempre são as campanhas eleitorais para qualquer coisa. Este ano, para as Legislativas de 4 de outubro, porém, a estupidez está, em grande medida, a vencer por largos pontos ao bom senso. É o sinal dos tempos.

Na nossa Escola Superior de Comunicação Social, no ano passado, haver apenas uma lista concorrente à Associação de Estudantes não foi impeditivo de se fazer na mesma uma grande campanha eleitoral. E no fim, para grande surpresa, a única lista candidata acabou por vencer. Nas legislativas, contudo, apesar de haver uma dúzia de candidatos, os media optaram por restringir o leque de alternativas a cinco partidos/coligações: PS, PF (e não “PàF”! Ide rever as regras de siglas e acrónimos), CDU (ou o PCP e a Heloísa Apolónia), BE e o Rui Tavares. Deste modo, podemos desde já imaginar que o vencedor só pode sair de um desses partidos que, para a realidade dos grupos editoriais portugueses, são os únicos que fazem campanha.

Não me cabe, hoje, discutir este assunto. Antes, vou debruçar-me só sobre a campanha a que um mero mortal tem acesso nos ditos ‘jornais de referência’. E a que conclusões chegamos? Chegamos ao jardim de infância. Durante todo o verão, Pedro e António discutiam quem tinha os desenhos mais bonitos. Venceu o Pedro, que, ao contrário do António, recorreu a imagens de estrangeiros (que também não eram quem diziam ser). O menino António ficou de castigo por ter ido à Junta tirar fotografias a alguns funcionários para ilustrar as frases de uns copywriters brasileiros.

Depois, José Sócrates foi para prisão domiciliária. O coraçãozinho de Pedro não aguentou. Sempre que estava com o António, falava-lhe de José. Toda a gente sabe que nunca se fala de relações passadas com o novo companheiro.

Quem me conhece e alguma vez cometeu a parvoíce de me dar ouvidos sabe que desde novembro digo que José Sócrates – detido numa altura em que o executivo de Passos Coelho andava embrulhado nuns imbróglios com chineses e em que António Costa precisava de se afirmar no seio do seu próprio PS – havia de ser mandado para casa mesmo em cima das eleições. Ou isso, ou seria efectivamente condenado e a minha teoria da conspiração social-democrata ia por água abaixo. Apesar de ainda não poder sair da Abade Faria, o peso do ex-primeiro-ministro chegou para abalar, não o PS, como a imprensa quer fazer parecer, mas a própria PF (e não “o PF”, como erradamente se escreve nos jornais. Isto porque PF não é um partido – embora pudesse ser o Partido Fascista –, mas uma coligação, logo, é a coligação Portugal à Frente).

O trunfo de Passos Coelho nesta campanha era, precisamente, o facto de o seu antecessor estar detido, e de os portugueses terem pior memória que a Dori. É que apesar de Sócrates ter sido detido a dez meses das legislativas, foi ele o responsável, independentemente das consequências, por uma das maiores revoluções na educação em Portugal. Milhares de alunos puderam pela primeira vez beneficiar de escolas modernas, com boa arquitetura (sim, a arquitetura é importante); muitos conseguiram pela primeira vez ter um computador e acesso à internet. Apesar do resto, meus caros leitores, para mim, para sempre, José Sócrates foi um homem com grandes ideias num país de mentes pequenas. E elas só vão mingando.

Após os quatro anos de coligação PSD/CDS, a dívida portuguesa aumentou. As obras públicas foram congeladas, atirando milhares para o desemprego, diminuindo o consumo privado, reduzindo a produção interna. Uma bola de neve.

Após a crise de 1929, com o New Deal, os Estados Unidos da América resolveram aumentar o investimento público, construindo coisas (linhas de caminho de ferro, barragens, estradas…), multiplicando os turnos (em vez de um turno de oito horas diárias, por exemplo, as empresas punham mais turnos de menor tempo, permitindo a mais pessoas ter emprego), pondo, essencialmente, o país a produzir, gerando emprego, que gera consumo interno, que põe a economia a mexer, que traz retorno ao Estado, que pode, por fim, pagar as suas dívidas.

A estratégia da austeridade europeia foi diferente. A direita achou que não se pode viver acima das possibilidades e que Portugal está destinado a ser, para sempre, um pequeno e modesto país. Pararam-se as obras a meio, despediram-se as pessoas, aumentaram-se as horas que cada um trabalha, cortaram-se as prestações sociais, diminuiu-se o investimento nas infraestruturas públicas, aumentaram-se os impostos. A dívida pública aumentou, o desemprego aumentou, o trabalho precário aumentou, a emigração aumentou. Os ricos enriqueceram e os pobres…

Depois destes quatro anos, a solução, todos vemos, não é esta. E faz-me dores de barriga ouvir, sem pesar, as barbaridades de Pedro, António e Paulo. É que, acreditem, PF e PS são o mesmo. Estes são três partidos, essencialmente, fundados na mesma matriz. São como duas pontas de um mesmo novelo: por mais que se puxe, se dêem voltas, desembaraçando os atilhos, no final, o centro é o mesmo. A conclusão é, tristemente, que não vai haver conclusão nenhuma.

Ninguém está a discutir isto. A discussão desta campanha tem sido sobre o tamanho das pizzas, sobre sexo oral na Quinta da Atalaia, sobre quem fez pior, quem chamou mais a Troika, quem foi mais parvo, quem mentiu mais, quem prometeu mais, quem defraudou mais.

A esquerda, que assim se diz só porque é cool ser de esquerda, existe apenas para compor o espetro político. Os comunistas pensam que ainda estamos em 1917: o Bloco de Esquerda é mais um queijo suíço que se senta à esquerda do PS porque no centro está o PS. E não se falam. São como raparigas que se chatearam uma vez por causa de um rapaz por quem ambas se apaixonaram. E andam ali à chapada umas às outras e até ao rapaz por quem se apaixonaram. Enquanto isso, esquecem-se de que deviam pensar em formar um governo, com ideias sinceras e plausíveis.

A direita… A direita mete dó. A direita defende ideias esquisitas, retrógradas, atrasadas. Pelo CDS e grande parte do PSD, Portugal devia investir na ciência com o único objetivo de ressuscitar o senhor Oliveira de Santa Comba Dão. O país quer-se pequeno, pequenino. Uma colónia alemã, angolana e chinesa. Vamos ser Macau (mas em pior e sem casinos porque esses são impuros).

Mas os piores, a chusma mais malvada deste país são mesmo os portugueses. Sim, vocês que lêem, eu que escrevo. Nós, fieis escudeiros de um Portugal que nunca existiu nem nunca há-de existir, que nos sentamos ao computador a acusar refugiados de serem a raiz do Portugal terrível que temos, que nos divertimos a humilhar José Sócrates e a sua pizza, que aplaudimos as lutas de pizza pequena entre homens com idade para ter juízo. A culpa é nossa. A culpa é minha. E é com esta mesma inculcação, com esta mesma ideia que, no próximo dia 4, vamos todos votar no mesmo, para que esses nobres iluminados nos guiem com a sua espada ao alto rumo a um país onde se pense menos, se pague mais e, enfim, se goste apenas de fado, Fátima e futebol (com moderação, claro).

Pedro-Miranda-A-minha-pizza-é-maior-que-a-tua-Opinião