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Argentina e Países Baixos: a ascensão da extrema-direita – a história repete-se

Recentemente, tem-se assistido a um crescimento exponencial da extrema-direita por todo o mundo, com alguns partidos a conseguirem mesmo chegar ao Governo. Quais serão as razões para esta viragem à direita?

No passado mês de novembro, foi possível assistir à eleição de mais duas forças de extrema-direita: na Argentina, Javier Milei para presidente, e nos Países Baixos, o ultranacionalista “Partido pela Liberdade”, liderado por Geert Wilders, alcançou o primeiro lugar nas legislativas. Mas, para conseguirmos entender o sucesso repentino destes partidos, é necessário mergulharmos nas realidades destes dois países.

Contexto nacional

A Argentina chega às eleições presidenciais envolta num cenário socioeconómico devastador: a inflação alcança os 115%, a dívida pública não para de aumentar e estima-se que quatro em cada dez argentinos vivem em situação de pobreza. Nos últimos 20 anos, 16 foram passados com o Partido Justicialista no poder. A principal ideologia do partido é o Peronismo, uma corrente ligada à esquerda que deriva da governação de Juan Domingo Perón, o seu fundador e presidente da Argentina em duas ocasiões: entre 1946 e 1955 e entre 1973 e 1974. Os argentinos clamavam por mudança e Milei era o candidato ideal para que isso acontecesse.

Por outro lado, os Países Baixos chegam a estas eleições numa situação estável. De onde poderia vir então a vontade de mudança? Os especialistas políticos apontam para a tensão recente do conflito Israel – Hamas. Os protestos pró-palestina por parte de migrantes mulçumanos em algumas cidades neerlandesas fizeram com que muitos cidadãos ficassem mais recetivos ao discurso anti-imigração de Geert Wilders . Relativamente ao governo, o país é liderado desde 2010 por Mark Rutte, político filiado ao liberal Partido Popular para a Liberdade e Democracia. 

A vida antes do poder

Os dois candidatos eram bem conhecidos nos seus respetivos países. Javier Milei ganhou popularidade através da televisão com os seus comentários sobre economia, a sua área de formação. Foi com um discurso provocatório e sem filtros que Milei conseguiu ganhar destaque e, eventualmente, afirmar-se como uma figura política em ascensão na Argentina, ao ser eleito como deputado. O seu corte de cabelo característico e as declarações inusitadas acerca da sua vida pessoal formaram uma imagem poderosa no contexto mediático que, mesmo apesar das polémicas, lhe permitiu reunir as condições necessárias para alcançar uma boa quantidade de pessoas recetivas às suas ideias.

O discurso e modo de agir de Milei têm levado a diversas comparações com Donald Trump.
Fonte: Natacha Pisarenko | Associated Press

Geert Wilders, por sua vez, encontra-se na política há quase 30 anos. Começou por integrar o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), sendo eleito para o Conselho Municipal de Utrecht em 1997. No ano seguinte é eleito para o Parlamento Nacional, mas não consegue vingar no seu primeiro mandato. Em 2002, assume o cargo de porta-voz do VVD, o que o leva a ficar conhecido pelas suas posições anti-islâmicas. 

O discurso de Wilders não era do agrado da liderança do partido, o que faz com que, passados dois anos, crie o seu próprio partido: o Partido para a Liberdade (PVV). O político neerlandês vai construindo a sua narrativa e persona política com base nesses ideais, o que acaba por indignar algumas pessoas, mas por fascinar outras, tal como o caso de Milei. 

Este sentimento face ao islão faz com que Geert Wilders acabe por se ver envolvido num processo, entre 2007 e 2011, sendo acusado de incitar ao ódio e à descriminação religiosa, ao comparar o livro sagrado do islamismo, o Corão, ao livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, e por ter invocado a saída dos mulçumanos do país por não cumprirem aquela que é a “cultura dominante”.

Geert Wilders é apelidado por alguns de “o Donald Trump neerlandês”.
Fonte: Reuters

Esquerda fraca ou Direita forte?

Os casos de Milei e de Wilders são sinal de uma tendência que se tem vindo cada vez mais a confirmar: a extrema-direita está a crescer por todo o mundo. Se já tínhamos assistido a uma amostra disso em 2016 e 2018, com a eleição de Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro, no Brasil, os últimos três anos têm-nos mostrado que estes não eram casos isolados.

Em Portugal, André Ventura e o seu partido, Chega, cresceram a um ritmo avassalador, passando de um deputado em 2019 para 12 em 2022, afirmando-se como terceira força política. Na vizinha Espanha, também o VOX se consolidou como um dos principais partidos nacionais, fazendo-se representar por 33 deputados no parlamento. 

Continuamos para Este e chegamos a França, onde já há alguns anos que Marine Le Pen é uma das maiores figuras políticas, com o seu “trunfo” mais recente a ser a chegada à segunda volta das presidenciais frente a Emmanuel Macron. Finalmente, chegamos a Itália, onde a vitória do partido de extrema-direita Fratelli d’Italia, nas legislativas de 2022, levou Giorgia Meloni ao cargo de primeira-ministra.

Tino Chrupalla, André Ventura e Marine Le Pen num encontro da extrema-direita em Portugal, retrato da força que a ideologia tem ganhado na Europa.
Fonte: José Sena Goulão | Agência Lusa

O crescimento da extrema-direita pode ser fruto de vários fatores: a crise migratória, o descontentamento económico ou a ascensão do populismo. O caminho que tem sido feito é o de normalização dos partidos de extrema-direita, em oposição à “demonização” de que era costume serem alvo. O discurso populista, de denúncia dos problemas nacionais evidentes, aliado ao discurso de glorificação dos “cidadãos de bem”, estende a passadeira ao sucesso das políticas conservadoras, nacionalistas e eurocéticas.

O descrédito da esquerda pode também ser outro dos fatores que levam à afirmação destes ideais, que acabam por ser vistos por muitos como uma solução radical e eficaz para o “desgoverno”.

Apesar de todas as especulações em relação aos fatores que causaram este crescimento, uma certeza é que o futuro revela-se risonho para as forças mais à direita do espectro político.

Fonte da capa: The New Indian Express

Artigo revisto por: Pedro Filipe Silva

AUTORIA

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Desde cedo soube que queria ser Jornalista, mas a vida trocou-lhe as voltas e entrou em Relações Públicas. O Rodrigo continua com a mesma ambição e o curso em que está não representa uma condicionante para os planos que tem para o futuro. Como indeciso que é, ainda não sabe em que área do Jornalismo quer trabalhar, algo que vai tentar descobrir ao fazer parte dos diferentes núcleos que a ESCS oferece. O Rodrigo não gosta de falar na 3ª pessoa.