As Horas de Sophia
Se pelo Camões já haviam passado “Tempestades”, desta vez passaram versos. Os versos de Sophia de Mello Breyner Andresen. Os versos de uma poeta de mão cheia que, embora nunca tenha dançado, “dançou” todas as palavras que nos deixou, tantas vezes em papéis soltos, de um modo bastante semelhante àquele com que os bailarinos encarnam e sentem o que dançam em pedaços de madeira a que sempre chamarão palco.
“As Horas de Sophia”, que se encerra em Dezembro, é uma das iniciativas realizadas ao longo deste ano no âmbito da sua obra poética e que acompanhou grande parte das produções da Companhia Nacional de Bailado (CNB). Um dos mais importantes poemas feitos renascer sob a forma de um bailado é “Lídia”, cujo centenário se comemora a par da revista Orpheu e que, além de ter nascido há cem anos nas palavras de Pessoa, volta a renascer nas palavras de Sophia e nos movimentos disformes mas não menos belos coreografados por Paulo Ribeiro.
Na verdade, todas as horas podiam ser de Sophia, mas foram apenas 7 as vezes que esta iniciativa contou com a participação de gente ligada (ou não) à dança mas irremediavelmente rendida à poesia de Sophia, como eu. O moderador destas conferências é também um membro da direcção da Companhia Nacional de Bailado, e convida toda a audiência a participar: seja com poemas seus, originais e relacionados com a dança, ou com poemas de Sophia, presentes num livro que os compila a todos e vai passando de mão em mão ao longo dos sessenta minutos.
Uma das particularidades da poesia de Sophia é a maneira simples como esta escreve a palavra dança: dansa. Com “s” porque, nas suas palavras, “tem muito mais movimento que um «ç»”. Por isto mesmo, um dos seus poemas mais bonitos, a meu ver, e lido na última conferência, é este:
Tudo me é uma dansa em que procuro
A posição ideal,
Seguindo o fio dum sonhar obscuro
Onde invento o real.
À minha volta sinto naufragar
Tantos gestos perdidos
Mas a alma, dispersa nos sentidos,
Sobe os degraus do ar…
AUTORIA
A Ana e a Luísa são duas personalidades distintas numa só rapariga: a bailarina e a aspirante a escritora. Às vezes juntam-se ambas e nascem sublimes risos no papel. No caso de se chatearem, é favor de manter longe delas quaisquer sapatilhas ou folhas em branco.