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As irreverências de Tarantino

Quando se fala de sétima arte, é impossível não se falar de Quentin Tarantino. O realizador americano de 52 anos marcou o mundo do cinema no início da década de 90 com Reservoir Dogs e Pulp Fiction, dois filmes caracterizados por narrativas não lineares, e com a sua icónica imagem de marca revitalizou este tipo de enredo na indústria cinéfila.

Polémico, crítico, extremamente criativo e possuidor de uma tremenda cultura cinematográfica, pode-se dizer que Tarantino revolucionou o cinema e vai deixar na sua história um sumptuoso legado que vale a pena ser salientado. É por isso que escrevo este artigo cujo assunto em concreto ainda não descortinei (dou a liberdade aos leitores de imaginarem um), mas sei que falará de Tarantino, das suas irreverências, e de algumas pouco conhecidas produções, as quais recomendo a sua visualização.

Tarantino sempre gerou muita controvérsia com os seus filmes pouco ortodoxos, que, apesar de serem consideradas obras-primas, são inevitavelmente associados a duras críticas, que ecoam pelos Estados Unidos e não só. Jackie Brown e Django Unchained são dois bons exemplos: o realizador norte-americano Spike Lee, um dos maiores críticos das produções de Tarantino, opôs-se à abordagem excessiva da temática do racismo e do uso de uma palavra tabu (a “n word”) em ambos os filmes, especialmente em Django. Considerando um desrespeito para com os seus antepassados, Lee afirma que a escravidão americana “não é um Western spaghetti, mas sim um holocausto,” e que estava a ser motivo de gozo e paródia por Tarantino. Mas as críticas não ficam por aqui e não se cingem apenas aos filmes. Mais recentemente, nas vésperas da estreia de The Hateful Eight, Tarantino teceu comentários sobre a violência policial nos EUA, reiterando que “um assassinato é um assassinato, logo, chamarei assassino a um assassino.” Estas palavras não tardaram a ter repercussões por vários departamentos policiais americanos, que ameaçaram boicotar a estreia do novo Western, marcada para o início de 2016.

O facto de não medir as suas palavras e não olhar a meios torna Tarantino um realizador irreverente e fora do comum, que gosta de polémica e de chocar audiências – violência excessiva (porrada, sangue, tiros, sangue e mais sangue), cenas chocantes e explícitas (alguém se lembra de cena de Marsellus Wallace (Ving Rhames) e Butch Coolidge (Bruce Willis) em Pulp Fiction?) e constante uso de palavrões são alguns exemplos notórios – mas que as consegue conjugar com enredos intrigantes e minuciosamente estruturados, diálogos sensacionais, ângulos de câmara singulares e bandas sonoras condizentes com o estado e emoção das personagens e do próprio momento da narrativa. Esta combinação enriquece os seus filmes, tornando-os memoráveis e agradáveis de ver e aliam qualidade a todas as suas produções (isto do ponto de vista de um fã, claro está!).

Antes de terminar este artigo, irei falar de dois guiões de Tarantino que são geralmente pouco conhecidos pelo público, mas que se tornaram em cult films.

Começo com True Romance, filme escrito e baseado numa produção amadora de Tarantino, My Best Friend’s Brithday, que estreou em 1993, altura em que estava na ribalta, após o sucesso de Reservoir Dogs, no ano anterior. True Romance (realizado por Tony Scott) esteve muito discreto nas bilheteiras, apesar de ter recebido críticas muito positivas. Ainda que tenha sido considerado um flop, é considerado um dos melhores filmes dos anos 90 e atualmente tem recebido o reconhecimento que lhe faltou há 20 anos atrás. Com um elenco constituído por vários grandes nomes de Hollywood, como Christian Slater, Patricia Arquette, Brad Pitt, Christopher Walken, Gary Oldman ou Samuel L. Jackson, entre muitos outros, True Romance conta uma improvável história de amor entre um humilde jovem e uma call girl que acabam por acidentalmente ficar na posse de um saco repleto de drogas, o que os vai colocar na mira da máfia de Detroit. É uma trama emocionante com uma pitada de humor e tem tudo aquilo que um filme de Tarantino tem – só falta mesmo o seu estilo ímpar de realização.

O outro filme é From Dusk Till Dawn (1996), escrito por Tarantino, realizado por Robert Rodriguez e que, tal como True Romance, registou resultados modestos em termos de bilhetes vendidos, mas rapidamente se converteu num cult film. Com um elenco constituído pelo próprio Tarantino, a quem se juntam George Clooney, Harvey Keitel e Juliette Lewis, é talvez das narrativas mais bizarras e incomuns do realizador – a primeira metade do filme vê dois irmãos, Seth e Richie Gecko, assaltarem um banco e fazerem reféns uma família inocente que viaja num veículo recreativo em direção ao México (até aqui parece tudo normal), até que uma paragem num bar de motards acaba numa experiência macabra e terrorífica, quando todos, excluindo os protagonistas, se transformam em vampiros. Apesar de não gostar muito deste género, acaba por ser cómico e contagiante, parecendo quase uma paródia a filmes de terror – novamente o efeito Tarantino a estar em evidência.

Quentin Tarantino é uma das pessoas mais invulgares e doidas de Hollywood, mas é também uma das mais cultas e confiantes. Tudo o que produz é um verdadeiro regalo para os amantes de cinema como eu, pelo que considero-o um génio da sétima arte e um dos mais influentes desta área. Todas estas irreverências contribuem para a genialidade de Tarantino – aliás, desde quando um génio consegue ser uma pessoa normal?