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Assassinato ao jornalismo no Afeganistão

Fonte: GHULAMULLAH HABIBI/EPA

Dos 42 jornalistas assassinados este ano, 13 foram mortos no Afeganistão. É um dos países no topo da lista da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ). Malalai Maiwand, apresentadora de televisão, foi a terceira jornalista assassinada no país, desde novembro. 

Os jornalistas, para além de sofrerem frequentemente com a precariedade, a exploração e a instabilidade laboral, são também alvo de ataques pelo facto de serem vozes críticas de sistemas corruptos, do crime organizado, do narcotráfico, etc.

Em 2013, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução em que proclamou 2 de novembro como Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra os Jornalistas, com a intenção de levar os Estados-membros a implementarem medidas para combaterem a “atual cultura de impunidade”. No entanto, estes crimes continuam a acontecer em demasia em alguns países e o Afeganistão é um deles. 

Malalai Maiwand foi assassinada a tiro no dia 10 de dezembro de manhã, enquanto se dirigia para o trabalho. A apresentadora era ativista dos direitos das mulheres e das crianças afegãs e trabalhava como pivô na televisão e na rádio da Enikaas, em Jalalabad, no Leste do Afeganistão. 

A Enikaas é uma emissora privada da província de Nangarhar, que faz fronteira com o Paquistão. O diretor do canal, Zalmai Latifi, responsabilizou “inimigos do país” por esta morte e disse que a emissora tem recebido ameaças de morte. Em 2017 já tinha ocorrido uma explosão junto às instalações do canal que matou várias pessoas e, um ano depois, o diretor da altura foi raptado. 

Malalai Maiwand durante o noticiário onde trabalhava.
Fonte: CNN

No entanto, ninguém reivindicou o assassínio desta jornalista, mas tanto os talibãs como o Daesh são muito ativos na região. O comunicado oficial do governo regional só informou que “homens armados não identificados abriram fogo e mataram a jornalista (…) e o seu motorista”. 

O presidente afegão, Ashraf Ghani, condenou o homicídio e apelou às autoridades para investigarem o ataque. Afirmou ainda que “os ataques aos jornalistas são um crime desumano e imperdoável”, prometendo que o Governo iria fazer de tudo para proteger e promover a liberdade de expressão e de imprensa. 

Nos últimos meses têm aumentado os ataques contra jornalistas, políticos e ativistas, o que coincide com o acordo assinado em fevereiro entre os Estados Unidos e os talibãs, agravando-se desde setembro, com o diálogo entre os rebeldes e o Governo de Cabul. Isto, apesar de terem também sido realizadas várias conversações de paz entre o Governo afegão e os talibãs. 

No entanto, a morte de Malalai não foi o único caso nos últimos tempos. Em novembro, dois conhecidos jornalistas também foram mortos em atentados. Aliyas Dayee, de 33 anos, já tinha recebido ameaças pelos talibãs devido ao seu trabalho na Radio Free Europe, que é financiada pelos Estados Unidos. Acabou por morrer com a explosão de uma bomba colocada no seu carro em Lashkar Gah, na província de Helmand, onde vivia. Dias antes desta morte, no dia 7 de novembro, Yama Siawash foi morto nas mesmas circunstâncias, em Cabul, depois de ter deixado o seu trabalho como pivô no canal Tolo News

Os talibãs têm desestabilizado o Afeganistão desde há quase 20 anos.
Fonte: Norrullah Shirzada/AFP via Getty Images

A morte de jornalistas no Afeganistão não é uma novidade deste ano. Em 2019, uma ex-jornalista, apresentadora de televisão e também ativista pelos direitos das mulheres, a afegã Mina Mangal, foi morta a tiro, no Cabul. Trabalhou durante dez anos como jornalista em vários canais de televisão, já tinha também recebido várias ameaças e sentia que a sua vida estava em perigo. Shagufa Noorzai, uma das suas colegas, afirmou que esta morte era mais um dos muitos ataques que ocorrem às mulheres nas ruas de Cabul. 

No entanto, 2018 foi o ano mais mortífero para a imprensa neste país, em que 20 jornalistas e trabalhadores de órgãos de comunicação social foram mortos e outros 20 foram feridos ao exercerem a sua profissão. 

Segundo a contabilidade do Comité para a Proteção dos Jornalistas, Aliyas Dayee foi o 50º jornalista morto no Afeganistão desde a intervenção internacional de 2001 contra os talibãs e a Al-Qaeda. No relatório anual da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), o Afeganistão surge em terceiro lugar, tal como a Índia, o Iraque e a Nigéria, que tiveram 3 jornalistas mortos este ano. Em segundo lugar está o Paquistão, com cinco assassínios. E em primeiro lugar, a liderar a lista pela quarta vez em cinco anos, está o México, com 13 jornalistas assassinados. 

Algumas missões diplomáticas no Afeganistão, incluindo as da União Europeia, dos Estados Unidos e da NATO, condenaram em declaração conjunta a onda de assassínios que procura silenciar a diversidade de opiniões no país. Este país é então considerado um dos mais perigosos para os jornalistas, ocupando a 122.ª posição entre 180 no índice de liberdade de imprensa estabelecido anualmente pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

A organização de direitos humanos Amnistia Internacional também condenou estes ataques e afirmou que as autoridades afegãs devem fazer todos os possíveis para conseguirem proteger os jornalistas e levar os responsáveis à justiça, vincando que “a impunidade dos ataques a jornalistas tem de acabar”. 

A FIJ também contabiliza 235 jornalistas que estão presos em processos relacionados com o seu trabalho. Muitos deles nem sequer chegaram a ser acusados. Younes Mjahed, presidente da federação, afirma que o número é impressionante e recorda o preço que os jornalistas pagam em todo o mundo “pela sua busca pela verdade no interesse público”.

Esta é uma federação que tem 600 mil membros em 150 países, sendo a maior organização de jornalistas do mundo. Desde que começou a realizar o seu balanço anual, em 1995, foram assassinados 2658 jornalistas. Este ano, o número total de mortes é inferior ao de 2019, que registou 49 assassínios. No entanto, é uma diminuição que, segundo o secretário-geral da Federação, Anthony Bellanger, “não pode disfarçar o perigo fatal e as ameaças que os jornalistas continuam a enfrentar por fazerem o seu trabalho”. 

Artigo revisto por Lurdes Pereira

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