Cinema e Televisão

Blonde: uma biopic ficcionada

Dirigido por Andrew Dominik, a adaptação cinematográfica do ensaio ficcionado sobre a vida de Marilyn Monroe apaga a linha que separa os factos reais da vida da atriz mais famosa de todos os tempos e os mitos criados em torno da sua imagem escandalosa.

Blonde nasce de um romance de ficção biográfico da autoria de Joyce Carol Oates, publicado no ano 2000. O ensaio descreve a vida de Marilyn Monroe através da visão ficcionada de Oates. A escritora agarra em momentos conhecidos da vida da Norma Jean (nome verdadeiro de Marilyn Monroe) e tenta encontrar justificações inexistentes e fictícias para esses acontecimentos. Assim, Blonde não passa de uma distorção da vida e da figura da artista internacional, apesar de ser vendido como a biopic mais realista da vida misteriosa da atriz.

Joyce Carol Oates, autora do livro Blonde, que inspirou o filme. Fonte: Infobae

Quando questionado numa entrevista para a BFI Film Academy sobre se era importante desmentir o desentendido de que o filme era uma descrição precisa da vida de Monroe, Andrew Dominik simplesmente respondeu: “Eu não acho que isso importa. Por que isso iria ser importante?”. Apesar desta afirmação pouco inteligente do diretor de Blonde, é sim bastante importante esclarecer o público de que vários episódios representados no filme não aconteceram e de que muitos se baseiam em simples suposições e mitos sobre a artista.

Em Blonde, a infância de Norma Jean é retratada como sendo repleta de momentos de agressões físicas e psicológicas por parte de sua mãe e pela ausência de seu pai. No entanto, o episódio chocante presente no filme que retrata a tentativa de afogamento de Monroe por parte de sua mãe não passa de um momento de especulação, já que não existe qualquer referência que prove que realmente aconteceu. Outro mito escolhido por Dominik para estar presente em Blonde é o de que Marilyn fez parte de um trisal (uma relação a três) com Charlie Chaplin Jr. e Edward G. Robinson Jr., e que acabou por engravidar dessa relação.

Charlie Chaplin Jr (Xavier Samuel), Edward G. Robinson Jr (Evan Williams) e Marilyn Monroe (Ana De Armas) em Blonde.
Fonte: Slate

As três horas fatigantes do filme podem ser resumidas em uma frase: um conjunto de cenas abstratas sem nenhuma conexão entre si. Blonde é um filme confuso, com um mau enredo e uma má condução de história. Enquanto os minutos passam, o público sente que não está a ser levado para nenhuma conclusão; em vez disso, está apenas a assistir a pequenos clips da vida ficcionada de Marilyn Monroe, colocados numa longa-metragem sem nenhum tipo de lógica.

O único objetivo de Blonde é criar no espectador um constante sentimento de desconforto. Para isso, o diretor escolhe utilizar uma abordagem psicanalítica semelhante ao presente no filme Spencer. Dominik opta por criar várias cenas com o simples objetivo de chocar o espectador. As inúmeras cenas de violações sexuais são filmadas de maneira muito realista e sexualizada, deixando o espectador desconfortável. O tema do aborto é também representado de uma forma perturbadora. O filme transmite a ideia de que o aborto feito por Marylin foi uma decisão errada da atriz, através de uma cena insólita onde se vê Marylin a falar com o seu feto.

Cena onde Marilyn “fala” com o seu feto em Blonde.
Fonte: Netflix

Os dois únicos pontos positivos que consegui encontrar no filme são a sua cinematografia única e a atuação de Ana de Armas. Nota-se que Dominik teve um cuidado especial com a fotografia do filme. A qualidade de imagem é ótima e a sintonia entre os pequenos detalhes cria cenas com aspetos visuais agradáveis ao olhar e ao julgamento estético. Da mesma forma, Dominik concentrou-se na escolha da atriz para interpretar Marilyn Monroe. Ana de Armas apresenta fisicamente muitas parecenças com a atriz, sendo muitas vezes difícil distinguir as duas. Mas não são só as semelhanças físicas que tornam a atuação de Ana de Armas numa atuação especial: a atriz de Blade Runner 2049 consegue perfeitamente representar a essência de Marilyn Monroe, imitando os seus olhares, a sua presença, a sua forma de falar e, até mesmo, a sua postura corporal.

Parecenças entre Ana de Armas e Marilyn Monroe.
Fonte: Plenglish

A arte não deveria ter o papel de desrespeitar a figura de uma pessoa que já faleceu. Não é ético. Em Blonde, a vida de Monroe não é um retrato cinematográfico que honra Norma Jean como pessoa e todo o sofrimento que elaesta sofreu nas mãos da indústria de Hollywood. Andrew Dominik escolheu fazer o contrário do que era suposto: desonrar a vida de Marilyn baseando a sua pessoa na sexualização da sua figura feminina, talassim como a indústria fez durante todos os anos da sua carreira. Em vez de se distanciar da hipersexualização da figura de Marylin e contar o outro lado da vida do ícone de Hollywood, Dominik acaba mesmo por optar por uma visão que sexualiza não só a figura de Marilyn Monroe, como também a figura de Ana De Armas.  

Fonte da capa: Netflix

Artigo revisto por: Andreia Custódio

AUTORIA

+ artigos