Editorias, Literatura

Causas de Uma Decadência

Antero Tarquínio de Quental nasceu na cidade de Ponta Delgada, capital da ilha de S. Miguel, nos Açores, a 18 de abril de 1842. A sua infância foi marcada pela morte de três irmãos e pela depressão da mãe, que via como uma Virgem misericordiosa, mas por quem nutre um sentimento de piedade. Começou cedo a instruir-se nos mestres escritores da altura (como Alexandre Herculano, por quem tinha uma grande admiração), tendo começado a desabrochar o seu pendor místico quer por influência do fervor católico da mãe quer pelas leituras de temas mais filosóficos, onde se destaca a influência de Pierre-Joseph Proudhon.

Em jovem, estudou em Direito em Coimbra, empenhou-se e envolveu-se em causas políticas, participou na famosa Questão Coimbrã, foi membro da Geração de 70 e organizou as Conferências do Casino, nas quais foi proferido o discurso que deu origem às Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Três Últimos Séculos. Mas muito mais há que se possa dizer deste açoriano.

Antero é uma personalidade multifacetada: poeta, filósofo, homem de ação, excêntrico, louco, neurótico, místico, iconoclasta, santo- eis alguns dos mutos adjetivos com que muitos pretenderam classificar Antero. No entanto, a realidade talvez seja mais simples do que aquela que estes qualificativos retratam. Há sem dúvida um pouco destes atributos na vida de Antero, e digo na vida porque uma coisa é a vida como a conta a sua biografia, e outra é o fenómeno Antero: fenómeno literário em que simultaneamente se misturam o ser real e projeção de um “eu” ficcional.

Nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Três Últimos Séculos, discurso proferido em 27 de maio de 1871, Antero escreve, teoriza e explica aquilo que ele considera ser um grande atraso evolucional dos países ibéricos e outros. Ele identifica três problemas fundamentais que minaram o passado destas nações:

1. A Contrarreforma dirigida pelos Jesuítas;

2. A Centralização Política realizada pela Monarquia Absoluta;

3. O Sistema Económico realizado pelos Descobrimentos.

Diz o autor que existe um hiato entre os países do norte da Europa, mais desenvolvidos, como a Alemanha, Inglaterra, Holanda, e os países do sul do continente, Portugal, Espanha, Itália e República da Irlanda. Estes últimos são os países tridentinos, por terem participado no Concílio de Trento, responsável pela Contrarreforma católica. Para Antero, o catolicismo tradicional e arcaico foi um foi fator decisivo no atraso do desenvolvimento: queimaram-se livros científicos; aumentou-se a censura e a perseguição a tudo o que contradissesse os ideais católicos, com o Index e a Inquisição; reforçou-se o culto religioso; proibiu-se a tradução da Bíblia. Neste primeiro ponto, Antero mostra-nos as diferenças entre o Sul católico, conservador, adverso ao desenvolvimento científico e o Norte protestante, avançado tecnológica e cientificamente, aberto a ideias liberais e novas.

O segundo ponto que nos causa atraso é a centralização política realizada pelo Absolutismo. Sobre isto, o autor diz que o “aparelho de Estado” se torna pesado e lento. A burocracia toma conta da administração pública e as decisões políticas e económicas são atrasadas e prolongadas ad aeternum. Por outro lado, o próprio regime do Absolutismo é impedimento à evolução: todas as decisões saem do Rei, senhor absoluto e autoritário, dificultando assim a fluidez da legislação ou a execução de medidas verdadeiramente importantes. Novamente, se nos países do Norte há regimes mais liberais (o parlamentarismo inglês é paradigmático), ativos, interventivos e eficazes, nos países do Sul temos monarquias absolutas, burocráticas, lentas, mal governadas e desatualizadas.

O último ponto deste discurso proferido na sala do Casino Lisbonense, fala sobre o sistema económico realizado pelos Descobrimentos. Portugal foi pioneiro nos descobrimentos e conquistou um grande império ultramarino, espalhado por todo o mundo. Para começar, Antero considera tal facto uma desvantagem: o império está espalhado por todo o globo, dificultando as comunicações e a tomada de decisões (já vimos no ponto 2 que a governação era centralizada e toda a lei ou ordem vinha do rei ou dos seus ministros). Por outro lado, as relações estabelecidas nos países conquistados eram, segundo Antero, frágeis e forçadas. Enquanto as potências ultramarinas protestantes (Inglaterra, Holanda) cingiam a sua presença a uma relação económica e política, a sua presença era tolerada e proveitosa para os dois lados. Já os portugueses e os espanhóis (muito devido ao que foi dito no ponto 1) iam para o Oriente comercializar, mas, nunca esquecendo, iam para evangelizar: as culturas do oriente já tinham as suas religiões bem estabelecidas e eram mais antigas que o catolicismo. Os ibéricos eram, portanto, povos incómodos aos orientais. Uma última crítica a este sistema económico baseava-se na convicção excessiva nas riquezas vindas dos territórios coloniais: Portugal abandonou quase completamente a produção em terreno nacional para focar os seus recursos económicos na exploração de terrenos fora de portas. Ora, quando a produção colonial cnas.

Neste livro somos confrontados com uma situação politico-ideológica que mergulhou Portugal numa situação depressiva a nível económico e social, que contribuiu para o atraso civilizacional e científico. Em 1871. E em 2016?