Opinião

Censurar o preconceito

O preconceito que existe na Rússia contra a comunidade LGBTQIA+ tem impedido que estas pessoas possam viver de forma livre, sem que se sintam colocadas à margem da sociedade. A perseguição com base na orientação sexual continua a existir e a sensibilização das pessoas para esta questão deve ser uma preocupação constante. 

A homossexualidade é legal na Rússia desde 1993, mas, com Vladimir Putin no poder, o país tem-se aproximado da posição da igreja ortodoxa russa, que defende os “valores tradicionais”. Em 2021, a Rússia proibiu oficialmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O presidente russo defende que o matrimónio se deve realizar exclusivamente entre um homem e uma mulher. 

Segundo dados da Organização Rainbow, a Rússia é o quarto país da Europa que menos defende o movimento LGBTQIA+. Na pior posição do ranking encontram-se a Turquia, a Arménia e o Azerbeijão. No entanto, Vladimir Putin tem rejeitado as críticas sobre a falta de apoio ao movimento LGBTQIA+. Para o líder político, a ausência de perseguições criminais justificadas pela lei – como acontecia na União Soviética – é suficiente para excluir o apontar de dedo da sociedade.

Quando alguém se questiona sobre o porquê de existirem manifestações nas ruas, marchas, ações de sensibilização, a resposta é: quando não existem direitos iguais, a solução passa por apelar à mudança de atitudes e pensamentos. Podem não haver leis que defendem a perseguição desta comunidade, mas a realidade é que também não existem leis que a protegem.

Fonte: OLGA MALTSEVA/AFP/Getty Images

A verdade é que na Rússia predomina a ideia de que as relações entre pessoas do mesmo sexo são um atentado à boa moral e aos costumes da sociedade. Em 2013, saiu a “lei de propaganda gay”, que proíbe todos os conteúdos que possam “incentivar” a homossexualidade junto de menores. Com esta publicação, também muitos professores e profissionais de saúde foram obrigados a conter os seus discursos sobre homossexualidade e vários portais dedicados a prestar informações a jovens da comunidade LGBTQIA+ acabaram por ser encerrados.

Esta lei é um ato de profunda discriminação, que julga a orientação sexual de uma pessoa e a coloca numa posição de fraqueza e de injustiça tremendas. Decisões como esta promovem o ódio, a ignorância e a falta de sensibilidade e de respeito pelo ser humano. Se todos lutamos por direitos iguais, temos de saber respeitar as diferenças.

A censura da homossexualidade 

Em 2021, uma família russa LGBTQIA+ foi alvo de ameaças e teve de fugir para Barcelona depois de ter protagonizado uma campanha na televisão. O anúncio mostrava um casal lésbico e as duas filhas a publicitar os produtos da cadeia de supermercados russa VkusVill, ao lado da legenda “Receitas para uma família feliz”.

Devido à forte polémica que o anúncio gerou, a empresa retirou-o depois de várias críticas por, alegadamente, ser contra a “lei de propaganda gay russa”. A história não terminou com a substituição da imagem do casal lésbico por a de uma família heterossexual. Estas pessoas foram alvo de uma campanha de ódio nas redes sociais e ameaçadas de morte, depois de as suas identidades terem sido reveladas.

Fonte: VkusVill

A própria cadeia de supermercados inverteu a sua posição. Começou por defender que seria “muito hipócrita não falar sobre as famílias reais”. Mas rapidamente reagiu às críticas de que foi alvo, explicando que a campanha publicitária foi um “erro”, uma “manifestação de falta de profissionalismo” e que “feriu os sentimentos de muitos clientes”.

A Bela e o Monstro – o grande remake de animação da Disney de 1991, protagonizado por Emma Watson em 2018 – foi classificado na Rússia como um filme “adequado para maiores de 16 anos”,  por existir uma personagem gay, uma das primeiras num filme para todos os públicos, o que gerou uma enorme polémica.

Outra grande discussão aconteceu no final de janeiro de 2019, quando a lei de propaganda russa eliminou um jovem maquilhado que aparecia com cinco raparigas numa campanha publicitária internacional da marca de cosméticos Nyx. A Rússia foi o único país em que o rapaz não apareceu, porque o departamento russo da empresa norte-americana – acusado nas redes sociais de homofobia – não considerou aceitável mostrar um homem maquilhado. 

Num país como a Rússia, a diferença é censurada em todos os conteúdos e formas. O medo é instaurado e as pessoas deixam de se sentir seguras no seu próprio país para serem quem querem ser. Onde está a moralidade quando as ações passam por atacar e prejudicar pessoas inocentes, fazendo-as sentirem-se culpadas por existir?

Marcha pelos direitos

No dia 4 de Agosto de 2018, mais de 20 ativistas dos direitos dos homossexuais foram detidos, em São Petersburgo, na Rússia. Participavam numa manifestação quando foram arrastados pelos agentes até uma carrinha da polícia.

As autoridades locais negaram a autorização para fazerem uma marcha pelas ruas da cidade, mas os ativistas desafiaram essa proibição. A polícia acabou por deter todos os que seguravam cartazes ou desfraldavam bandeiras arco-íris, símbolo das minorias.

Fonte: Human Rights Watch

A verdade é que este é um tema bastante abordado, mas não nos meios de comunicação social, que têm um forte papel na forma como a comunidade LGBTQIA+ é aceite socialmente ou não. Este é um dos desafios colocados ao jornalismo, no sentido em que os média têm impacto na forma em como esta comunidade é representada. Não importa apenas dar notícias sobre atos de discriminação e de violência, perpetuando estereótipos e estigmas. É necessário denunciar, mas também importa reconhecer e valorizar.

Também se deve apostar em histórias de empoderamento, de luta e de sucesso. É importante conhecer estas pessoas e saber mais sobre o que significa a luta desta comunidade. É importante que a sociedade esteja atenta às questões da igualdade de género e dos Direitos Humanos, porque a verdade é que somos todos seres humanos com vontade de encontrar um lugar no mundo onde possamos ser nós próprios.

Fonte de capa: Pavel Golovkin-AP

Artigo revisto por Beatriz Neves

AUTORIA

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Iniciou o seu percurso na ESCS Magazine, porque sempre procurou ter liberdade para escrever sobre a realidade à sua volta e para partilhar a sua opinião com as outras pessoas. A paixão pela escrita sempre esteve presente na sua vida. Agora, enquanto editora de música procura fazer-se ouvir através das suas palavras!