Media

Coisa Mais Linda: Empoderamento Feminino ao ritmo da Bossa Nova

O nome Coisa Mais Linda desta vez não é uma tradução: trata-se da série brasileira que estreou em março de 2019, na Netflix (trailer). Foram lançados sete episódios, mas podemos esperar mais alguns, visto que a série já foi renovada para uma segunda temporada.

 O elenco da série é composto por Maria Casadevall (que desempenha o papel da personagem principal, Maria Luíza), Pathy Dejesus (Adélia), Fernanda Vasconcellos (Lígia), Mel Lisboa (Thereza), Leandro Lima (Chico), Ícaro Silva (Capitão), Alexandre Cioletti (Nelson), Gustavo Vaz (Augusto) e Gustavo Machado (Roberto).

 Coisa Mais Linda explora a vida de quatro amigas e os desafios inerentes ao seu género. Inicialmente, conta a história de Maria Luíza, paulista cujo mundo desaba de um dia para o outro. Filha de pais abastados, já tinha o seu destino traçado: ia mudar-se para o Rio juntamente com o marido e o filho, para abrir um restaurante. Os planos alteraram-se quando Pedro – o marido – desapareceu, levando com ele todo o dinheiro da companheira.

 Maria Luíza segue a intuição e acaba por ir na mesma para o Rio. Apaixonou-se completamente pela cidade, mas, mais ainda, por aquilo que a cidade a fez sentir. Estando numa fase mais frágil da sua vida, tornou-se mais recetiva à mudança e aí nasceu um sonho. Depois de contactar com uma nova realidade, adaptou a ideia de criar um restaurante, querendo agora, em vez disso, abrir um clube de música. Ter um bar com música ao vivo mostrou-se desde logo uma missão quase impossível, dadas as circunstâncias da altura. No entanto, depois das derrotas que estava a viver, precisava desta vitória. E o quanto antes, pois deixara o seu filho em São Paulo, com os pais.

 As outras três protagonistas vão aparecendo e mostram-se fulcrais para o desenvolvimento da história. Embora se trate de quatro vidas diferentes, os paralelos são inevitáveis, tal como a conclusão de que os seus infortúnios se devem, em muito, aos seus parceiros, que as concebiam enquanto propriedade. Testemunharmos a sua evolução, a abertura das suas asas, é bastante satisfatório. 

 A série é intitulada a partir de uma parte da música Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Trata-se do género bossa nova, cujo surgimento é retratado em Coisa Mais Linda. A bossa nova é uma mistura entre o samba e o jazz e surgiu no Rio de Janeiro, onde se desenrolam os acontecimentos.

 Ainda assim, Coisa Mais Linda não explora apenas o surgimento da bossa nova, mas também os primeiros passos da luta pelo empoderamento feminino. Em 1959, ano em que decorre a série, as mulheres brasileiras querem independência, querem ter uma identidade própria. Querem deixar de ser definidas por serem filhas de fulano, esposas de fulano ou mães de fulano. Almejam deixar de depender dos homens para algo tão simples como requisitar um empréstimo ao banco ou abrir um negócio – uma vez que, até à data, não o poderiam fazer sem a assinatura do cônjuge.


Legenda: Da esquerda para a direita: Pathy Dejesus (no papel de Adélia), Maria Casadevall (Maria Luíza), Mel Lisboa (Thereza), Fernanda Vasconcellos (Lígia).
Fonte: UOL

 

As personagens masculinas de Coisa Mais Linda são, regra geral, detestáveis. Claro que a mentalidade era outra, os costumes eram outros, mas, estando nós a ver esta série no séc. XXI, não dá para reprimir a revolta. O dó que sentimos daquelas mulheres que viviam apenas para agradar, para satisfazer, para obedecer. Mulheres sem vida, sem objetivos, sem serem donas de si mesmas. Esta série tem uma tremenda importância para nos relembrar da realidade que (ainda) se vivia nos anos 50, no Brasil.

 São várias as formas como esta desigualdade de direitos é retratada. É o homem quem gere as contas, é o homem quem organiza a agenda, é o homem quem controla tudo. Um dos retratos mais pertinentes foi o de uma revista para mulheres escrita por… homens. Com apenas uma mulher por detrás do processo. Ficamos a conhecer os seus comportamentos machistas, os seus comentários nojentos e o descrédito com que tratavam o género feminino.

Os abusos não são suavizados e conseguem atribuir várias perspetivas realistas. A título de exemplo, vemos uma mulher a ser esbofeteada por querer seguir o seu sonho. Esta perdoa o marido, arranjando mil e uma desculpas; algumas amigas apoiam-na, mas, felizmente, a voz da razão sublinha o quão errada e imperdoável é esta ação.

 A fotografia de Coisa Mais Linda é, de facto, linda. Logo no primeiro episódio somos atingidos por um sentimento de conforto ao vislumbrarmos o mar carioca. As coreografias improvisadas no Morro, ao ritmo do samba e do jazz, dão a sensação de que os problemas e as contrariedades não atingem aquela zona. Penso que seja complicado assistir aos sete episódios sem ganharmos um gosto por bossa nova. A banda sonora encaixa na perfeição com os cenários!

 É a série ideal para quem se interessa pela emancipação feminina ou pela cultura brasileira. Tem a vantagem de se ver num só dia, tal como permite ficar a conhecer um novo género musical ao qual, nós, jovens, não estamos tão habituados. Não ficamos propriamente a torcer pelas relações amorosas, mas percebemos que, por vezes, o caminho deve ser percorrido sem companhia.

Artigo revisto por Ana Rita Sebastião

AUTORIA

+ artigos