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Commie Awards ’16. Todos diferentes, todos iguais, todos desclassificados.

Apesar de ninguém saber o que é a ESCS MAGAZINE, nós estivemos lá. Esta é história de como não escrever uma reportagem sobre prémios de humor.

Julgava estar já atrasado. Perdidamente atrasado. Escalei as escadas de terra que ligam o universo à Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) como se estivesse numa prova de atletismo. Sempre a correr, vou levantar a credencial e enfio-me no auditório Vítor Macieira. Não havia público.

Passavam dez minutos das oito da noite e a hora de início do espetáculo (20:00) estava já ultrapassada; contudo, em cima do palco ainda se ensaiava. Os membros da organização corriam minimaratonas, galgando os degraus como quem faz uma prova de obstáculos num pântano de veludo azul. Entretanto, os núcleos iam fazendo o aquecimento.

Do lado de fora, o público – suficiente para cada uma das 450 cadeiras do auditório da ESCS – ia aumentando as expectativas. Os Commie Awards estão envoltos em grande mistério e, por isso, poucos sabem o que esperar do serão. Mariana Fernandes, no segundo ano da licenciatura em Jornalismo, ouviu «falar muito pouco» daquilo que pode acontecer do outro lado da porta. No foyer do piso -1, acha, porém, «que nos vamos rir todos muito».

«Se não me fizerem rir também não vou chorar, mas se calhar vou ficar desiludida», conta Catarina Seixas. No segundo ano da licenciatura em Relações Públicas e Comunicação Empresarial, esta é a primeira vez que vem aos Commie Awards, cuja última edição foi em 2014.

O espetáculo começou só uma hora e vinte e três minutos depois da hora anunciada. A culpa, porém, diz Rúben Tiago, o apresentador de serviço, é dos espetadores, já que não só isto são os Commie Awards, como, ainda por cima, foram organizados «por um gajo de [Audiovisual e Multimédia]».

Todos os lugares estavam ocupados. Todos os espetadores estavam a postos. Logo que se deu o tiro de partida, as gargalhadas rolaram livremente ao ritmo dos vídeos e representações em palco que recriavam e caricaturavam momentos, personagens e situações conhecidas de praticamente todos os alunos da ESCS.

Também a música competia para construir o serão. Os HFP, banda que veio das escolas vizinhas da ESCS no campus de Benfica, não só apresentaram letras inspiradas na escola, mas também covers e temas originais.

Para Hugo Casaca, um dos três músicos, o ambiente faz a banda sentir-se em família. «É como se fizéssemos parte da escola», diz o estudante da Escola Superior de Música e da Escola Superior de Educação, tal como os parceiros Francisco Martins e João Pedro Palma.


Que comecem os jogos

O tema deste ano eram as olimpíadas. O comité olímpico decidiu escolher a escola do professor Jorge Veríssimo para albergar o maior evento desportivo a nível global. As valências estão cá todas e, presume-se, em melhor qualidade que no Brasil, país que deveria acolher este verão os Jogos Olímpicos, não tivessem eles sido realizados na aldeia olímpica de Carrilho da Graça, construída no cabeço de um monte à beira da 2.ª Circular.

Os atletas também estavam prontos. Quatro cursos, quatro desportistas super preparados, seja para bater Teorias da Comunicação, seja para conquistar o ouro no lançamento da sebenta de História dos Media.

Assim, à medida que se alinhavam na partida, Rúben Tiago apresentava cada um dos atletas: Jornalismo, os «fervorosos colocadores de vírgulas»; Relações Públicas e Comunicação Empresarial (RPCE), «especialistas em algo que ninguém sabe bem dizer o quê, provavelmente relacionado com a porta do Urban»; Publicidade e Marketing (PM), «conhecidos por fazer sempre um estudo de supermercado»; e, claro, os atletas de Audiovisual e Multimédia (AM). Melhor, a atleta de AM.

Partida, largada, fugida. E lá foram. O presidente fictício da ESCS, interpretado por um aluno com uma touca de natação na cabeça, disse, com orgulho visível: «se formos apenas mais uns jogos, seremos uns jogos a mais». Que vença o melhor.


O que são os Commie Awards?

Realizados pela primeira vez nos anos 90, os Commie Awards são um evento bianual organizado pelos alunos da ESCS. O objetivo é, mais do que criticar e fazer uma autorreflexão sobre o funcionamento da escola, fazer rir.

«São um retrato daquilo que se passa na Escola», diz André Sendin, vice-presidente da ESCS, à entrada para o espetáculo. «Nalguns casos uma caricatura, noutros uma crítica, uma sátira», completa. São ao mesmo tempo uma oportunidade para pôr em prática aquilo que se aprende nas aulas: «é uma experiência muito próxima da realidade e onde os alunos aprendem muito; aprendem a trabalhar para que aconteça um espetáculo grandioso, com muitas componentes e uma grande complexidade não só do ponto de vista audiovisual», acrescenta Sendin, cuja secretária levou para casa a medalha de melhor secretária.

Para o professor Paulo Tinta, que acabará a noite a jogar hóquei no palco e a chumbar alunos a Análise Económica com uma professora de braço escangalhado, este evento é «importantíssimo» para a ESCS. «Dá para ver como estão a executar os projetos audiovisuais; como fazem a dicção e como escrevem», diz. «Os americanos dizem: ‘você acorda de manhã e ninguém lhe dá nada; se ninguém lhe dá nada. Se ninguém lhe dá nada, tem de ir à procura’». «Aqui dentro é sempre um começo. Depois o mundo está aí», completa o professor de Gestão Empresarial.

A escola apoia disponibilizando todos os meios que possui. «Tudo menos dinheiro!», diz o presidente Jorge Veríssimo (o verdadeiro). Para ele, os Commie são importantes «para criar o espírito de união entre quem participa e quem assiste». Ter o auditório completamente cheio «significa que as pessoas se continuam a rever na ESCS, gostam da ESCS e gostam de ver esta atividade, que é feita com o envolvimento de todos os estudantes», conta-nos Jorge Veríssimo, já no final do espetáculo.

O comité que trouxe os jogos ao palco da ESCS este ano era constituído por 28 atores (dos quais oito eram figurantes), quatro pessoas na reggie (duas realizadoras e duas pessoas para as luzes); quatro produtores; dois realizadores no backstage; e ainda 13 pessoas a ajudar na entrada e backstage.

Os ensaios estenderam-se ao longo da semana anterior ao espetáculo e só terminaram já depois da hora teórica para o início. Mas com sete sketches em palco e 18 gravados, muito podia ter corrido mal (e chegou a correr. Um dos vídeos não quis entrar na hora prevista e gerou algum desconforto, que, porém, foi aliviado com o apoio do auditório esgotado).

Quanto às gravações, foi a própria equipa que os filmou quase todos. «Foi uma semana de loucura», diz Raquel Sousa, uma das produtoras. No total houve 60 atores e figurantes a participar em todos os sketches, com quatro produtores, seis pessoas a tratar da comunicação e outras seis a editar os dez vídeos gravados pela equipa, numa «semana impossível de acontecer», dizem os elementos da realização.


Os Vencedores

No total, seis atletas, ou melhor, seis profissionais da ESCS foram medalhados nas olimpíadas mais escsitas de sempre. Seguranças, secretárias e professores, foram os galardoados numa noite dedicada ao desporto de fazer rir. Cada um deles teve direito a hino personalizado, interpretado ao vivo pelos HFP.

O prémio de melhor secretária foi para Paula Costa, a secretária do vice-presidente da ESCS, André Sendin. Na categoria de melhor segurança da escola de comunicação, Pedro Santos foi o vencedor. Jorge Trindade ganhou o prémio de sumo pontífice do Português e aproveitou a oportunidade para corrigir a gramática do apresentador.

O professor João Barros venceu o Commie de professor mais criativo da ESCS, com «a melhor colocação de produto», graças à capacidade que tem para pôr o nome de um refrigerante no meio de um artigo sério como este. Coca-Cola. Pedro Figueira, criador do Núcleo Audiovisual (NAV) «e muito mais», venceu o prémio para melhor multitasker, levando a medalha de mais proactivo. Já Nuno Portugal foi considerado o «bombeiro metafórico cá do sítio» e levou para casa a medalha de melhor socorrista da ESCS (não levou imediatamente porque não estava na cerimónia).

Jorge Trindade, apóstolo de Borges e sumo pontífice da língua portuguesa, arrecadou a medalha de grammar nazi. E ficou feliz. «É uma sensação ótima. Não sei há quanto tempo se realiza este evento, mas esta é a primeira vez que eu compareço e ganhei à primeira! Portanto estou muito feliz!».

Mas serão os escsianos todos como o apresentador da noite, que não se livrou de ser corrigido em palco pelo professor que recebia a medalha? Jorge Trindade desvaloriza: «toda a gente faz um grande esforço para melhorar as suas competências de fala e de escrita. Isso é o mais importante». E conselhos, professor Trindade, tem para nos dar? «Só teria conselhos linguísticos… Eles são emitidos todos os dias nas minhas aulas».

Pedro Santos, que está na ESCS «há quase uma vida», como ele próprio diz, ganhou o prémio de melhor segurança da ESCS. Receber um prémio dado pelos alunos é, diz, um orgulho. Há catorze anos na escola, Pedro vê a medalha como um sinal de estima e respeito por parte dos alunos. Algo importante numa escola onde a segurança dos computadores deixados nas mesas do -1 é algo imprevisível: «aqui na ESCS temos de tudo. Já tivemos pessoas a entregar carteiras cheias de dinheiro, como às vezes perdes uma sebenta e ninguém te a vai entregar».

Quanto aos perdidos e achados, Pedro tem uma ideia que em 2018 lhe pode valer um prémio de empreendedorismo: «temos lá montes de perdidos e achados! Às vezes dá vontade de agarrar naquilo no fim do ano e fazer uma feirinha para vocês lá irem comprar os vossos próprios perdidos e achados».


«Um espelho que deforma»

«Vocês aproveitam. Nós já batemos em vocês durante um semestre e agora batem vocês em nós». As palavras são do professor Paulo Tinta que não tem medo de se ver representado pelos alunos: «se tivesse medo comprava um cãozinho; ainda não comprei, portanto não tenho medo», conclui.

André Sendin também não tem medo. «Espero saber brincar», diz o vice-presidente da ESCS, antes de revelar planos mais obscuros: «estava a prever uma ameaça de bomba ou um corte geral de energia para se as coisas corressem mal». «Obviamente era uma brincadeira», acrescenta talvez por causa do reação do repórter, que, porém, confirma: não houve bombas, nem faltou a luz.

Jorge Veríssimo, o presidente, também não tem problemas em ser representado por um rapaz com uma touca na cabeça: «é sempre giro. Consideramos isto uma sátira positiva, criativa e é uma forma de os estudantes mostrarem aquilo que eles percecionam da escola e aquilo que tem de positivo e de negativo. Acho que é muito interessante e extremamente giro, portanto acho piada».

O professor Jorge Trindade também se viu no grande ecrã, ou melhor, no grande espelho: «é sempre engraçado, não deixa de ser uma homenagem. É um pouco estranho vermo-nos num espelho que nos deforma, mas no qual nos reconhecemos». Foi claro para todos?


Nada é sagrado

A piada, ou a falta dela, obriga os autores dos textos a um exercício de grande ponderação. O produto final deve ser a simbiose entre a crítica e o humor, até porque, diz Sílvia Carapeto, da organização dos Commie Awards 2016, «a sátira é muito gira mas às vezes há pessoas mais sensíveis».

Para Jorge Veríssimo, porém, nada é sagrado na escola, pelo menos enquanto for ele a estar à frente dos destinos da ESCS, garante-nos. «Desde que seja educadamente gozado e com sentido crítico – uma crítica construtiva – não há nada com que não se possa gozar».

Até porque «há pequenos defeitos que mantêm o que é ser a ESCS», diz o presidente. E também vantagens que outras faculdades ou escolas não têm: «seria difícil noutras escolas os alunos terem feito todo este evento sem ter de contratar empresas», exemplifica Jorge Veríssimo, ilustrando a versatilidade dos meios de que a escola dispõe.

Para além disso, os Commie podem também servir como uma lista de compras com problemas a resolver quer na infraestrutura quer no funcionamento da instituição. «Aquilo que é focado deve ser aproveitado para melhorarmos alguma coisa, obviamente – no que concerne às questões da Escola! No que diz respeito aos professores é com cada um…», explica o presidente.

Por isso agora, é apontar tudo no caderninho verde que te deram no início do ano e fazer apostas. Por cada problema que persistir na próxima edição dos Commie, ganhas uma viagem no elevador que está sempre desligado.

O monstro do Comic Sans é conhecido por atacar alguns alunos da ESCS. Aparentemente, agora também ataca núcleos. Mandem ajuda.