Opinião

Da liberdade de opinar

(Ilustração por Rute Cotrim)
(Ilustração por Rute Cotrim)

Opinar, no seio da sociedade actual, é um pau de dois bicos. Se, por um lado, o advento tecnológico abriu as portas a uma democratização generalizada no acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) – sendo as plataformas de social media o ex-líbris de uma qualquer praça pública –, por outro, observa-se um asfixiamento do pluralismo das ideias e das opiniões – quando, paradoxalmente, nunca existiram tantos fóruns de discussão públicos.

Somos, pois, cidadãos de uma sociedade monocromática, na qual resta pouquíssimo espaço para as zonas cinzentas (o terreno fértil para o alimento da dúvida, que, por sua vez, gera a reflexão): ou é preto ou é branco, ou, dito por outras palavras, ou estás connosco ou estás contra nós. Neste sentido, as redes sociais são um campo minado por barricadas de extremistas. Se não tomamos um dos partidos – se optarmos por uma posição neutra (a tal zona cinzenta) –, somos aniquilados.

Nas últimas semanas, testemunhámos duas situações paradigmáticas. (Aviso prévio: esclareço, desde já, que não me interessa aqui opinar sobre os acontecimentos em si, mas antes sobre a minha perspectiva de como as redes sociais reagiram a estes casos tão mediáticos.) Refiro-me à detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates e ao atentado terrorista à redacção do jornal satírico Charlie Hebdo.

Quando Sócrates foi detido à chegada ao Aeroporto de Lisboa, não tardaram a surgir vozes a regozijarem-se: “Finalmente”; “O lugar dele é na prisão”; etc. Primeira barricada: a favor da detenção. Outras defenderam, com unhas e dentes, a inocência do ex-primeiro-ministro: “É uma injustiça”; “Até prova em contrário, somos todos inocentes”. Segunda barricada: contra a detenção. Quem não se pronunciou, preferindo aguardar pelo desenrolar dos acontecimentos – “Se ele foi preso é porque existem indícios. Deixemos as autoridades actuar” –, sujeitou-se a levar com um tiro: “Se não defendes a prisão, és tão corrupto como ele”.

O ataque terrorista à redacção do Charlie Hebdo provocou uma onda de choque e de solidariedade nos quatro cantos do mundo. Todos, sem excepção, repudiaram o sucedido. A força das redes sociais é tal que a hashtag #JeSuisCharlie se tornou um grito de guerra. Até aqui, tudo pacífico. Neste caso, devido à tónica humana e solidária do caso, as tomadas de posição foram bem mais comedidas. Ora vejamos. De um lado (a maioria, diga-se), estavam aqueles que defenderam a total liberdade de expressão da redacção do jornal (simpatizando ou não com a sua linha editorial). Do outro, aqueles que disseram “Quem brinca com o fogo, queima-se”; “Meteram-se a jeito…”. Por último, na zona cinzenta muito se falou em hipocrisia: “És mesmo Charlie ou mudaste a tua fotografia de perfil no Facebook apenas porque está na moda?”.

É certo que, para ser claro nos exemplos dados, provavelmente exagerei um pouco nas expressões. Mas, se observarmos à lupa, veremos que a realidade não difere muito.

A questão que me interessa aqui abordar é tão somente que os social media são uma ferramenta excepcional que, utilizada da melhor forma, é capaz de promover a vida democrática, actuando a favor de causas nobres e promovendo a troca de ideias. Mas há que ter cuidado. É certo que os haters sempre existiram, mas as redes sociais potenciam a sua acção. Por isso, como em tudo na vida, o bom senso não é para temperar q.b., é para usar e abusar!

(Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.)

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