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Da Rádio… com Amor

Uma voz inconfundível – e uma inconfundível capacidade para cativar quem o ouve e quem com ele aprende – são, provavelmente, duas das principais características que saltam à vista em Francisco Sena Santos. Jornalista, professor e profissional da rádio, é amante de viagens e dedicado a 100% àquilo que lhe dá mais gosto fazer: ensinar e ver florescer novos talentos. E muitos dos futuros profissionais da nova geração podem já lhe ter passado pelas mãos.

Antes de chegar ao Microfone
O estúdio de rádio, onde acabou de dar a aula de Ateliê de Jornalismo Radiofónico a uma turma do 2º ano de Jornalismo, foi o local escolhido para ceder esta entrevista. E não faria mais sentido em qualquer outro lugar, visto que é para a rádio que Francisco Sena Santos vive, e é na Escola Superior de Comunicação Social que se sente mais em casa. Depois de se despedir da turma a que estava a dar aula, e que voltará a ver na quarta-feira seguinte, Sena Santos – como é conhecido pela maioria dos alunos e colegas – instalou-se confortavelmente e preparou-se para me deixar mergulhar no seu passado, presente e futuro, e tentar perceber um pouco do fascínio que a rádio lhe inspira desde há muito tempo.

Existem pessoas para as quais o destino se torna bastante claro desde muito cedo: foi esse o caso deste jornalista, agora com 61 anos, que desde criança sentiu que o seu caminho passaria pelo contacto com as notícias, com o mundo e, acima de tudo, com as pessoas. “Quando era criança escrevia jornais e revistas em casa, o jornalismo atraiu-me desde muito cedo”, relembra, com aquele sorriso que, a par com a voz, é a sua imagem de marca.

De facto, ainda teve uma breve experiência no curso de Medicina, mas este não era, de todo, o ideal. Afirma mesmo que não se imagina em qualquer outra profissão, pelo que é caso para dizer: é de pequenino que se torce o pepino.

Apesar de não ter contado com o apoio da família nesta paixão, confessa que esse obstáculo nunca o fez vacilar, e que nunca o encarou nem como um factor desmotivante, nem como um incentivador à rebeldia. “Eu sempre fui muito autónomo, e sabia aquilo que queria fazer: queria ser jornalista, e tornei-me jornalista, pronto”.

A Descoberta do Ideal
Os jornais e revistas “a fingir” que fazia em pequeno foram a plataforma de lançamento para aquele que viria a ser o primeiro passo na sua futura profissão: ainda enquanto estudante do secundário, em 1973, começou a escapar-se para a redacção do jornal Record e a dar as primeiras passadas no acompanhamento do mundo futebolístico. Contudo, não estaria destinado a manter-se de papel e caneta na mão durante muito mais tempo, e, quando descobriu a rádio, apaixonou-se. Amante fiel, mantém-se-lhe até hoje completamente devoto e dedicado.

Mas o que é que a rádio tem de especial? Comparando-a um pouco com a Internet dos nossos dias, Sena Santos aponta-lhe duas características que as tornam muito mais aliciantes que a imprensa ou a televisão: a interactividade e a capacidade de estarem em constante actualização, e sempre em cima dos acontecimentos, além de um contacto muito mais próximo com o público. “Não tenho um discurso de rádio e um discurso em pessoa. Quando estou em frente a um microfone, finjo que estou a falar com uma pessoa, porque gosto de me entregar a elas”.

A sua voz já pôde ser ouvida nas manhãs informativas da TSF Rádio Notícias e da Antena 1, da RDN. No primeiro caso, integrou, ao lado de Emídio Rangel, a equipa fundadora da rádio, em 1989. Desde aí tem transitado entre as suas estações e, ao mesmo tempo, no início da década de 90, tornou-se professor no Ateliê de Rádio do curso de Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa. A experiência no ensino começaria aqui, e prolonga-se agora na ESCS.

Apesar de hoje em dia já não trabalhar efectivamente em nenhuma rádio, continua a estar muito ligado ao meio, quer seja a caminho do trabalho, quer seja durante o mesmo. Nas viagens de carro prefere sempre ter a companhia dos locutores, apresentadores e jornalistas, nacionais e internacionais, que, entre noticiários, escolhas musicais e blocos de comédia, são “uma verdadeira companhia”. De manhã, ao vir para a escola, gosta especialmente de ouvir o Império dos Sentidos, programa matinal de Paulo Alves Guerra, na Antena 2.

Já na ESCS está a ajudar a abrir os olhos dos seus alunos para o prazer que se pode tirar deste ramo do jornalismo. “Uma das coisas que mais me atrai na rádio é a voz. Agrada-me a ideia de contar histórias pela voz”. Fã do “improviso treinado”, confessa que por vezes olha para trás e se arrepende da forma como deu certas notícias, e por isso aconselha sempre a que se ouça as peças depois de estas serem feitas. “Até se pode improvisar, mas depois tem de se ir ouvir e perceber onde é que se errou, para se fazer melhor de uma próxima vez”. Satisfeito com o seu percurso na ESCS, e com os alunos que lhe vão passando pelas mãos, admite que sente orgulho quando percebe que, nas redacções, estações de televisão e rádios por este país fora, há gosto por receber alunos de jornalismo da faculdade onde ainda lecciona com tanto gosto, e sem nunca perder o entusiasmo.

Comparando os alunos que agora acompanha com os jornalistas da sua geração, confessa que existem diferenças, em particular na preparação a que agora se tem acesso. “Os jornalistas da segunda metade do século XX eram generalistas, iam a todas. Neste momento há especializações. Na rádio continua a haver jornalistas generalistas, mas na imprensa, sobretudo, há cada vez uma maior segmentação”.

Apesar de considerar que a sua voz foge aos padrões habituais na rádio, essa opinião não é partilhada por alguns dos alunos que acompanhou nos últimos anos, como é o caso de Cátia Rocha, que terminou no ano passado o curso de Jornalismo na ESCS, e que afirma: “uma das coisas mais importantes que ele me ensinou foi que não existe a tal «voz de rádio» ou que existem más vozes para a rádio. Ele disse-me algo como “a voz compõe-se, tal como as pessoas também se arranjam de manhã, a voz é semelhante”, e que existem muito mais estilos possíveis de vozes na rádio do que aqueles que eu pensava”.

Também Jéssica Sousa, ainda estudante na ESCS, reconhece no professor uma importante inspiração. No seu primeiro ano no curso não o considerou fora do comum, mas, no segundo ano, quando começou a ter aulas de rádio com ele, deslumbrou-se: “Ensinou-me a nunca desistir, que há tempo para tudo e que consigo tudo, basta querer. Hoje já não tenho aulas com ele, e tenho saudades… e ele também. E o facto de ele ter saudades de cada um de nós revela muita coisa. É um grande ser humano e, se pudesse, levava-o sempre comigo para onde quer que fosse, para um futuro emprego, por exemplo”. Afirmou ainda que as suas aulas são diferentes das de qualquer outro professor: “saímos de ego cheio e com a confiança de que tudo é possível”.

E é precisamente isto que o torna tão especial: a sua constante entrega aos seus alunos, e o esforço que imprime em fazê-los descobrir e acreditar nas suas possibilidades, num mundo em que singrar no campo jornalístico se torna cada vez mais difícil. Mas Sena Santos não se mostra desanimado: “os jornalistas das velhas gerações, que não se actualizaram, estão em grandes dificuldades perante os novos jornalistas, que hoje têm uma formação muito mais vasta. Um jornalista de rádio, hoje em dia, tem de saber fazer fotografia, de fazer vídeo, de ter um leque muito mais alargado de competências”.

E é precisamente este sentido prático e esta exigência, com um leve toque de perfeccionismo, que aplica a si mesmo. “Prefiro ser batido a dar a notícia, do que dá-la de forma incorrecta. Um jornalista não pode falhar com o seu compromisso com o rigor e com a verdade”.

As Outras Paixões
Os seus gostos não se limitam ao que envolve microfones: também os livros e o surf lhe ocupam os tempos livres, e admite que tenta ao máximo evitar fazer aquilo que não lhe der prazer. Leitor ávido, não consegue eleger apenas um livro de que goste: “se me pedissem apenas um, não dava. Tinham de ser uns vinte, e mesmo assim não conseguiria escolhê-los”. Foi, como muitas pessoas, com a série “Os Cinco” que ganhou o gosto pelas leituras, e desde aí este nunca mais desapareceu. E quanto ao surf, permite-lhe aproveitar ainda mais do mar e da praia. Passou dois anos no Algarve, enquanto estava na RTP, e ainda visita regularmente essa região. As suas preferências balneares localizam-se nos extremos do sul do país: tanto a zona de Sagres como a da fronteira com Espanha são do seu agrado.

Conhecer o seu país de origem e também muito do exterior são também objectivos que teve durante muito tempo, e que ainda mantém: já esteve em todos os continentes, é correspondente de uma rádio australiana, chegou a assistir a uma cimeira entre o Presidente Reagen e Gorbatchov na região que é, hoje em dia, a Rússia, e passou alguns meses a trabalhar em Macau. A primeira viagem que fez sozinho foi aos 16 anos, num Inter-rail em que percorreu França, Holanda e outros países europeus, e ainda não perdeu em nada o entusiasmo de andar com a bagagem atrás. “Gostava de ainda vir a conhecer melhor o centro e sul de África. Também me falta conhecer alguma coisa na América Central, e melhor a Ásia. E tenho uma grande vontade de entrar pelo Médio Oriente e conhecê-lo”. E se tivesse de apontar apenas três destinos como os seus preferidos? Deixando Lisboa e Porto de fora, porque neles se sente em casa, “talvez Istambul, Rio de Janeiro e Roma!”. Afirma, com um sorriso de orelha a orelha, que viajar é essencial, e aconselha todos os que possam a fazê-lo o mais possível.

É, assim, um homem fácil de definir: apaixonado pelo conhecimento, desejoso de partilhar com os outros aquilo que faz e de que gosta, e sempre à espera de ver aqueles com que se cruzou ao longo da vida triunfarem. Se forem novos jornalistas, óptimo; e se tiverem sido seus alunos, ainda melhor. “O orgulho por eles é imenso”.

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