Literatura

Declaração individual de incapacidade narrativa

Passou-se uma semana. Talvez mais, não sei ao certo. No entanto, sei que me incumbi de ser mais do que isto, de me deixar levar por este pequeno traço que me carrega a cada respiração, a cada soprar do vento.

Sei agora que não estou talhado para escrever – ou pelo menos não como centro da minha existência.

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Créditos: The Writing Lair

Permitiam-se a clarificação: fiquei uma semana em quase total e absoluta exclusão, tendo tempo para tudo, menos para a escrita. Sinto sempre que é necessário um acontecimento externo abrupto, que me obrigue a ser o que só sou em sonhos e nunca tenho coragem de o realizar.

De que me resta um ou outro elogio perdido, sinceramente sentido? Ou de alguém que recite as nossas palavras com a sua voz, ganhando assim uma plenitude profunda e imaculada, simplesmente perfeita? Foi isso mesmo, um momento, uma inalação, um vislumbre de uma vida que não consigo seguir, quanto mais perpetuar.

E mesmo agora ainda o sinto – sentado à mesa, com as mãos teclando pequenos objetos que parecem ser mais do que aquilo que realmente são, dotados de um dom macabro de tecer destinos com o seu ressoar monogâmico e aparentemente banal.

Aqui, neste planeta que é somente composto pelo meu pensamento e imaginação, consigo sentir-me a fugir, sinto que nunca estas palavras serão lidas com o deslumbramento de quem lê algo de valor, palavras mirradas pelo tempo e apagadas de sentido.

Não faz mal. Resguardo-me na certeza de que escrevo para me libertar, expelindo as pequenas frustrações, aquele rasto que a vida indubitavelmente nos deixa cada vez que nos permite existir, como um imposto que todos aceitámos pagar, um pequeno sacrifício para uma existência tão extraordinária.

E talvez seja aí que me desculpo, dizendo que não tenho nada a expulsar, nem azedume ou mágoa, sofrimento ou cólera, nem mesmo dor encarcerada que tem de encontrar saída como um rio encontra o caminho para o mar. Apenas me sinto vazio de sentido, de encontrar caminhos onde me queira perder, de construir personagens que sejam o que eu sonhei ser, ou aquilo que quis compreender.

Talvez não me caiba a mim ajudar a moldar o mundo. Deixar impressa a minha pegada intelectual, a minha essência na humanidade dos outros. Basta-me existir, aceitar o privilégio de ser feliz e compreender que só sofrem e sangram em papel aqueles que infelizmente foram feridos, e eu quase nem um arranhão tenho para mostrar, quanto mais para contar.

Aceito-a. Essa necessidade de me render à minha incapacidade. Não sou escritor e, para o ser, provavelmente teria de albergar em mim essa dor crónica da alma, uma doença perpétua e com pouco atenuantes, qual asma que se agarra ao pulmão e nos impede de respirar.

Sim, acredito que seja essa a questão, um escritor tem de escrever como quem respira, sentir o prazer da inalação e o alívio da expiração. E, mais importante, tem de suplicar aquando a sua falta, morrer por dentro se não criar.

Talvez por isso Hemingway tenha dito uma coisa do género: escrever é fácil, é só sentar e sangrar. Seria certamente mais simples de acreditar, não escrevesse ele sempre de pé. Está aí, na minha modesta opinião, o segredo da arte de escrever. É aparentemente simples e na sua essência não pode ser de outra forma, mas só para quem carrega em si o peso do mundo. Só quem tem sangue para drenar é que é escritor.

A partir daí, basta efetivamente sangrar, fazer um corte e deixar jorrar, nada é mais fácil. Infelizmente, falta-me o sangue ou talvez me falte a vontade de cortar ou a lâmina. Talvez me falte tudo. Ou talvez…

Artigo revisto por Mariana Coelho