Défice de carisma
Já aqui me declarei como um esquerdista chato, meia dúzia de vezes, com a mania de que defende a classe média, e que combate a corrupção económica e política com as palavras (tenho de ir a um manual psiquiátrico ver que tipo de delusão messiânica é esta). Não devo bater no ceguinho, portanto. Agora que penso nisso, neste contexto, e tomada literalmente, esta frase é extremamente estúpida, salvo para os numerosos de vocês que tenham braille no monitor do PC.
Enfim, voltando ao filosofanço político: acho que, quase desde a sua concepção, a esquerda portuguesa tem um problema incapacitante: a falta de figuras carismáticas. Obviamente a génese do liberalismo democrático está contida no Partido Socialista e no Partido Comunista Português, durante a clandestinidade do sindicalismo e no ínterim das amenas cavaqueiras subterrâneas. Nesta conjectura, o nascimento de uma fénix é natural, simplesmente encarnada num indivíduo que publicamente desafia o regime, com destemor às consequências físicas e/ou mentais. Posso falar de Manuel Alegre, Mário Soares ou Álvaro Cunhal, por exemplo. Dadas as circunstâncias, e sem entrar profundamente na história política e nas condições imediatas pós 25 de Abril, estes indivíduos, e outros que tal, ficaram queimados nas retinas portuguesas como símbolos da democracia, liberdade e igualdade (justamente, diga-se).
Com o passar do tempo, e o passar de gerações, o peso destas figuras vai-se perdendo, tanto pelo curso natural da vida (a morte de Cunhal), como pelo galope da idade e/ou o relativo refúgio do público. Ao afastarmo-nos daquele momento marcante, singularidade da democracia nacional, os políticos tornam-se desinteressantes e aborrecidos, absolutamente inconsequentes. Os novos nascem já sem fascismo, e os velhos assim o ficam, cada dia que passa. Não tardam a ser figuras históricas do passado, tal como Manuel de Arriaga. Aqui os frescos têm vantagem, portanto. O PSD e a direita no geral, como movimentos políticos algo mais recentes e menos mergulhados no passado, tiveram a possibilidade de “dar à luz” alguns contemporâneos mais marcantes na cultura popular, exemplo do actual Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, de Cavaco Silva, ou até de Santana Lopes.
Nesta época, marcar é pela negativa. A figura mais memorável dos últimos 10 anos da esquerda nacional está neste momento num qualquer calabouço em Évora. Durão Barroso, como ex-Presidente da Comissão Europeia, é mais célebre do que Ferro Rodrigues. Rui Rio, pela extravagância e retórica, é mais carismático do que Jorge Sampaio. A lista é grande, mas eu fico-me, por piedade ao leitor, por aqui.
O culminar deste problema está iminente: as eleições Presidenciais de 2016. Que fique já claro para poderem marcar no vosso calendário: mal Marcelo Rebelo de Sousa apresente a sua candidatura, as eleições acabaram. Nenhum candidato de esquerda, dados os motivos acima (e alguns mais), tem a mais pálida hipótese contra o comentador profissional. Atrevo-me até a dizer que os actuais candidatos de esquerda, vítimas do défice de fama, Sampaio da Nóvoa (ex-reitor da Universidade de Lisboa, com apoio directo do Partido Socialista) e Henrique Neto (ex-socialista ressabiado, independente), não chegam, somados, aos 20 pontos percentuais. A única hipótese de extrair a “maioria absoluta” de Marcelo (maioria metafórica, diga-se, pois tal conceito só existe nas legislativas) é com Carvalho da Silva. O sindicalista nato tem uma base de apoio enorme em todos os “vermelhos” do país, com ou sem endosso directo da CDU. Mesmo reunidas as melhores condições possíveis e imagináveis não há volta a dar: as eleições estão perdidas, salvo um volte-face (ou escândalo político) gigante.
Felizmente, e na minha modesta opinião, o Presidente da República pouco mais é do que uma figura diplomática da República Portuguesa. Sim, todos sabemos que tem o poder da dissolução da Assembleia da República, mas estamos a falar de algo circunscrito a condições absolutamente anormais. Também pode vetar projectos-lei, sim, mas duvido que essa vertente faça sentir consequências de maior.
Não sei onde, mas a esquerda precisa de ir a um qualquer poço desencantar uma data de figuras carismáticas. Por mais ideologias certas que se tenha, se o transmissor destas for tão ou menos conhecido quanto o meu vizinho do 4º Esquerdo, os ouvidos do povo ficam moucos.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.