Opinião

Deve o humor ter limites?

Assistimos hoje ao contrassenso conflituoso entre a liberdade de expressão e a hegemonia do politicamente correto. Se, por um lado, somos ativistas do “sê quem és, és único, vive a tua verdade”, por outro, atacamos aqueles que não pensam como nós e que, de facto, vivem como querem. Esta censura é especialmente generosa para os humoristas e para as celebridades.

Tendo noção de que vivemos altamente expostos, sabemos que aquilo que dizemos sofre como que uma avaliação por parte de terceiros, quer queiramos quer não. Aquilo que certas personalidades – ou mesmo o comum mortal – dizem em três segundos pode tornar-se uma tendência no Twitter, pode ser dissecado por desconhecidos nas redes sociais ou ser comentado em programas televisivos.

A pressão é alta: já várias celebridades perderam as suas carreiras devido a um comentário ou mesmo por causa de uma piada. Mesmo que a sua intenção não tenha sido magoar ou que o comentário tenha sido mal interpretado, por vezes a polémica é demasiada para ser possível voltar às boas graças do público.

Bastantes vezes, as celebridades veem-se obrigadas a apagar publicações das redes sociais ou a pedir desculpa por comentários cómicos que fizeram. Dá-se até o caso de estas personalidades terem de fazer comunicados a pedir desculpa por comentários feitos na sua adolescência ou início da vida adulta. Parece que qualquer pessoa hoje tem legitimidade para dizer que certo tipo de piada é inapropriada e deve ser condenada.

A questão que aqui se coloca é: devemos restringir as piadas que fazemos porque podem ofender as pessoas?

Para mim, esta é uma questão algo complicada: apesar de achar que não nos devemos levar a sério e que temos de conseguir rir-nos de nós próprios e das nossas dificuldades, entendo que alguns temas não tenham piada para nós e nos deixem ofendidos. 

Por exemplo, desde que fui visitar o campo de concentração de Auschwitz, as piadas acerca do holocausto deixaram de ter piada. Nem acho que piadas acerca de sexo não consentido sejam engraçadas, pois é algo que me assusta e me enoja. Ora, embora ache que sejam piadas de mau gosto, devo, mesmo assim, tolerar estas piadas ou devo marcar a minha posição?

Será de pensar que algumas piadas podem contribuir para a continuação de mentalidades reprováveis, como é o caso de piadas de assédio sexual que fazem com que as pessoas se riam da rape culture. Assim, eticamente, deve um comediante evitar fazer essas piadas ou não é correto impor limites ao humor?

Confesso que a tarefa de não ofender se tem tornado exponencialmente mais difícil, se não mesmo impossível. Não obstante, tenho para mim que um comediante verdadeiramente bom consegue fazer bom conteúdo cómico sem recorrer à discriminação. Penso que também pode ser uma questão de ler a sala: certamente não iremos contar piadas acerca do holocausto a um sobrevivente de um campo de concentração, a não ser que ele as conte primeiro. Da mesma forma, se calhar um comediante devia abster-se de fazer piadas racistas a um grupo de membros do KKK, uma vez que eles não precisam de mais incentivo nesse campo.

Poderá sempre ser uma alternativa engraçada e inteligente gozar com o outro lado da medalha: com os nazis e não com os judeus, com os violadores e não com as vítimas. 

E as pessoas podem também sempre relaxar e entender que às vezes uma piada é só uma piada e que o contexto importa.

Artigo revisto por Rita Asseiceiro

AUTORIA

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A Constança é aluna de Relações Públicas e Comunicação Empresarial, sendo uma nerd pela estratégia e pela comunicação interpessoal. Com uma paixão por escrever e debater, a escrita de opinião sempre foi o elemento natural desta autora. O seu objetivo é conseguir ser versátil na escrita ao abordar todo o tipo de temáticas e receber feedback que a ajude a elevar a sua escrita para o próximo nível.