ENTREVISTA D.A.M.A: A nossa casa é o palco
Lá fora faz frio, mas dentro do café onde me encontro com Miguel Cristovinho, Francisco Kasha Pereira e Miguel Coimbra — os D.A.M.A. — o frio é ultrapassado com chávenas de chá e boa disposição. Pelas 21h30, actuam na Feira da Castanha da cidade e, depois, rumam à recepção ao caloiro da Guarda, onde entram em palco às 2h. Com o primeiro álbum, Uma Questão de Princípio, editado em Setembro, os D.A.M.A. já têm um público fiel. Prova disso é a enchente que à noite se vê e ouve no Pavilhão Multiusos e com quem, uma hora após o término do concerto, a banda e Salvador Seixas, que também esteve presente, tiram fotos. Parece cansativo? Os D.A.M.A. não se queixam e realçam que gostam de que os fãs se sintam parte da família. Foi neste ambiente familiar que falámos com eles.
D.A.M.A. é um acrónimo para “Deixa-me Aclarar-te a Mente, Amigo”. Aclarem-nos a mente sobre este nome.
Kasha: É preciso contextualizar. Eu e o Coimbra, quando começámos a banda, tínhamos 15, 16 anos. Nós ainda hoje olhamos para o nome e achamos caricato, até. Mas, se analisarmos palavra a palavra, quer dizer aquilo que nós pretendemos com a nossa música. Aclarar no sentido em que queremos fazer letras com as quais as pessoas se identifiquem, não fazer letras sem sentido e, acima de tudo, não escrever letras inócuas; fazer com que as pessoas se identifiquem por já terem passado por situações que nós descrevemos nas nossas músicas.
Como é que começou a banda?
Kasha: Isto remonta a…eu e o Coimbra sempre fomos da mesma turma desde os seis anos, andámos no mesmo colégio, e tínhamos um gosto particular, por, nas aulas de Português, escrever poesia. Quando começou a surgir mais hip-hop na cena nacional, que era um género de música de que nós gostávamos, pensámos: “por que não juntar um instrumental às rimas que fazíamos?”. E aí nascem os D.A.M.A.. Fomos dando alguns concertos, passando algumas músicas para o Youtube, e tivemos a nossa primeira música na rádio, “Popless”, que foi um grande salto para nós. Em 2007, fizemos uma música com o Miguel Cristovinho, que já era nosso amigo, e a partir daí ele passou a fazer parte dos nossos ensaios e dos nossos concertos. Convidá-lo para fazer parte da nossa banda foi algo que encarámos com naturalidade; ele aceitou — graças a Deus — e assim estão os D.A.M.A. neste formato original, que somos nós os três.
No Facebook, dizem que procuram “novas sonoridades” e que conjugam “diversos estilos de música” num só. É uma forma de a vossa música ser só vossa?
Cristovinho: Tentamos procurar, sim, algum individualismo na nossa sonoridade. Não sabemos se conseguimos de facto, mas é uma das coisas que nós procuramos. Um dos nossos objectivos é que as pessoas ouçam uma música nossa e identifiquem “este som faz-me lembrar D.A.M.A.”.
O vosso verdadeiro boom de popularidade aconteceu depois de fazerem a primeira parte do concerto dos One Direction, no ano passado. Como é que foi essa experiência?
Coimbra: Acima de tudo, foi importante para nós para atacar — atacar entre aspas, claro, — um determinado target que nós ainda não tínhamos conquistado. Já tínhamos alguma popularidade no meio universitário, que sempre foi o nosso forte, o nosso segmento principal… a maioria das festas que fazemos e dos concertos que damos é para a malta académica: recepções ao caloiro em discotecas, universidades…e esse concerto fez-nos aparecer no mapa de uma camada mais jovem, que não tínhamos antes. Nesse sentido, sim, ganhámos popularidade, mas mais nesse target…
Kasha: Nós não procuramos segmentarizar o target para o qual cantamos. Acho que quanto mais abrangentes formos e quanto mais levarmos a nossa música a uma maior quantidade de pessoas só é melhor para nós, por isso não queremos ter qualquer tipo de restrições.
Foi a partir daí que começaram a perceber o impacto que tinham no vosso público?
Kasha: Não. Desde o início da banda que temos contacto com o público. É lógico que, se calhar, pessoas mais jovens têm uma postura mais activa e mais reacionária, entram logo em contacto connosco e procuram ir a vários concertos, fazer vários quilómetros para nos verem. Mas sempre tivemos grande contacto…
Coimbra: Nós até já tínhamos dado outros concertos para milhares de pessoas. Nesse, de facto, cantámos para 65 mil pessoas e cantaram connosco, foi uma experiência fantástica! Mas já tínhamos cantado noutros sítios para dezenas de milhares de pessoas…
Kasha: Festas do Mar, [Festival MEO] Sudoeste…
Coimbra: Este foi num estádio de futebol e foi a euforia máxima…
Kasha: A grande diferença foi mesmo essa: nunca tínhamos cantado para 65 mil pessoas. Já tínhamos cantado para muitas pessoas, com muitas pessoas a cantarem a nossa música, mas ali foi, de facto…Nós não éramos a banda principal desse dia, mas nós, em cima do palco, sentimo-nos como a principal, porque as pessoas cantaram a maioria das nossas músicas. Isso foi óptimo para nós e foi uma grande sensação, sem dúvida.
Entretanto, publicaram o vosso álbum [Uma Questão de Princípio]. Como é que chegaram ao contacto com a vossa editora?
Coimbra: A editora, na verdade, chegou ao contacto connosco. Nós tínhamos repertório para gravar, aparecemos no mapa da música com os singles que lançámos de maneira independente — o “Desajeitado” e o “Luísa” — e, a partir daí, surgiu o interesse das editoras. Contactaram directamente a nossa agente e o nosso manager, que já trabalhavam na indústria há muito tempo, e o contacto surgiu de forma muito natural.
Kasha: Nunca foi uma obsessão nossa ter um álbum. Claro que é sempre uma coisa que nós almejamos, como qualquer artista quer ter o seu trabalho compilado em algo corpóreo, mas nunca foi uma obsessão. Acabou por surgir de maneira natural. As coisas estavam a começar a crescer, estávamos a começar a evoluir e o airplay das nossas músicas a crescer, então despertou o interesse das editoras que quiseram fazer esse tipo de trabalho connosco, fazer um CD, e nós fomos para estúdio.
O Youtube acabou, também, por ser uma excelente plataforma para divulgarem as vossas músicas…
Cristovinho: Especialmente com esta inovação tecnológica que vemos na última década, as bandas têm surgido através das plataformas digitais. Nós começámos a divulgar o nosso trabalho através do Youtube, mas não somos uma banda que nasceu do Youtube, como aqueles fenómenos. Mas é claro que ajuda, conseguimos perceber muito bem o feedback que as pessoas têm, o sucesso das músicas é muito mais tangível através das views, dos gostos, dos comentários. Se a música fica viral, nós temos essa noção e se pusermos as dez músicas do álbum todas no Youtube vemos qual é que tem mais views e é óbvio que é um bom medidor.
Entretanto, lançaram o álbum Uma questão de Princípio… É um álbum completamente D.A.M.A.?
Kasha: Nós pensamos música a música, mas o álbum tem de ter uma coerência, e procurámos colocar essa coerência na sonoridade através dos instrumentos que usámos. Mas o álbum… Nós dizemos isso mesmo, que é um álbum, acima de tudo, muito D.A.M.A.. As pessoas ouvem e percebem isto — e digo isto com uma certa sobranceria, mas é verdade — não conseguem arranjar uma banda tipo os D.A.M.A. e criar essa identidade sonora é das coisas pelas quais mais batalhamos e, consegui-la será, certamente, uma grande vitória. Ao longo do álbum conseguem encontrar desde baladas até músicas mais mexidas, com mais rap, músicas mais cantadas, participações especiais de outros artistas com os quais tivemos imenso prazer em trabalhar e… É comprarem o álbum e ouvirem.
E por falar em participações especiais: trabalharam com o Salvador Seixas, a Mia Rose e a Gabi Luthai. Como é que foi trabalhar com eles?
Cristovinho: O Salvador surgiu há bastante mais tempo, foi uma música que gravámos há um ano. Na altura, não conhecíamos o Salvador, mas quando o Miguel [Coimbra] começou a produção da música — porque é o Miguel quem mais trata da parte de produção — quisemos uma voz diferente e a voz do Salvador era a voz ideal. Então contactámo-lo e ele ficou super entusiasmado. Depois conhecêmo-lo, gravámos com ele e ficámos super amigos. Hoje em dia ele faz concertos connosco e é um prazer, é quase como um irmão. A Mia é uma excelente artista, já bastante conhecida em Portugal e internacionalmente, e é especialmente super talentosa. A música também foi escrita por ela e foi um prazer. Em relação à Gabi Luthai, foi uma música que o Francisco [Kasha] tinha começado por escrever já há bastante tempo, a música já tem mais de dois anos, e, na altura, idealizámos que fosse uma conversa entre um homem português e uma mulher brasileira e, então, já há muito tempo que queríamos uma brasileira para cantar a música. Muitas pessoas surgiram até que, depois, quando assinámos com a Sony, através dos contactos com a Sony Brasil conseguimos chegar à Gabi Luthai e ela gravou através do estúdio dela, no Rio de Janeiro.
O tema “Popless” tem uma parte que remete para o tema dos GNR, com o mesmo nome. Porquê?
Kasha: Lembro-me perfeitamente de estar a escrever essa música e o Miguel estava a tocar uns acordes e eu a escrever a música e disse — e eu sou fã dos GNR — “ficava muito bem aqui um refrão dos GNR”, mas depois adaptámo-lo, num refrão à D.A.M.A.. Não temos “onde ela passa nem a relva cresce” e essas coisas todas. No fundo, é a maneira como os D.A.M.A. vêem o “Popless”. Felizmente, podemos ter a música no álbum; foi uma música que nos marcou muito, foi a nossa primeira música a ir para a rádio, o nosso primeiro milhão de views… Os GNR gostaram e aprovaram a ida da música para o álbum, por isso ficamos muito contentes.
Como é que têm lidado com este aumento de fãs e comentários em redes sociais?
Coimbra: Estamos bastante orgulhosos disso. Estamos a ver que o nosso trabalho está a ser reconhecido e, de certa forma, adorado por muita gente. É bom ver que as pessoas se identificam com aquilo que nós escrevemos e o contacto que eles têm connosco, as mensagens que nos mandam a dizer “a minha filha vai chamar-se Luísa por causa da vossa música”, “esta música faz-me lembrar a minha namorada” ou “esta é a nossa música”…
Kasha: Ou “vamos passar esta música na boda de casamento porque é a música preferida da minha noiva”….
Coimbra: São comentários que nos deixam muito contentes e ver que as pessoas gostam daquilo que nós escrevemos e que a nossa música pode fazer parte da vida delas é um enorme orgulho para nós.
Kasha: A consciencialização que temos de que nós não somos nada sem as pessoas que nos seguem, de que as pessoas gostarem do nosso trabalho é essencial… Procuramos estar sempre muito presentes para tentar fazer com que os nossos seguidores estejam sempre presentes na nossa vida. Fazemos pequenos vídeos diários para mostrar como está a ser a nossa vida na estrada, o que estamos a fazer naquele momento. Procuramos responder a todas as mensagens que nos mandam através do Facebook e queremos, acima de tudo, fazer dos D.A.M.A. e das pessoas que os seguem uma grande família. Unidos somos todos muito mais fortes e queremos que os fãs percebam que nós somos exactamente como eles, que podemos estar sentados com eles ao lado, num café. Queremos mantê-los próximos de nós e que eles se sintam próximos de nós.
E comentários negativos?
Todos: Há sempre.
Coimbra: Não se consegue agradar a todos…
Kasha: Mas olha, para os haters… (risos)
Coimbra: Nós lidamos bem com isso. Temos os pés sempre na terra, estamos focados no nosso trabalho e comentários negativos vai haver sempre…
Cristovinho: Levamos com respeito…
Coimbra: Os comentários positivos são muito mais e é a esses que nos agarramos sempre…
Kasha: Achamos que o facto de haver pessoas que não gostam de nós também é um medidor do sucesso com que estamos a ficar. Haverá sempre pessoas que não gostam, o que faria se todos gostássemos do amarelo? Aceitamos todo o tipo de críticas, agora críticas só a dizer mal, quero lá isso! Críticas que sejam construtivas, sim… Há críticas que nos apontam e nós dizemos “pá, de facto, se calhar devíamos pensar nisto de outra maneira”, mas haters, só por serem haters, só para chatear, entram a cem e saem a mil.
Não se torna difícil manter os pés no chão?
Cristovinho: Acho que não. Se tivesse sido uma coisa repentina, era uma coisa… Mas como já trabalhamos juntos há tanto tempo, as coisas já são fruto do trabalho, o sucesso é fruto do trabalho e não fruto do acaso, é diferente. Nós conseguimos olhar para as coisas que nos estão a acontecer agora e vê-las com bastante serenidade
Kasha: Sabemos as etapas pelas quais passámos e não teríamos tanto sucesso se não tivéssemos passado por elas. O nosso sucesso, se é que se pode chamar sucesso, não é um sucesso espontâneo, é muito construído. Demorámos alguns anos, sempre a mandar e-mails para toda a gente a ver se alguém nos ouvia… Temos os pés muito assentes. Sabemos que se não existirem mais boas canções pode acabar.
Coimbra: Vive-se da música. Nós temos estado sempre a escrever mais letras e mais canções porque só assim é que nós vamos continuar a ser os D.A.M.A..
Cristovinho: E nem sequer queremos um sucesso muito egoísta. Nós gostamos de trabalhar com outras pessoas, gostamos de que outras pessoas que trabalham connosco tenham sucesso. Estamos não só focados no nosso trabalho mas também em ajudar outras pessoas.
Kasha: Quanto mais sucesso tivermos, mais sucesso é para a música portuguesa.
Têm plena consciência de que, tal como chegaram até aqui, podem sair de um momento para o outro?
Kasha: Vamos fazer tudo para que isso não aconteça e claro que estou convicto de que vamos conseguir, mas é preciso ter os pés bem assentes na terra e trabalhar todos os dias para que não desapareçamos do imaginário das pessoas…
Tendo em conta que, por exemplo, hoje vão dar dois concertos, é muito cansativo… Não vos apetece às vezes ficar em casa, a ver um filme…?
Cristovinho: É muito cansativo dar dois concertos num dia, mas também não é normal. Tentamos sempre que as nossas datas sejam um concerto, um dia. Podem ser cinco concertos em cinco dias seguidos mas dois concertos num dia tentamos sempre evitar.
Kasha: Nós…Estar a ver um filme em casa… A nossa casa é o palco. Nós estamos em casa.
Coimbra: Isto é o nosso trabalho, mas também é a nossa diversão.
O que distingue os D.A.M.A. de todos os outros projectos musicais portugueses?
Cristovinho: Somos três grandes amigos que têm uma grande paixão por música e isso faz muita diferença. Não fazemos nenhum frete para trabalharmos uns com os outros, a nossa banda é quase a nossa família. Tratamo-nos como irmãos, zangamo-nos e meia hora depois está tudo bem, participamos os três de forma activa no trabalho particular de cada um de nós, ou seja, não temos problemas de egos, gerimos isso super bem e isso é um factor que acho super importante.
Kasha: Há muito poucas bandas que conseguem conciliar a amizade, o facto de terem na própria banda em si quem escreva, quem produza e quem faça coisas melódicas. Precisamos de mais alguém para fazer o produto final, no estúdio, mas não precisamos de ninguém para criarmos músicas. Procuramos o contacto com os fãs, damos muito valor a isso. Estamos às vezes três horas, três horas e meia depois de um concerto a tirar fotografias, a dar autógrafos…
Coimbra: É o bolo todo que acaba por nos distinguir um bocadinho. Não somos melhores do que ninguém.
O que é que os fãs podem esperar dos D.A.M.A., a partir de agora?
Cristovinho: A partir de agora… Um concerto em Trancoso (risos). Primeiro, muitos concertos, especialmente com foco nas músicas que lançámos no álbum. Como é lógico, porque o trabalho também não nos aflige e somos incansáveis com aquilo que gostamos de fazer, já estamos a trabalhar em novas músicas. Felizmente, por termos estado a ter algum hype, temos contacto com excelentes profissionais do mundo da música com quem temos o prazer de trabalhar cada vez mais, temos algumas parcerias que são ainda surpresa…
Coimbra: Os fãs podem esperar mais D.A.M.A., cada vez mais D.A.M.A..
Que mensagem gostavam de deixar aos vossos fãs?
Kasha: Há duas palavras que simplificam tudo aquilo que nós queremos dizer: muito obrigado. É impressionante a maneira como temos sido recebidos de norte a sul do país pelos nossos fãs, esperarem por nós cinco horas no soundcheck…
Coimbra: Quando fomos à Madeira, estarem no aeroporto desde as 7 da manhã, porem placards nas estátuas de Lisboa a dizerem que são groupies dos D.A.M.A., mandarem coisas que elas fazem em casa para cima do palco, que nós guardamos, cartas…
Cristovinho: Elas e eles, que também temos muitos fãs masculinos…
Kasha: As pessoas que nos seguem, pronto. Os fãs podem contar com os D.A.M.A. para sempre e nós não vamos parar de fazer música.
AUTORIA
Sofia Costa Lima nasceu em Trancoso, em 1994. Estuda Jornalismo e é
apaixonada por escrita. Tem um blog pessoal desde 2009 e publicou dois livros — em 2013 e 2014. Colabora com a Associação Juvenil de Trancoso desde 2013, fazendo parte da equipa responsável pelo Jornal Escrever Trancoso.
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