Entrevista: Octávio de Matos
Nasceu no Porto, no seio de uma família de artistas, e faltava às aulas para ir ao cinema. Com setenta e seis anos de idade e setenta e dois de palco, Octávio de Matos revela: “não sou um comediante, sou um actor”.
Estamos aqui, no Villaret, onde está em cena a peça “Quem é o Jeremias?” até ao final de Abril. Qual está a ser o feedback do público?
O público que vem é pouco. Mas aquele que vem é muito bom. É aquele que ri do princípio ao fim e aplaude de pé. O público português não está habituado a ver espectáculos à terça-feira. Foi uma tentativa daquilo que se faz em Londres e em Nova Iorque. Só que Londres é Londres e Nova Iorque é Nova Iorque; isto é Lisboa. Mas o público gosta muito da peça, porque é para rir, para divertir as pessoas. Até porque é essa a minha praia, eu gosto de divertir as pessoas. A vida é para levar a rir.
Por que razão se tornou actor?
O meu pai era actor, foi um dos grandes actores da sua época. Eu nasci, praticamente, dentro do teatro. A minha mãe também era actriz. Estive sempre naquele ambiente do teatro. Pisei o palco aos quatro anos e nunca parei. Tornei-me profissional aos 17 anos. Sempre foi o que eu quis. Estive a estudar. Perdi o sexto ano por faltas, porque ia para o cinema ver comédias (risos). Por isso, a minha mãe meteu-me a trabalhar num escritório de um advogado que era amigo do meu pai. Depois, fui para o Conservatório durante os três anos do curso. Fui a África ter com o meu pai, que estava num espectáculo, e, quando voltei, havia uma festa de homenagem aos “manos Alexandres”, que eram os campeões mundiais de harmónica bocal. Entretanto, convidaram-me para fazer uma participação e eu fui lá fazer uma imitação. Na altura, estavam a formar uma companhia de revistas e convidaram-me para ficar. Estreei-me em “Mulheres de Sonho” – uma revista enorme, que fez imenso sucesso – iniciando a minha carreira profissional. Portanto, são 59 anos em palco como profissional e, sem ser profissional, são 72.
Nasceu, literalmente, no teatro.
Sim. A minha mãe estava no camarim quando rebentaram as águas. E tornei-me actor. É disto que eu vivo, é o meu oxigénio.
Sente-se mais confortável em palco ou a fazer televisão?
As duas coisas, mas gosto mais de teatro. No teatro, temos a reacção imediata do público. Na televisão, temos as máquinas. Se nos enganarmos, paramos, voltamos atrás e fazemos novamente. No palco, se não dizemos “bacalhau”, dizemos “pichelim”.
Há alguma peça que tenha gostado, particularmente, de fazer?
A que fiz antes desta, a “Vamos contar mentiras”, gostei muito. Foi uma comédia feita pelo Raul Solnado há muitos anos e nós colocámos em cena em 2013. Gostei de todas as comédias que fiz, até porque as escolho. Contudo, aquela de que gostei mais foi “Sexo, nunca somos britânicos”. Foi uma comédia espectacular, de um grande autor norte-americano.
Qual a situação mais caricata que já lhe aconteceu em palco?
Há tantas (risos). Houve uma, quando o Benfica foi, pela primeira vez, campeão Europeu. Eu fazia um terceto com o Costinha, que era a primeira figura da companhia, e a sua esposa numa revista no Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer. Eu fazia de filho deles e era muito magro, sempre fui. Vinha de calções, com sardas e uma grande bandeira do Benfica. Um dia, eu estava no camarim, não ouvi ninguém a chamar-me para o número e começo a ouvir o contra-regra a gritar. Desço rapidamente, entro com a bandeira e o Costinha diz-me – não estava no texto – “Olha para isto, pareces um feto!”. O público riu. Eu deixei o público rir e respondi “Então dávamos um rico bilhete postal: o feto e o aborto”. Veio a casa abaixo. Quando saímos de cena, ele disse que não admitia. Eu, muito nervoso, fui para o meu camarim e parti tudo.
Já fez teatro, televisão, dobragens e cinema. O que gostaria de fazer, que não tenha feito ainda?
Em cinema já ganhei todos os prémios que existiam para papel dramático, incluindo o Óscar Português da altura, entregue pelo Presidente da República de então, Almirante Américo Tomás. Após ter ganho os prémios, nunca mais gravei. Agora gostava de fazer uma alta comédia, onde há drama e comédia. Isto porque eu não sou um comediante, sou um actor.
Tem projectos futuros?
Quero levar esta peça ao Porto, a minha terra natal. Depois, fazer o resto do país. E quando já não houver mais locais onde a levar, escolher outra peça. Parar é que não posso. Só paro no dia em que não puder mesmo.
Se voltasse atrás no tempo, faria tudo da mesma forma?
Sim. Já nasceu comigo. Feliz é aquele que faz aquilo de que gosta, que é o meu caso.