Erasure: flash, apagar, desaparecer
Uma cadeira, um balão, dois tecidos, dois corpos. Na escuridão da Sala Estúdio do Teatro Dona Maria II são-nos expostos objetos e pessoas numa quase levitação aquando do seu registo fotográfico. O flash é nítido mas cega; as palavras são escassas.
Da autoria de Pedro Manuel e com a participação do mesmo e de Inês Jacques, Erasure apresenta-se como um projeto fotográfico integrado no Lugar do Olhar – um ciclo que reúne 3 peças que apresentam a imagem em movimento – e esteve em cena durante dois dias: 14 e 15 de Novembro de 2015.
“Apagar, ausentar, desaparecer” são os conceitos base destes 50 minutos de total off do exterior. Os dispositivos percetíveis ao público são poucos: uma câmara fotográfica, duas mesas, uma impressora e uma tela. E bastam.
Numa cumplicidade óbvia, os intervenientes colocam os corpos e os objetos de forma quase automática em frente à câmara. Três luzes, três segundos; a situação é fotografada. A situação repete-se indefinidamente. Entre fotografias de corpos a correr um para o outro, de espelhos entre os braços, de rostos e de cadeiras que não tocam o chão, surgem as fotografias do público – de forma direta ou com o recurso, uma vez mais, ao espelho, para que daí resulte uma imagem um pouco mais distorcida.
Após um primeiro momento de captação direta de imagens, surge um segundo – a observação das mesmas numa tela branca – e um terceiro – a ação de fotografar as imagens apresentadas na tela. Contudo, os resultados são totalmente díspares em cada um dos momentos; e existe uma razão para isto.
Inicialmente, o que é fotografado é um objeto ou uma pessoa que está presente, o que faz com que a imagem que daí surge seja vista de um modo claro.
Por outro lado, quando existe uma tentativa de “fotografar aquilo que já foi fotografado”, isto é, fotografar a imagem a partir da sua apresentação na tela, o resultado é negativo. A imagem é impercetível, desaparece.
E é exatamente este o objetivo desta apresentação. Tal como nos é referido pelo Teatro Nacional Dona Maria II: “Pedro Manuel cria um dispositivo onde fotografa uma série de imagens que compõe no momento, para, de seguida, projetá-las numa tela, e voltar a fotografá-las. No entanto, ao captar as imagens uma segunda vez, a intensidade do flash sobrepõe-se à luz da projeção. As imagens desaparecem com o clarão. O ato de registo torna-se um ato de apagamento.”
Mas o facto de esta ser uma exibição bem conseguida não se deve somente à fotografia em si, mas a toda a envolvente do espaço.
O ruído invade a sala aos poucos. A cada cinco minutos, fundem um novo som no que se fazia ouvir anteriormente e assim consecutivamente: uma ventoinha, bolhas de plástico a rebentar, sorver, um suspiro e um instrumento musical.
O som, por consequência, faz o chão vibrar e todos o sentem. Um indivíduo francês comenta a situação com a sua esposa, que concorda.
E, de repente, surge uma nuvem de fumo vermelha – cor essa criada pela luz – que chega ao público com uma constituição adocicada, que deixa um sabor na boca durante alguns minutos; até desaparecer.
Assim, Erasure representa não só uma peça sobre o apagamento percetível através da segunda fotografia, mas também uma peça de total confluência e harmonia de sentidos – a visão da fotografia, o tato da vibração, o paladar e o olfato da nuvem de fumo e a audição de toda a panóplia de sons.
A associação do Teatro Nacional Dona Maria II ao Festival Temps d’Images, que resultou na realização de “um open call dirigido a jovens artistas na área das artes performativas que pretendessem apresentar, durante a edição de 2015, um trabalho em estreia”, alcançou o público de uma forma diferente. No final da peça, todos se levantaram e foram observar os resultados das fotografias, apresentados em dossiers à saída. Ninguém foi embora. Todos ficaram e a peça teve a sua continuidade no pensamento de cada um.