Artes Visuais e Performativas

“Eu podia ter feito isto” – porque é que arte conceitual é incompreendida

Ao colocar a obra Monocromo azul, de Yves Klein, e a obra Lírios, de Van Gogh, lado a lado, é fácil notar várias diferenças na sua produção.

A obra de Van Gogh tem profundidade e dá uma enorme atenção ao detalhe, enquanto que a de Yves Klein é um simples quadrado azul. Porém, as duas obras são famosas peças de arte. 

Há uma nova trend nas redes sociais em que os internautas mostram obras de arte que, na sua opinião, conseguiriam facilmente fazer. 

Vamos analisar algumas das obras que cabem neste espectro.

Fonte: MoMa

Esta obra de Joseph Kosuth chama-se Uma e três cadeiras. A obra contém as três formas de uma cadeira: a física, a fotografia e a definição de um dicionário.

Outro exemplo é a obra de Felix Gonzalez-Torres chamada originalmente (Untitled) Perfect Lovers, e traduzida (Sem Título) Amores perfeitos.

Fonte: MoMa

São dois relógios iguais, ajustados à mesma hora, minuto e segundo.

Seguramente que qualquer um de nós poderia ter feito qualquer uma destas obras. Nenhuma delas necessita de uma técnica artística avançada. Então, porque é que estas obras são tão importantes e relevantes?

O movimento artístico

Em 1917, Marcel Duchamp chocou com as suas obras de arte, mais especificamente com a obra Fonte. Esta  obra é constituída por um urinol com a assinatura R. Mutt. Depois disso, nem tudo se transformou em arte, mas tudo passou a ter o potencial de sê-lo. Assim surgiria o primeiro precursor da arte conceitual, quando esta ainda nem tinha nome.

Fonte: Tate

Nos anos 60 e 70 surgiria, finalmente, o movimento artístico da arte conceitual nos Estados Unidos e na Europa. As obras destes artistas eram – numa palavra – absurdas. Não tinham qualquer técnica artística e eram, muitas vezes, apenas objetos comuns. No entanto, eram arte. Muitos estudiosos tentaram definir o que é a arte conceitual: alguns disseram que este género de arte se classifica assim por estar inserida num contexto artístico, como um museu ou uma galeria. Mas se for assim qualquer coisa pode ser arte. Qual é a barreira da arte nesse caso? 

A adoração da ideia

Para este movimento, a obra é a ideia e não a sua execução. No caso de Felix Gonzalez-Torres, a obra dos dois relógios pode parecer simples, mas quando conhecemos a história do artista, a obra ganha outra dimensão. Os dois relógios representam “dois batimentos cardíacos mecânicos“, comentando “a perda pessoal, bem como a natureza temporal da vida“. Simboliza o parceiro do artista Ross Laycock e o seu declínio lento e a morte inevitável devido à SIDA, segundo a Public Delivery.

O mesmo ocorre com a obra Uma e três cadeiras. A obra de Kotusch põe em causa a realidade. O que é mais real para nós? A cadeira fisicamente, a fotografia ou a sua definição? 

O que importa neste movimento é a ideia do artista, que foi tão forte que lhe deu o desejo de a expressar de alguma forma.

O significado da arte conceitual

Conhecendo a história das obras é possível ter outra perspetiva sobre elas, o que nos leva a perguntar se seríamos capazes de criar a mesma obra. Esta simplesmente não teria o mesmo peso se fosse criada sem um motivo da alma. E é por isso que a definição da arte conceitual está  sempre centrada na ideia, na imaginação, no desejo e na humanidade do artista, e não na sua execução. A arte conceitual surge, em parte, como uma reação contra as normas estabelecidas da arte tradicional. Os artistas conceituais desafiaram a ideia de que a beleza e a habilidade técnica são os únicos critérios válidos para avaliar a arte.

Este género de arte é político, não na forma de ilustrar os eventos correntes, mas na forma como questiona o status-quo. É quase agressivamente não-artístico.

O movimento muitas vezes utiliza a linguagem, seja escrita ou visual, como parte integrante da obra. A comunicação da ideia torna-se essencial, e o público é convidado a alinhar-se intelectualmente com ela. Como o próprio nome indica, trata-se de uma expressão artística mais pautada nos conceitos, reflexões e ideias, em detrimento da própria estética (aparência) da arte. Nela, a atitude mental é o mais relevante. 

Uma má peça de arte conceitual leva-te a pensar no facto de que a ideia por detrás não é relevante o suficiente para a explorar. Já uma boa peça leva-te a querer saber mais.

Qualquer um pode continuar a preferir outros tipos de arte que demandem mais aptidões práticas; mas da próxima vez que vires uma obra de arte conceitual e pensares que também a podias fazer, este é um convite a uma reflexão mais profunda sobre o que a obra pode significar. Os artistas conceituais vieram mostrar que a arte pode ir mais além das capacidades técnicas de um artista.

Fonte da capa: MoMa | Museu of Contemporary Art Australia | Tate

Artigo revisto por Sofia Santos

AUTORIA

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Uma vida sem arte e literatura seria impensável para Catarina. A aspirante a jornalista vê na ESCS Magazine a oportunidade perfeita para ouvir novas histórias e conhecer diferentes perspetivas. É sonhadora por natureza, mente aberta por convicção, e encontra-se atualmente a fazer de tudo para não acabar num trabalho de escritório.