Opinião

Fazer Melhor o Bem

Este texto é uma reflexão. Não o digo com presunção. A lua também reflecte e, embora seja brilhante, não é por isso que achamos que ela é convencida. O Natal é a altura do ano em que, provavelmente, ouvimos a palavra “solidariedade” mais vezes. Eu podia começar já a criticar dizendo que se pode ser solidário todo o ano e não é preciso chegar Dezembro para ajudarmos outras pessoas, mas não é sobre isso que me quero debruçar. A minha reflexão começa um pouco mais atrás: estamos verdadeiramente a ser solidários nas campanhas mais conhecidas de Natal?

Comecemos pelo exemplo dos livros, em que metade do valor reverte a favor de uma associação. Por um lado, para que serve a outra metade do dinheiro? Se é para os custos de produção, onde está a verdadeira solidariedade daqueles que produzem os livros? Por outro lado, que solidariedade é a nossa quando precisamos de que nos dêem um livro para ajudarmos? Para mim, a solidariedade não é uma troca. A solidariedade só tem um sentido: o de dar. Se é verdade que estas campanhas ajudam pessoas, também não é menos verdade que precisamos de algo tanto material como aliciante para puxar os cordões à bolsa e olhar para aqueles que mais precisam. Não entendam isto como um boicote: quem é necessitado não quer saber se levámos ou não o livro para casa. O meu objectivo é apenas que as pessoas leiam isto e comecem a ajudar sem qualquer compensação em troca. Ajudar pela satisfação de ajudar. Para mim, é isto a solidariedade e é isto o verdadeiro espírito de Natal.

Outra coisa que me deixa mais em choque do que quando o Pai Natal embate a alta velocidade com o trenó na chaminé é o facto de o Estado cobrar impostos em espectáculos de beneficência. O Estado devia ser a primeira entidade a ser solidária, uma vez que o Estado somos todos nós. Nem que seja do ponto de vista meramente simbólico. As guerras param durante o Natal, mas os impostos não têm pausas, folgas, fins-de-semana, greves, dietas, bom senso, solidariedade ou o que lhe queiram chamar.

O “Natal dos Hospitais” é mais uma daquelas coisas que eu recuso designar como sendo solidariedade. E nem sequer o digo por ir lá cantar a nata da música popular portuguesa. Um verdadeiro pot-pourri da música pimba (o que, de certa forma, prova que um mal nunca vem só. Já não bastava estarem doentes…). É verdade que eles vão cantar lá sem ganhar um único cêntimo, mas, em troca, ganham a visibilidade que as câmaras de televisão lhes proporcionam. Gostava de que continuassem a ter esta iniciativa, mas com as câmaras desligadas.

Eu não gosto do Natal, mas gosto de que as pessoas gostem do Natal. Apercebi-me de que só pessoas que gostem do Natal podem fazer com que o Natal seja aquilo que verdadeiramente devia ser. Ainda assim, decidi que não podia ficar escudado nesta desculpa e não fazer nada. Escrevi este texto. Se houver alguma pessoa que leia, concorde comigo e altere o comportamento, então já dei um pouco de Natal a este Natal.

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AUTORIA

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O Francisco Mendes é licenciado em Jornalismo e pauta a sua vida por duas grandes paixões: Benfica e corridas de touros. Encontra o seu lado mais sensível na escrita de poesia, embora se assuma como um amante da ironia e do sarcasmo. Aos 22 anos é um alentejano feliz por viver em Lisboa.