Opinião

Precisamos de um psiquiatra

Somos limitados. É algo enraizado na nossa essência; algo que vai muito para além da geografia: somos pequenos porque a nossa mentalidade é pequena. Temos o campo de visão limitado pelo excesso de interesse que demonstramos ter por nós próprios. Não há maneira fácil de o dizer: somos um país egocêntrico. O nosso enfoque é quase sempre nacional, delimitado pelas nossas fronteiras físicas e pela clausura da nossa psique: as crises internas, os escândalos internos, a economia interna. Padecemos do “síndrome da cortiça”.

CRÓNICA -Precisamos de um psiquiatra - João Carrilho (para o corpo do artigo)

Paradoxalmente, o nosso povo sempre foi adjetivado como anémico. Tudo está mal. Todos conspiram contra todos. Somos a prova viva da esquizofrenia. O Governo é parasítico, mas a oposição não é alternativa. O nosso défice empilha-se, mas ninguém reestrutura a dívida. Somos apáticos e esperamos que os outros resolvam os nossos problemas. Um qualquer Messias. Tanto nos faz.

Portugal está clinicamente deprimido. Temos todos os sintomas. Somos conformistas pois temos ausência de motivação: não nos interessa alterar o que está mal, porque é mais trabalhoso fazê-lo do que lamuriar. É o pranto que equivale ao mau-humor e à instabilidade emocional no nosso quadro clínico. Somos pessimistas porque o futuro é sempre pior do que o presente: estamos mal, mas pior ficaremos; estamos bem, mas a tormenta não demora. Já pouco nos diferencia do velho do restelo. Vivemos apaixonados pela nossa tristeza: a dor portuguesa é a maior dor, é a única dor. É confortável fechar os olhos ao estrangeiro, porque a claustrofobia ajuda. É melhor pensarmos no quão mal estamos do que olharmos para a Palestina. É melhor fecharmos os olhos à Crimeia, às tenções raciais explosivas nos Estados Unidos e aos relatórios de tortura publicados pelo CIA, que revelam o monstro que vive em muitos de nós.

Portugal e a política internacional há muito que estão divorciadas, mas quem nos culpa? Estamos doentes. Esquecemo-nos há muito tempo do que é olhar lá para fora. Do que é ser solidário. Estamos demasiado tristes para olhar para os problemas dos outros. Defendemos com unhas e dentes a tese de que o nosso sofrimento é maior do que o dos outros. Na nossa essência continuamos a ter a mentalidade salazarista, mas agora mudámos para o nacionalismo passivo e amorfo.

CRÓNICA - Precisamos de um psiquiatra - João Carrilho (Thumbnail)

Mas de quem é a culpa? Quem nos envenenou? Foram os media, com a sua pouca cobertura dos eventos extra Portugal e com o seu enfoque em dramas sensacionalistas?  Foi a sucessão de anos de más práticas políticas e/ou gestões danosas? Foi o descrédito do sistema governativo? Foi a falta de rotatividade política? Foi a esperança esmagada vez após vez? É o facto de sermos uma democracia? Foi a legionella?

Quem sabe se não será desta que a culpa morre virgem. Já nem digo solteira.

Forçada uma resposta, eu diria que a culpa está impressa na genética portuguesa: está impressa no nosso passado derrotista, na nossa complacente e simpática vénia oferecida àqueles que têm autoridade. Está no “Mapa cor-de-rosa” e na dinastia dos Filipes. Está na nossa cobardia. Somos uma democracia demasiado frágil para sequer pensarmos em olhar para as outras velhas democracias.

Talvez esteja na altura de Portugal aviar a receita de Prozac…

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