Opinião

GRACINHA E OS CHOCOLATES DE LUZ

É dia 24 de dezembro. Véspera de natal. A família junta-se à mesa; o fogo da lareira aquece cada canto da sala; os avós relembram histórias; os pais riem-se das caretas das crianças; e os tios ajudam à palhaçada da criançada. Não há música ambiente, porque as gargalhadas familiares já são o soundtrack da noite. A comida vem para a mesa. “Que cheirinho”, afirma a mãe. “É. Cheira bem, cheira a Natal”, comenta a Gracinha.

Muito gosta esta pequena moçoila de juntar a família toda à mesa ou não fosse o natal a época preferida dela. Os pijamas quentinhos que a avó lhe oferece; os abraços harmoniosos que os primos lhe dão; as histórias engraçadas que a tia lhe conta; as intervenções desnecessariamente hilariantes que o pai faz durante a leitura de um texto; as dinâmicas mexidas que inventa com as primas; os doces que são feitos no céu. Enfim, cheira-lhe bem, cheira-lhe a natal. Mas também cheira a potencial. Ou não fosse esta uma aventura da Gracinha, a pequena moçoila que é desajeitadamente desastrada. E gulosa. Muito gulosa. Tão gulosa que quando a mãe dela comprava aqueles calendários natalícios que têm um chocolate para cada dia do mês de dezembro ela comia os seus chocolates e os do seu irmão. É verdade. Ele não achava muita graça, mas ela deliciava-se.

Ora bem, imaginemos o seguinte: uma árvore de natal enfeitada; luzes a queimar o olhar; um chocolatinho escondido nos ramos da árvore a sentir-se “triste, só e abandonado”. A Gracinha, que gosta de ajudar o próximo, decidiu arranjar espaço na sua barriga para o chocolate que se estava a sentir sozinho. No entanto, não queria perturbar o ambiente que estava no ar. Para contornar a situação, decidiu descalçar-se e dirigir-se com calma até à árvore. A árvore encontrava-se no canto da sala. A Gracinha caminhava como quem tem pés de lã. E passo a passo a pequena moçoila avançava. Pelo caminho tinha que derrubar alguns obstáculos: dava um dedo de conversa ali; um abracinho acolá; e uma gargalhada aqui. No final da corrida não se riu muito, mas já me estou a antecipar.

Voltando ao cerne da questão: a Gracinha teve pena de um chocolate que se estava a sentir sozinho na árvore de natal, mas não queria chamar as atenções familiares para si. Então, pé ante pé, lá fez o que tinha a fazer. Caminhar em direção à árvore de natal como quem não quer a coisa. Mas queria. E muito. Contudo, de querer uma coisa a consegui-la vai uma grande diferença. Por isso, na vida, temos sempre que ir à luta. E é aqui que entram os primos da Gracinha. Digamos que suas excelências, depois do jantar, decidiram ir jogar playstation. Melhor do que isso… Decidiram deixar os cabos espalhados. Esperem, afinal tenho uma ainda melhor: a brincadeira estava a ocorrer perto da árvore. Sim, a árvore que tinha o chocolate que a Gracinha tanto queria comer.

Para ser sincera, no final do dia ela só comeu o pó do chão. Vamos rebobinar: a Gracinha quer comer um chocolate que está na árvore. A árvore está na outra ponta da sala. Os seus primos estão a jogar consola. Os cabos desta estão espalhados na área de influência da árvore. A Gracinha não queria chamar à atenção. A Gracinha anda com cuidado, mas esquece-se dos cabos. A Gracinha tropeça num dos cabos e cai em cima da árvore.

E a isto, meus amigos, é que se pode chamar “ver estrelinhas a brilhar”, porque, a partir daí, tudo o que a pequena moçoila viu foi luzes. Claro que tudo isto poderia ter sido evitado. Se a Gracinha se concentrasse mais no espírito natalício do que propriamente nos chocolatinhos (que estavam muito bons, diga-se de passagem), nada disto teria acontecido. Por isso, quando a gula puxar por vocês, ignorem e aproveitem o momento, porque todos os natais são especiais e devem ser aproveitados ao máximo. Aliás, todos os dias deveriam ser especiais, mas deixo isso para uma próxima aventura. Até lá, um bom natal e já sabem… Afastem-se dos chocolates da árvore. Ou então não deixem os vossos primos jogar playstation perto desta. Algo pode correr mal. Palavra de Gracinha.

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