Hell or High Water, um Western moderno
Estreou no Festival de Cannes em maio passado e chegou recentemente às salas de cinema portuguesas. Hell or High Water, protagonizado por Jeff Bridges, Chris Pine e Ben Foster, é o novo trabalho de David Mackenzie, um western dos tempos modernos que promete ser um dos melhores filmes de 2016.
Pode-se dizer que é uma narrativa que se desenvolve a dois ritmos. Temos situações verdadeiramente emocionantes, repletas de ação, e outras algo paradas, cuja monotonia é deliberada pensada para o desenvolvimento das personagens e para a exposição daquilo que está por trás das suas idiossincrasias. Aliás, os protagonistas acabam por ser o verdadeiro motor desta história. Divididos em grupos muito distintos (um de polícias e outro de ladrões), o contraste entre cada um deles acaba por influenciar positivamente o decorrer do filme rumo ao seu clímax.
Temos, no grupo dos ladrões, Tanner e Toby Howard (Foster e Pine, respetivamente), que assaltam bancos da Texas Midlands para poder pagar uma hipoteca em dívida da sua falecida mãe. Enquanto Tanner é excêntrico, insano e movido pela adrenalina do crime, o seu irmão Toby é uma pessoa mais racional, astuta e contida, mas fortemente motivado por uma força maior que o leva a quebrar a lei. Uma força paternal e de arrependimento, que vos será melhor explicada se virem o filme. Não é para dar spoilers que escrevo esta crítica.
No lado oposto, o grupo dos polícias (ou Rangers, para seguir corretamente a nomenclatura texana). Marcus Hamilton (Bridges) está prestes a reformar-se e tem como última missão deter os irmãos delinquentes. Viúvo, irreverente e destemido, nutre um instinto impressionante e uma convicção cega que acaba por muitas vezes deixar o seu parceiro Alberto Parker (Gil Birmingham) à beira da loucura. Parker, apesar da sua admiração por Hamilton, nem sempre concorda com as suas opções, por ser um indivíduo racional e humilde, nunca saindo das margens da lei.
Esta dualidade de personagens facilita a empatia com as mesmas e a compreensão dos seus papéis a cumprir no filme. Consegue demonstrar que duas personagens incrivelmente opostas se conseguem unir de forma a complementarem qualidades e fraquezas, salientando um espírito de camaradagem entre os mais distintos indivíduos. Toda esta construção de personagens edifica um sentido para a narrativa, engrandecendo-a, para além de conferir um lado mais humano e realista aos acontecimentos. É ficção, claro, mas as situações retratadas em Hell or High Water são passíveis de acontecer na vida real. Mais uma vez, vejam o filme. Vão perceber porque digo isto.
Apesar do simples enredo, não deixa de haver mistério no ar. Não há momento algum, senão já perto da conclusão, em que os nossos “polícias e ladrões” se cruzam, uma grande tática que deixa o espectador em pulgas a tentar antecipar possíveis cenários. Não há quaisquer indícios de pistas que apontem para um óbvio desenlace das várias cenas e do próprio filme. Até mesmo quando parece que existem somente dois rumos a seguir, eis que surge um terceiro vindo do nada que consegue manter a espetacularidade imprevisível da narrativa intacta.
Taylor Sheridan, responsável pelo argumento, e David Mackenzie trabalham bem o fator surpresa, ainda que, como já referi, possa haver momentos onde o fluxo da narrativa é mais lento. Mas, devido ao excelente trabalho do elenco, as interações entre os protagonistas não nos deixam com sono e a bocejar. Os diálogos estão adornados de informação primordial que nos ajuda a compreender a história, e a sua composição escrita providencia-os de naturalidade. Isto torna-os muito mais credíveis e um elemento essencial no decurso dos cerca de cem minutos de ação.
Muito aclamado pela crítica, Hell or High Water ganha mérito pelas performances de Jeff Bridges e Ben Foster e pela forma como foram concebidas as personagens. O contraste entre protagonistas enriquece um enredo simples cujo objetivo principal não é fechar a narrativa, mas sim deixar a cargo da imaginação da audiência aquilo que pode ser a sua conclusão. Dentro deste género, não se fazia algo tão bom desde Este País Não é Para Velhos. E porque não é demais relembrar: vejam o filme.