Cinema e Televisão

I, Tonya

Tonya Harding, ex-patinadora de gelo americana, foi um caso paradigmático na década de 90. Os bizarros e polémicos eventos que marcaram a ascensão e queda da atleta chegam ao grande ecrã pela mão de Craig Gillespie. Nomeado para três Óscars, I, Tonya é um dos filmes biográficos mais arrojados dos últimos anos, ao conseguir recontar as aventuras de Harding ao equilibrar o trágico com o humor.

Recontar uma estória baseada em factos verídicos nunca é fácil. É preciso haver uma dosagem de verosimilidade presente na moldagem das personagens, diálogos e cenários de modo a não deturpar o registo da realidade. Isto pode causar algumas restrições criativas a certas pessoas, mas tal não sucedeu entre Steven Rogers, o argumentista, e Craig Gillespie. De facto, o realizador de Lars and the Real Girl consegue domar essas limitações e exibe o seu cunho pessoal em I, Tonya. Engendra um estilo próprio dentro do género biográfico, conseguindo ensinar e divertir a sua audiência no decorrer da ação, assim como guiar o seu elenco para interpretações imaculadas.

Se excluirmos o necessário exagero de Hollywood ou uma ou duas cenas mais forçadas, todo o filme pareceu-me credível e, acima de tudo, entreteve-me. O tom cómico, como mencionei, cumpre o seu objetivo lúdico e é utilizado de forma a ajustar o argumento às insólitas personagens que o compõem. Doseia bem a angústia e a consternação com momentos hilariantes que tornam a narrativa mais célere e cativante, ganhando consistência na globalidade. O humor faz com que I, Tonya se distinga do ritmo mais arrastado da generalidade das obras biográficas, assentando que nem uma luva no filme de Gillespie. Também o estilo mockumentary é utilizado a espaços numa manobra bem utilizada pelo encenador. Ajuda a criar uma sensação de proximidade entre o público e as personagens, fazendo com que aqueles que assistam ao filme se possam sentir como um elemento integrante da narrativa. Para além disso, permite uma apresentação concisa da sucessão de casos que marcaram a vida de Tonya Harding, ajudando à melhor compreensão dos mesmos. Ressalvo que, após a visualização, fiquei bem esclarecido e interessado sobre a história da patinadora, a qual me era relativamente desconhecida até há umas semanas.

A edição do filme é, portanto, um dos pontos fortes de I, Tonya, especialmente pela inclusão de imagens de arquivo em certos momentos da narrativa. Induz uma sensação de realismo e explora técnicas pouco utilizadas noutras biografias no mundo da Sétima Arte. Contudo, o verdadeiro destaque do filme está nas interpretações de Margot Robbie e Allison Janney, pegando no que mencionei há alguns parágrafos atrás. São elas que estabelecem o pináculo da qualidade de I, Tonya.

Ambas estão indicadas para os Óscars de Melhor Atriz e Melhor Atriz Secundária, respetivamente. Enquanto Allison Janney, no papel de LaVona Harding, mãe de Tonya, parece ser a favorita a levar a estatueta de ouro para casa, Robbie parte com alguma desvantagem – porém, não significa que o possa dar como perdido.  A jovem atriz foi incutida com a enorme responsabilidade de produzir o filme e reencarnar a protagonista e o resultado não poderia ter sido melhor. Cada acrobacia, cada esgar, cada emoção transpirava muito da verdadeira Tonya Harding em Margot Robbie, desempenhando aquele que é, talvez, o melhor papel da carreira. Esperemos mais uns dias para saber qual o veredicto da Academia. Certo é que o elenco, do qual ainda fazem parte Caitilin Carver, Sebastian Stan ou Bobby Cannavale, entre outros, enfatiza a grandeza do trabalho do realizador e de Steven Rogers.

Em conclusão, I, Tonya ultrapassa barreiras na execução de filmes biográficos, explorando o sentido de humor para retratar um dos casos mais inusitados da história da patinagem no gelo. Não se confina ao politicamente correto nem procura espremer as emoções nas pessoas. Informativo e divertido, I, Tonya, graças à sólida performance do seu elenco e à construção do enredo, destaca-se pela sua irreverência e disrupção. Pode ter as suas falhas, mas não deixa de ser mais um bom filme de entretenimento efetivado por Craig Gillespie.