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Jornalismo desportivo: de relatos de jogos de futebol na Playstation ao quotidiano numa redação, tudo é paixão

No âmbito do quinto aniversário da ESCS MAGAZINE, o Auditório Vítor Macieira recebeu o debate “Jornalismo desportivo: jornalismo ou desporto?”. Numa sintonia curiosa, os oradores convidados eram também cinco e, no palco, transmitiram o seu conhecimento e amor pela comunicação e pelo desporto. No entanto, também fomos conhecer o outro lado: o de quem ainda está a estudar e ambiciona ser eternamente recordado pelo trabalho que realizará… Talvez com frases igualmente icónicas como “ripa na ripaqueca” do locutor Jorge Perestrelo.

Dado o pontapé de saída para este artigo, só nos resta desejar-te um bom jogo… Isto é, uma boa leitura!

 

Os jogadores que estiveram em campo foram… 

A ESCS MAGAZINE desempenhou o cargo de treinadora e a escolha dos titulares esteve nas suas mãos.

João Gomes Dias iniciou o seu percurso na licenciatura em Engenharia Mecânica mas rapidamente entendeu que o interesse que nutria pela comunicação era primordial. Assim, tirou o curso de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), onde exerceu diversas funções, desde ser redator nos sites Desporto Global e Bola na Rede, até ser locutor na ESCS FM. Neste momento é jornalista na RTP e na Sport TV.

Para João, a paixão pelo desporto nasceu primeiro: “tentava recriar aquilo que ouvia e juntar os dois mundos”, explicou o jovem que rejeita a ideia ainda presente de que os jornalistas desportivos são “de segunda”: “somos polivalentes. Posso dizê-lo porque desde que trabalho em desporto, cresci e aprendi a fazer tudo”, confessou.

Marco Ferreira também se encontrava enganado, tendo começado o seu percurso académico em Relações Públicas e Comunicação Empresarial, mas rapidamente entendeu que o seu futuro passava pelo Jornalismo. Trabalhou na CMTV durante dois anos e, desde setembro do ano passado, faz parte da equipa da Bola TV.

Já Nuno Matos encontra-se nestas andanças há quase trinta anos. Passou pela Piranha, rádio local, e fez o programa Discos Perdidos na Renascença. Com 18 anos de Sport TV, admite sem quaisquer problemas: “a rádio é a minha história, a minha vida, o meu grande amor”.

Ao lado de Nuno, encontrava-se Alexandre Afonso, jornalista da Antena 1 há quase vinte anos e líder da equipa de desporto há cinco. Juntos, anteciparam a vitória da seleção nacional, no EURO 2016, com um golo de Éder. Alexandre foi conciso na sua primeira intervenção no debate: “não gosto de pedir para fazer, gosto de fazer”. Provavelmente, é esse espírito que lhe garante o sucesso que tem vindo a alcançar.

Ricardo Borges de Carvalho, pivot e coordenador da Edição da Noite e do Jornal da Meia Noite da SIC Notícias, jogou basquetebol até aos 26 anos e, desde criança, lia os suplementos desportivos dos jornais e ouvia rádio como se não existisse mais nada em seu redor. Entre 2005 e 2007, foi jornalista desportivo e editor-assistente na Euronews, em Lyon. “Os jornalistas desportivos, principalmente no arranque da SIC Notícias, eram considerados de uma casta diferente”, afirmou, defendendo que o desporto é uma área da comunicação diferente porque mexe com as paixões e emoções.

A moderar o debate, estava Mariana Fernandes, finalista da licenciatura em Jornalismo e colaboradora no site Bola na Rede, que, em conversa com a tua Magazine, revelou: “Sempre que dizia que queria ser jornalista, era para entrevistar os jogadores, os treinadores, falar sobre aquilo de que mais gosto todos os dias. Claro que me interessei, entretanto, por outros prismas e agora me imagino a fazer muita coisa. Mas a preferência será sempre o desporto”. Mariana praticou futebol na infância e na adolescência e, apesar de participar na ESCS FM e na ESCS MAGAZINE e de se interessar por outros temas, o seu coração baterá sempre mais forte pelo desporto.

 

O jornalista desportivo visto pelos oradores 

Marco Ferreira enfatizou um dos pontos negativos de trabalhar nesta área: “Quando nos enganamos num nome, num local, etc. parece que cometemos um crime”, reforçando que noutras especialidades do jornalismo, como na política ou na economia, as coisas acontecem de outro modo.

Alexandre Afonso admitiu que o jornalismo desportivo está excessivamente futebolizado em território lusitano, evocando a necessidade de nos lembrarmos da variedade, capacidade de persuasão e influência: “O jornalista desportivo não é nenhum mentecapto. Temos horizonte e cultura geral, mesmo que a maioria das pessoas não pense desse modo”, rematou.

Nuno Matos reforçou um pensamento que devia prevalecer: “Não há jornalistas de primeira nem de segunda. Há jornalistas”.

“A teoria não importa para as chefias, só interessa aquilo que conseguimos fazer”, reconheceu Ricardo Borges de Carvalho, lançando o mote para o tópico seguinte do debate.

 

A (falta de) oferta académica no âmbito do jornalismo desportivo 

Se pesquisarmos por “jornalismo desportivo”, o leque de resultados não é tão amplo quanto poderíamos pensar. Encontramos unidades curriculares com esse nome em pós-graduações ou licenciaturas, mas nenhum curso verdadeiramente direcionado para a prática do dito jornalismo que se foca exclusivamente no desporto.

De todos os oradores presentes, Ricardo Borges de Carvalho foi o único que teve a oportunidade de ter uma formação académica intensiva naquilo que diz respeito às disciplinas intimamente relacionadas com o desporto, na Escola de Estudos Universitários Real Madrid. No site da Universidade Europeia, pode ler-se: “Os dois maiores players do Ensino Superior, Laureate International Universities, e do Desporto, Real Madrid, juntaram-se para criar uma incomparável Escola de Excelência”.

Contudo, a pós-graduação em Comunicação e Jornalismo Desportivo já não se encontra em funcionamento e Ricardo confessou que só a frequentou porque a SIC Notícias financiou a sua formação: “Esta pós-graduação tem o custo de quase seis mil euros. Eu e os meus colegas tivemos de assinar uma cláusula contratual em como não rescindiríamos o contrato com a SIC Notícias enquanto estivéssemos a usufruir deste programa letivo”.

Após o jornalista do canal de Carnaxide ter partilhado a sua experiência, todos concordaram com a criação de uma pós-graduação ou de um mestrado em jornalismo desportivo, na medida em que um jornalista político pode especializar-se em Ciência Política, um que goste mais de artes, tem sempre cursos como o de Ciências da Cultura… Mas o que adora o desporto não tem quaisquer opções em Portugal.

 

O jornalista desportivo e a sua conexão a determinado clube 

Há uma pergunta-chave que se coloca: se um jornalista trabalhar num canal ou numa publicação de um determinado clube, ficará conotado com o mesmo? Para Nuno Matos, a resposta é simples: “depende do tipo de trabalho que realizar”. Alexandre Afonso acredita que isso não acontecerá se “disser aquilo que vê e se for factual”. Já Ricardo Borges de Carvalho fez transparecer algumas dúvidas: “Acho que no início de carreira, passa sem mácula… Mas, quando o percurso vai ficando consolidado, é mais complicado”.

 

O estado do jornalismo desportivo em Portugal

Nuno Matos, mais do que dar conselhos aos jornalistas desportivos, levou os oradores e a plateia a refletirem, ao abordar temas que, por vezes, são tabu: “Vejo alguns colegas meus a serem pés de microfone. Preferia ficar em casa a colocar o micro na cara de alguém e não dizer nada”, passando por assuntos como a necessidade de nos darmos ao respeito e o facto de o acesso às fontes ser cada vez mais difícil. Contudo, salientou um aspeto: “a falsa amizade e a hipocrisia podem ser usadas, bem como a sedução, mas devemos privilegiar a amizade e o compromisso porque notícias há muitas”.

Também não deixou de se opor ao negócio dos direitos de transmissão: “Quando um jogo é emitido pela SIC, por exemplo, há diretos a toda a hora, repórteres por todo o lado. Noutro dia, um jogo é emitido pela TVI e os jornalistas da SIC nem aparecem lá. Afinal, o desporto é notícia ou não? Temos de pensar e ser profissionais, deixar de nos focarmos no dinheiro!”.

Alexandre Afonso reforçou a “importância da lusofonia”, dizendo que se sente triste ao ligar a televisão e ver resultados de jogos de clubes de outros países a passar em rodapé quando, em Portugal, se disputam partidas importantes.

Ricardo e João incidiram os seus comentários finais na política à volta do futebol, algo que os faz perder o interesse por esta modalidade. Ricardo admitiu que os programas de comentário futebolístico tornam importantes coisas insignificantes e “os comentadores respondem a comentadores”, isto é, o jornalismo transforma-se em conversa de café. João proferiu uma das frases mais sonantes de todo o debate: “Quando fui para jornalismo, odiava jornalistas. Queria ser diferente. Agora, continuo a não gostar deles, de nós, porque a comunicação social é das áreas que incitam mais ao ódio”.

 

“Cada comentador vive o jogo com tanta emoção e intensidade… é fascinante. Apenas adoraria ser também capaz de contagiar as pessoas que me ouvem ou estão comigo com essa intensidade” 

André Medina encontrava-se na audiência, a escutar atentamente os oradores. Tem 19 anos e, há quase dois, rumou dos Açores à capital, para seguir o seu maior sonho: ser jornalista. Quando questionado acerca daquilo que surgiu primeiro, se foi o desporto ou o jornalismo, viajou até ao passado num ápice: “O desporto, sem dúvida. Desde que eu era pequeno o meu pai costumava tomar conta de mim à noite e ficava a ver jogos de futebol em casa, enquanto eu estava deitado na minha cadeira ou a gatinhar feito parvo de um lado para o outro”, reconheceu, entre risos.

À medida que foi crescendo, começou a acompanhar o pai e “aí nasceu o bichinho pelo desporto e pelo Sporting”. Aos dez anos entrou para uma equipa de futebol, em S. Miguel, alimentando a sua paixão pelo desporto.

“Eu vibro imenso quando assisto a qualquer partida… e quando era mais novo… adorava relatar os meus próprios jogos de futebol na Playstation. Cada comentador vive o jogo com tanta emoção e intensidade… é fascinante. Apenas adoraria ser também capaz de contagiar as pessoas que me ouvem ou estão comigo com essa intensidade.”

Do PES ao FIFA (respetivamente, Pro Evolution Soccer e Fifa Football/Fifa Soccer, videjogos simuladores de jogos de futebol), André subiu a fasquia e os relatos da rádio tornaram-se nos seus melhores amigos. Como inspiração, aponta Hélder Conduto, ex-coordenador de desporto na RTP e chefe de redação na Benfica TV.

Agora que o exercício da profissão que sempre ambicionou se aproxima a passos largos, o aluno da ESCS achou o debate “uma excelente iniciativa por parte da escola e da ESCS MAGAZINE: “É muito bom termos este tipo de debates e conversas com profissionais da área, para que possamos ter uma maior noção de como funcionam as coisas e ajudar-nos a ter uma perceção mais realista daquilo que nos espera quando terminarmos a nossa licenciatura”.

 

O André e a Mariana podem estar ainda a traçar o seu destino, mas os outros profissionais já se encontram em areias menos movediças. Pierre Bordieu afirmava “não há um jornalista, mas vários jornalistas” e será que, seguindo esta lógica, não existe jornalismo mas sim várias especialidades/áreas do jornalismo? Jornalismo desportivo ou jornalismo especializado em desporto?

António Varela, do jornal Record, escrevia em 2011: “O ‘jornalismo desportivo’ vive entalado entre o compromisso de dar notícias, mesmo que essa tarefa não seja muitas vezes simpática, e fazer aquilo a que pomposamente algumas pessoas chamam ‘promover o espetáculo’, missão paradoxalmente vedada por quem tem as estrelas sob contrato, os clubes, que reduzem a participação pública dessas figuras a declarações telecomandadas”, mas, acima de tudo, há algo que não possui arestas dúbias: quem ama tanto o desporto quanto a comunicação conseguirá comunicá-lo sempre de forma exímia, independentemente das designações que lhe sejam atribuídas e isso, sem dúvida alguma, foi provado no debate promovido pela ESCS MAGAZINE.

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