Opinião

Jornalismo sim, publicidade e marketing não

A publicidade e o marketing na sociedade

O marketing é o planeamento da estratégia de uma marca: quem é a marca, quem a consome e que serviços e bens ela oferece. A publicidade é uma das ferramentas do marketing: é, dentro da estratégia definida, a comunicação da marca, cujo objetivo é convencer a consumidora a comprar os seus produtos. Tanto o marketing como a publicidade criam a imagem da marca, tendo em conta quem a consome; dessa forma, o que ela oferece é um reflexo dos desejos e das necessidades do público-alvo. No entanto, apenas parte pequena desses desejos e dessas necessidades é verdadeiramente real e haveria se o marketing e a publicidade não existissem. Estes encarregam-se de convencer o público a acreditar que certos bens ou serviços são necessários, sendo que alguns destes acabam por o vir a ser de facto. Isso pode suceder devido à grande adesão das consumidoras e consequentemente ao facto de certos produtos se normalizarem na sociedade, sendo difícil viver em pleno numa certa cultura sem os usar. Aí, sim, eles passam a ser necessários, não para o ser humano em si, mas para a estrutura de vida coletiva que ele em certa altura criou, com a ajuda do marketing e da publicidade. Foram estes que nos disseram que é obrigatório ter televisão em casa (tendo ao mesmo tempo grande parte da comunicação social migrado para lá) e que o uso do computador é imprescindível (tendo a maioria do mundo empresarial, pelo menos, passado a rejeitar o papel e a comunicar via internet). Mais, são a publicidade e o marketing que criam os milhares de modelos diversos de televisões ou de computadores existentes e que nos fazem crer que eles diferem significativamente entre si. Só há publicidade e marketing porque se produz demais; e só se produz demais porque há publicidade e marketing.

Ao querer vender um produto, o anúncio tem de aproximar a consumidora dele, fazendo-a de algum modo identificar-se com o bem ou o serviço. Para isso, a publicidade tem de necessariamente usar nos anúncios as formas de pensamento do seu público alvo, o que inclui crenças do senso comum, algumas delas preconceituosas e discriminatórias.

Ao refletir sobre os referentes sociais da população que se destina atingir, e tendo em conta a visibilidade que os anúncios têm e o seu impacto no público, a publicidade reforça essas formas de pensar na sociedade; e isso inclui reforçar a discriminação. Por exemplo, mesmo que alguma marca queira vender um bem a uma população feminista e utilizar no anúncio a esse bem as mulheres de forma respeitável (algo que está longe de acontecer atualmente), sem recorrer a estereótipos de género, a marca terá de recorrer inevitavelmente ao racismo se essa população for racista. Imaginando que ela o é, o anúncio sê-lo-á também necessariamente, nem que seja pela utilização de apenas modelos ou atrizes brancas. Desse modo, esse anúncio, inserido num conjunto de anúncios diferentes e de outras marcas também dirigidos àquele público, e, por isso, também racistas, está a reforçar o racismo naquela sociedade.

Ao ser um reflexo e um reforço de certa parte da sociedade (ou dela no geral, se o produto for generalista), cada marca estará também, então, a reforçar certos paradigmas, priveligiando-os em detrimento de outros, perpetuando a hegemonia de certas formas de pensar e intensificando a opressão relativamente a outras. Mas este é um trabalho não feito só pelo marketing e pela publicidade, mas também pelo filtro que antecede a sua existência: só as ideias lucráveis irão ter acesso à propaganda. Isto é, além do comunicado no mercado contribuir para o círculo vicioso da intensificação do pensamento hegemónico, ainda apenas o pensamento hegemónico será comunicado com importância e antena mínima.

A ideia de que a liberalização do mercado é a salvação da humanidade e aquilo que a irá tornar verdadeiramente livre, muitas vezes justificada com o discurso de que, se não se privatizar ao máximo, o Estado irá apoderar-se dos meios de produção e a ditadura instalar-se-á, é uma ideia que esconde outra ditadura, provavelmente mais perigosa, por matreiramente se ir infiltrando silenciosamente nas sociedades. Essa ditadura é a que privilegia conteúdos em detrimento de outros, perpetuando pensamentos únicos. É, assim, a partir da ditadura do capitalismo que um sistema político alegadamente democrático passa a não o ser, a partir do momento em que o mercado e a comunicação social (apoderada por ele) dirigem, quero acreditar, negligentemente, as ideologias das populações.

 

Jornalismo e democracia

O jornalismo é a seleção e a interpretação da informação, com o objetivo de comunicar ao público aquela que lhe terá interesse, tendo como critério a utilidade que certos conhecimentos terão na tomada de decisões por parte das pessoas na vida coletiva. Uma jornalista procura ser neutra, imparcial e honesta. A democracia é um sistema político em que todas as cidadãs participam igualmente no exercício da governação. Só é possível concretizar uma realidade democrática se as indivíduas tiverem conhecimento correto, inteiro e contextualizado, para tomarem as decisões na vida política da forma mais consciente possível. E isso só pode acontecer se as pessoas obtiverem informação a partir do jornalismo, que conceptualmente trará o conhecimento verdadeiro e imparcial à população.

O marketing traz desinformação e distorce realidades; não são apenas os anúncios que o fazem, mas qualquer bem possuído por essa necessidade de persuadir para lucrar. Qualquer programa de televisão, mesmo qualquer jornal, estará a desinformar se pretender obter lucro, porque, a partir do momento em que define esse objetivo, irá necessariamente criar uma marca, tentar atingir certas partes da população, comunicando por isso o que estiver de acordo com as crenças delas, reforçar certos pensamentos e desinformar, por comunicar uma realidade limitada e perspetivas reduzidas. Assim, o jornalismo pode não cumprir o seu papel, imprescindível a uma cultura democrática, quando é absorvido pelo mercado e se rende à falta de valores deste. Mas uma publicidade e um marketing nunca poderão ser benéficos para qualquer desenvolvimento social e estarão sempre a impedir a democracia, ao mesmo tempo que criam a ilusão de que esta existe, apenas por a ditadura não ser estatal.

 

O papel do Estado

O Estado é o conjunto de instituições que controlam a vida em sociedade. A direita defende a livre empresa; a esquerda defende a intervenção estatal na economia; o capitalismo defende a propriedade privada com fins lucrativos. Um Estado mínimo que liberaliza o mercado inclui necessariamente o capitalismo, que inclui necessariamente a publicidade e o marketing, que por sua vez incluem necessariamente a perpetuação e a intensificação das desigualdades sociais existentes. Estas apenas podem ser combatidas se houver alguma entidade que se proponha a isso com prioridade. Essa entidade tem de procurar a justiça e uma distribuição equitativa do poder, fazendo-o, por exemplo, através da regulação das empresas, de forma a garantir que não haja exploração nem precariedade, e, através da criação de uma comunicação social imparcial, que se reja pelo princípio de servir o interesse público, procurando não perpetuar a hegemonia de certos paradigmas, não realçando conjuntos de crenças em detrimento de outros. Desta forma, essa comunicação social não procurará manipular a opinião pública. Poderia fazê-lo negligentemente se o seu objetivo fosse lucrar, menosprezando a tentativa da criação de uma sociedade saudável. Mas, se regulada pelo Estado, e tendo em conta o papel deste e o seu conceito, ela estará ao serviço da democracia, de forma neutra, imparcial e honesta.

 

O capitalismo estagna a sociedade, cria desigualdade e estraga a democracia e o jornalismo. Este apenas pode existir em pleno num governo de verdadeira esquerda, não sendo por isso controlado por empresas que o chantageiem, que o financiam para não as denunciar, nem destruído pela procura do lucro, que o leva a cair na tentação do entretenimento irresponsável.