Literatura

MATCHED e uma sociedade perfeita

E se tudo o que acontece à nossa volta fosse total e completamente programado?

Matched é uma trilogia – Matched, Crossed e Reached – de Ally Condie que explora exatamente essa noção. Numa sociedade em que tudo é programado e decidido por terceiros, desde quem amamos a quando e onde morremos, Cassia é um membro fiel. Sempre teve uma sensação de autonomia e completa confiança neste sistema, até que, na sua cerimónia de Matching (quando os membros descobrem com quem irão casar), lhe aparecem não uma, mas duas caras no ecrã. Obviamente que uma das caras era um erro, mas qual delas? Será que o simples facto de estas terem aparecido não mostra já falhas nesta sociedade  supostamente tão bem composta? Sendo que uma dessas pessoas era o seu melhor amigo e a outra era um rapaz que nem à sua classe social pertencia, porque é que o sistema teria cometido este erro? 

Sem adiantar demasiado, consigo dizer que é uma série que explora uma sociedade que era perfeita e começou a mostrar defeitos aos poucos, e o porquê de esta sociedade ter sido posta em prática, o que nos faz valorizar bastante a questão do livre-arbítrio. Consegue-se fazer vários paralelos com a série Divergente, por também se tratar de uma série sobre uma sociedade quase utópica que aos poucos se vai desenrolando. Mesmo não sendo 100% o meu género de livro, recomendo-o bastante.

Voltando ao tema de uma sociedade já composta e decidida por nós – que abandona o sistema de livre-arbítrio e apenas nos dá essa ilusão, porque ‘’puxa os fios’’ atrás da cortina -, sinto que há vantagens e desvantagens nesta noção. Estas teorias vivem de certa forma em oposição: a noção de liberdade de escolha e de tomarmos o nosso rumo e as nossas decisões, ou a ideia contraditória de vivermos numa ‘’simulação’’ controlada por forças maiores ou seres superiores, género Matrix, e, como sociedade, fomos apenas desenvolvendo consciência ao ponto de já estarmos cientes de que podemos não estar no comando. Quase como se a vida fosse um jogo de Sims, mas os Sims somos nós. 

Para o que vou dizer a seguir ponho de parte essas teorias e a sua validade, ponho de parte o ser ou não ser assim, até porque debater é irrelevante, na minha opinião. Se estivermos, estamos e se não estivermos, não estamos, de qualquer maneira, estamos presos na nossa realidade. O que me interessa aqui debater é os pontos contra e a favor de toda a situação. Ou seja, numa sociedade em que tudo é programado e apenas fazemos o que nos está destinado, vamos ser os disruptores? Ou vamos aceitar e viver no conforto das coisas que foram pensadas para nós? Consigo ver pontos positivos em ambos. 

Ao sermos os disruptores, temos obviamente de argumentar pela individualidade, pela personalidade que nos distingue uns dos outros, caso contrário somos meramente substituíveis. Podemos argumentar que seria bom sermos os disruptores, porque seríamos fiéis às nossas vontades – caso essas fossem diferentes da norma – e porque, assim, realmente conseguiríamos sentir a autonomia e independência que como seres humanos tanto queremos. No entanto, podemos também olhar não só para o facto de, ao não estar nada programado para nós, existir a forte possibilidade de falhar, porque é tudo muito bonito na autonomia, exceto quando realmente temos de ser nós a fazer por nós, mas também para a realidade tão presente de podermos desperdiçar uma vida a correr atrás de uma felicidade e realização pessoal que nunca chega. 

Por outro lado, se pensarmos numa sociedade planeada e programada, temos também vantagens e desvantagens. Entre as vantagens podemos identificar a despreocupação, a ausência de stress, o saber que tudo vai correr exatamente como é suposto e um sentido de liberdade e relaxamento, não porque fazemos o que queremos, mas porque podemos realmente aproveitar o que nos acontece sem pensar demasiado no próximo ‘’grande esforço’’ que temos de fazer para chegar ao próximo objetivo. E, como desvantagens, óbvio que apontamos a falta de livre-arbítrio, o facto de nos podermos sentir claustrofóbicos numa vida que é nossa, mas, ao mesmo tempo, não é porque não somos completamente autónomos nas nossas decisões, e o facto de nos sentirmos restringidos em termos de decisões e sentimentos que nos são ‘’permitidos’’ dentro da mediocridade da vida que nos foi ‘’atribuída’’. 

Ainda tinha bastante a dizer sobre o tópico, porque realmente é um assunto interessante. Não só as teorias que se apresentam, como as soluções e o porquê de cada uma delas beneficiar ou prejudicar a raça humana e a sua dinâmica delicada de pensamento. Qual é que seria o cenário ideal? Isso já fica ao critério de cada um, assumindo que parte de nós se quer. 

Fonte da capa: Joana Costa

Artigo revisto por Francisca Teodósio

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