Mr. Turner, o que a tela não conta
“Mr. Turner” é o mais recente filme do cineasta Mike Leigh e dá-nos a conhecer os últimos vinte e cinco anos do pintor britânico da primeira metade do século XIX. Uma personagem singular que, ao ser interpretada por Timothy Spall, só saiu favorecida na sua excentricidade.
O filme acaba por se tornar peculiar se nos interrogarmos sobre o seu objectivo. Se por um lado esperávamos que as suas duas horas e meia de duração nos dessem uma biografia completa de um dos percursores do impressionismo, por outro lado continuava a ser, mesmo assim, um projecto ambicioso de se realizar. Talvez por isso, e porque menos é mais, Leigh tenha optado por realizar uma sequência por vezes aleatória das acções mais cativantes que nos levam a compreender a visão artística de uma vida notável.
A história começa num momento sem pertinência para o desenrolar da história. Esta aleatoriedade, no entanto, não deixa de ser propositada de forma a evitar, uma vez mais, a necessidade de encontrar constantes motivações ou transformações que justifiquem o percurso do protagonista.
Filho de um barbeiro, Turner é um sujeito solitário, relativamente gordo e com um nariz abatatado que muitas vezes se expressa por grunhidos quando nada mais tem a acrescentar. Vive em Londres, numa casa simples que não condiz com a riqueza exposta no seu atelier, com a governanta, uma mulher de poucas palavras mas que esconde uma paixão surreal por ele. O seu pai, cada vez menos vigoroso, acaba por partir cedo quebrando assim o único elo de afinidade que ainda existia no artista.
A discreta câmara dirigida por Leigh acompanha, no desenrolar do filme, um vasto leque de planos interiores semelhantes a autênticos quadros envolvidos numa luz mais sombria e de tons acastanhados. Situação esta que não surgiu espontaneamente, mas sim de uma atenção particular pela disposição dos objectos nos cenários e pela escolha dos filtros de cores; paleta de cores esta de forma a reproduzir e homenagear os tons mais característicos das pinturas de Turner.
Quer seja pelo cuidado com que foi idealizado ou simplesmente pela fotografia captada ao longo do filme pelo genial Dick Pope (que não deixa ninguém indiferente), Mr. Turner vale as duas horas e meia de cada um de nós. Uma narrativa fragmentada que nem sempre se interliga da forma mais comum e que se resume num pequeno-grande pedaço de arte que o verdadeiro pintor nos deixou.
AUTORIA
Estudante na Escola Superior de Comunicação Social, optou pela vertente Audiovisual e Multimédia. Porque comunicar não se rege apenas de meios, mas sim de paixões e sem querer colocar a escrita de lado, fundou "The Brunette Lingerie", um blog de convicção íntima e um pouco de senso (às vezes). Hoje, faz da escrita um desafio diário, mas acima disso fá-lo porque gosta e porque a vontade de se expressar não se esgota.